• Escolas vivem uma ‘nova pandemia’ sem prazo para volta total às aulas

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  • 20/maio 08:45
    Por Paula Ferreira, enviada especial / Estadão

    Aos 33 anos, Darlise Rosa tem até o 7.º ano de estudo e seis filhas em idade escolar. Moradora de Roca Sales, no Vale do Taquari, teve sua casa condenada pela Defesa Civil gaúcha depois das chuvas que atingiram a região. Apesar do drama de ver seus bens destruídos – alguns deles ainda estavam sendo pagos a prestações -, a cozinheira abre espaço para uma preocupação que não é material.

    “O futuro delas está na escola. Falo isso para elas todo dia. Não quero vê-las sofrendo que nem eu e o pai delas”, disse Darlise ao Estadão. “Eu só trabalho em cozinha e não quero essa vida para elas. Quero que estudem, que tenham um futuro bom.”

    Com boa parte das aulas suspensas, risco à aprendizagem e crianças e professores abalados, a rede escolar do Rio Grande do Sul parece estar de volta a 2020, quando a pandemia da covid-19 fechou salas em todo País.

    O panorama, no entanto, é o registrado atualmente, após uma enchente histórica atingir o Estado e afetar pelo menos 378 mil alunos só na rede estadual, deixando parte desta geração mais uma vez sem acesso à educação, como na época da covid-19.

    Traumas em sequência

    Uma das instituições que viraram escombro é a Escola Estadual Padre Fernando, onde estudam três das seis filhas de Darlise. O colégio foi atingido pela primeira vez na enchente de setembro do ano passado, quando os alunos passaram a estudar no salão paroquial de uma das igrejas de Roca Sales. Com a nova enxurrada do início de maio, a esperança de retorno dos alunos ao prédio original se foi com as águas.

    “Tinha conversado com as meninas para a gente reunir os pais dos alunos e fazer um protesto para ver se conseguia arrumar a Escola Padre Fernando. Aí veio essa enchente de novo e só piorou a situação”, lamenta.

    Dados da secretaria estadual de Educação mostram que, das 2.338 escolas da rede, 1.058 foram afetadas de alguma forma em 248 municípios gaúchos. Os impactos incluem de danos à estrutura da escola até problemas de transporte e acesso, e ainda unidades que estão servindo de abrigo para desalojados.

    Nesse contexto, autoridades correm para tentar promover alternativas de reorganização da rede que vão desde remanejamento de estudantes para outras escolas até instalação de antenas de internet e ampliação do ensino híbrido, que foi uma das ferramentas usadas na pandemia.

    Na terça-feira, 14, o Ministério da Educação (MEC) publicou no Diário Oficial da União uma decisão do Conselho Nacional de Educação (CNE) que permite a flexibilização do calendário escolar no Rio Grande do Sul.

    Com isso, as escolas não serão mais obrigadas a cumprir mínimo de dias letivos desde que cumpram a carga horária prevista para cada uma das etapas de ensino. O MEC também abriu crédito extraordinário de R$ 46,1 milhões para ações de reforma de escolas e R$ 25,8 milhões para a alimentação escolar.

    Sem opções

    Mãe de filhas cujas idades variam de 2 a 15 anos, Darlise foi afetada pela interrupção de aulas desde a creche ao ensino médio. Mesmo a escola de educação infantil da Isadora, de 5 anos, que não foi destruída pela chuva, está sendo usada pela prefeitura como abrigo para pessoas que perderam as casas.

    Até o início da semana, Darlise e as meninas estavam em um abrigo, mas ela resolveu se mudar com as filhas para a casa de um familiar. A dificuldade de acesso à educação é mais uma camada do ciclo de violação de direitos ao qual as famílias do Rio Grande do Sul têm sido submetidas.

    A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, afirma que não é possível estabelecer uma data única para a volta às aulas. Segundo ela, as escolas retomarão as atividades de acordo com a situação particular de cada unidade que teve aulas perdidas.

    O cronograma incerto e o fato de muitas famílias ainda terem perdido tudo trazem preocupação a respeito da possibilidade de aumento da evasão escolar, sobretudo em uma situação na qual a busca de estudantes por parte do poder público pode ser prejudicada em um contexto de grande número de desalojados vivendo em abrigos ou mudando de cidades.

    “A gente tem transmitido muita confiança. Mas eu já conversei com gente de Roca Sales que fala: ‘Não aguento mais perder tudo pela terceira ou quarta vez. Estou indo embora’. Não tem como impedir”, explica a secretária de Educação. “Na pandemia, usamos muito o processo de busca ativa. Só que a busca ativa tradicional não funciona nesse caso, porque antes você ligava para aluno, mandava mensagem, ia na casa dele, você tem endereço, telefone. Agora, a gente não tem.”

    O governo estadual pretende instalar novas antenas de internet e ampliar a criação de pontos focais de educação, onde alunos e professores da rede poderiam acessar conteúdos online.

    Capital como referência

    A quilômetros de distância de Roca Sales, em um abrigo em Porto Alegre, Bruna Aquino, de 31 anos, tem a mesma preocupação de Darlise. A escola em que seus filhos Caio, de 11 anos, e Lorenzo, de 8, estudavam desapareceu sob as águas da enchente.

    “Ali há professores especializados para cuidar do meu filho mais novo, que é autista. É uma escola muito boa”, diz Bruna. “Minha preocupação é que eu não consiga uma escola que dê a ele todo o suporte que ele precisa.”

    A prefeitura de Porto Alegre contabiliza até o momento 12 escolas municipais e 16 creches conveniadas danificadas pela enchente. Nessas unidades são atendidos cerca de 5.500 estudantes, muitos deles agora vivendo em abrigos espalhados pela capital.

    A saída dos alunos dos bairros onde moravam bagunçou a rede escolar, que precisará ser redesenhada para que essas pessoas consigam estudar perto do local onde estão abrigadas. Apesar da dificuldade, a expectativa da secretaria é de que as aulas sejam retomadas nesta segunda-feira, 20.

    “Estamos levantando onde estão as famílias e esses estudantes. Pretendemos realocá-los para essas escolas que têm condições e espaço”, afirmou o secretário de Educação de Porto Alegre, José Paulo da Rosa. Segundo ele, a alocação pode ocorrer em locais próximos do bairro de origem dos estudantes ou, ainda, em “escolas de referência” para o abrigo onde estão.

    Neste último caso, o secretário explica que a criação de uma cidade provisória para cerca de 10 mil desalojados, como está nos planos da prefeitura municipal, facilitaria a operação. Isso porque o local em análise, Porto Seco, tem espaços que poderiam absorver esse público.

    A prefeitura deve investir na ampliação do programa “Vou à Escola”, que fornece gratuidade na passagem de ônibus para estudantes que vivem a mais de 2 quilômetros do colégio. “Alguns estudantes que não precisavam, porque moravam perto da escola, talvez agora precisem. Uma outra estratégia que a gente está trabalhando é utilizar as vans. Além do ‘Vou à Escola’, potencializar algumas lotações que poderiam fazer o transporte de alguns desses abrigos ou localidades específicas até as escolas de referência”, explica Rosa.

    A secretaria também estuda transferir os professores que trabalhavam nas escolas atingidas para as unidades que vão absorver os estudantes desabrigados. “Minimiza um pouco o impacto dessa mudança quando se tem o mesmo professor na nova escola”, diz o secretário.

    A questão docente

    Um aspecto que dificulta os planos da prefeitura de Porto Alegre é o fato de que muitos professores da rede também foram atingidos pela enchente. É o caso da professora Letícia Hernandes da Silva, de 40 anos, que trabalha na Escola Municipal Vereador Antônio Giúdice, no bairro Humaitá, em Porto Alegre. Assim como a escola, sua casa também foi inundada no bairro e agora ela está abrigada na casa dos pais, no litoral do Estado.

    “Primeiro, eu tenho de ter condições de voltar para casa. Não adianta me remanejar para outra escola se eu não sei nem onde vou morar”, argumenta Letícia. “A gente tem um apego com os alunos. Não é simplesmente me jogar em outra escola.”

    Enquanto a situação não é resolvida, ela planeja as atividades que fará com os estudantes quando voltar ao trabalho. Professora de Artes, ela acredita que terá um papel fundamental para reduzir os danos causados aos estudantes pela catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul.

    “A gente estava com um plano de recuperação de aprendizagens em função da pandemia. Agora, tem a questão da enchente”, diz. “É uma situação tão confusa que lamento por eles, porque é uma geração que vai ser muito afetada.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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