Instituído pela Lei Federal 9.970/00, o dia 18 de maio se tornou a data nacional de combate ao abuso e à exploração sexual infantil no Brasil. O “Maio Laranja” é uma iniciativa que visa dar visibilidade ao tema. Os educadores do Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) Petrópolis, Cleunice Fernandes e Jonathas Marinho, falaram um pouco sobre a data e a importância da campanha.
Segundo os dados da Campanha Maio Laranja, a cada hora, três crianças são abusadas no país e cerca de 51% tem entre um e cinco anos de idade. Todos os anos, 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil e há dados que sugerem que somente 7,5% dos casos chegam a ser denunciados às autoridades.
Importância da data
Para os educadores, o principal objetivo da data é fazer com que toda a sociedade pare para pensar na importância de defender crianças e adolescentes, pensando em políticas públicas para que eles tenham uma infância saudável e segura.
“Quando a gente fala de um mês que tem uma data separada para pensarmos e refletirmos sobre alguma questão que temos na nossa sociedade, principalmente quando estamos falando de abuso infantil, é muito importante. Porque as crianças são essenciais e costumamos falar que elas são o futuro do Brasil. Mas são pequenas pessoas, que são frágeis, dependentes e que não têm como se defenderem sozinhas”, disse Jonathas Marinho.
“É importante a gente pensar, enquanto sociedade, em projetos que previnem. Porque a criança é vulnerável. Eu acho que quando se tem uma data, uma ação, é importante olharmos para ela todos os dias, mesmo porque elas [crianças e adolescentes] estão totalmente vulneráveis”, explicou Cleunice.
Jovens atendidos pelo CDDH
Jonathas explica que a instituição realiza o trabalho de escuta ativa de alguns casos que chegam ao CDDH.
“A gente ouve esses casos, acolhemos, encaminhamos para os órgãos de direito e fazemos o acompanhamento deles [casos]. Chega para a gente a todo momento essa questão de abuso infantil. O [abuso] sexual é o que talvez mais apareça, mas temos outros tipos de abuso”, explicou.
Ele conta que, para esses casos, a equipe tem uma forma específica de lidar com as situações.
Fotos: Maria Julia Souza
“Isso mexe muito com a gente, porque nós trabalhamos com jovens e crianças, temos filhos e filhas aqui na equipe. Então a gente percebe o quanto elas são vulneráveis, o quanto isso é um problema muito urgente na nossa sociedade. É complexo, porque a gente vem falando sobre isso há muitos anos e sabemos que, desde que o mundo é mundo, existe esse tipo de abuso contra essa população. E é complexo também por isso, porque é um problema que existe há muitos anos e não temos uma posição concreta sobre ele”, contou ele.
Ele reforça ainda que, na maioria dos casos, o abusador ou abusadora são pessoas próximas à vítima.
“Então pode ser um tio, tia, avô, avó, pai ou padrasto. Isso traz um desafio maior para a gente, quando percebemos que esse perigo existe dentro de casa. Então a gente recebe muitos casos assim, de crianças que sofrem esse tipo de abuso e que são praticados por parentes ou familiares, que eu acho que é o mais difícil da gente lidar”, disse ele.
Atendimento especializado
Jonathas explica que os educadores da instituição estão cadastrados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e estão ligados diretamente a essa pauta.
“Nós procuramos trabalhar esse assunto [abuso] com eles também, no sentido de trazer visibilidade e a importância de falar sobre isso. A conscientização também, porque às vezes os nossos jovens e as nossas crianças passam por situações que nem reconhecem o abuso, por vir das pessoas que eles têm como referência. Nós trabalhamos muito em rede também. O CMDCA é um órgão que a gente está junto, mas também tem o Conselho Tutelar que nós também articulamos. Então quando chega esse caso para a gente, já estamos preparados”, explicou ele.
Ele reforça o cuidado necessário em agir nesses casos, por se tratar de crianças e adolescentes.
“Quando tratamos de crianças e adolescentes, tem que ter muito cuidado na forma que se conduz uma denúncia. Não pode ser de qualquer jeito, porque isso pode trazer retaliação para a própria criança. Porque você não denuncia e tira ela [daquele local], principalmente quando é uma situação em que os familiares são os causadores do abuso. Não é de uma hora para outra que a criança sai desse ambiente, tem todo um processo. Então temos todo um cuidado para lidar com essas questões, sempre tendo em mente que cada caso é um caso”, reforçou ele.
Prevenção
Para os educadores, o diálogo é a principal forma de prevenir novos casos. Eles explicam às crianças e adolescentes sobre como identificar um caso de abuso.
“Quando falamos de prevenir, a gente precisa dialogar mais com as crianças e com os adolescentes. Particularmente eu entendo isso, que quando a gente fala de prevenção, falamos de comunicar. Nós precisamos nos comunicar com essas crianças e esses adolescentes. Mas não falamos de qualquer jeito, porque precisamos lembrar que estamos falando com crianças. O adolescente entende mais, mas com criança, principalmente, precisamos falar com elas de uma forma que chegue até elas, mas que seja cuidadosa, entendendo que o público é diferente”, disse Jonathas.
“É trazer essa questão do diálogo e dar visibilidade para isso, no sentido do Maio Laranja. Porque às vezes quando trabalhamos com comunidade, quando estamos próximos, a família não consegue compreender que a criança está sofrendo um abuso. Então quando a gente dá visibilidade e dialoga, isso faz com que elas consigam entender e denunciar”, explicou Cleunice.
Jonathas explica ainda uma temática utilizada com as crianças, chamada “Semáforo do Toque”, onde eles explicam os locais em que podem ser tocados ou não.
“É a mesma ideia do semáforo que a gente tem de carro, nós levamos para eles e desenhamos uma criança, uma silhueta feminina e outra masculina. E aí vamos perguntando para eles quais os lugares que acham que uma pessoa pode tocar. O verde é o lugar em que pode tocar, o amarelo tem que tomar atenção e o vermelho não pode tocar de jeito nenhum. Essa informação de dizer a eles onde pode ou não tocar é muito importante, falar práticas que não são naturais de acontecer, nem quando se trata de familiares, dizer que se elas se sentirem assim podem procurar ajuda”, explicou ele.
Assim como as crianças são orientadas sobre os locais que podem ou não ser tocados e incentivadas a pedir ajuda, os pais também recebem orientações dos educadores para se atentarem aos sinais.
“Às vezes a mãe não sabe que o pai está abusando da filha, mas existem sinais, porque a criança sempre traz no corpo e nas atitudes o que está acontecendo com ela. Então se é uma criança que tinha um comportamento muito extrovertido, conversava com todo mundo e ia bem na escola, mas que de repente passa a ter notas baixas e não quer ir na escola, ou tem uma pessoa que é familiar e sente medo de estar próximo, ou então traz algumas falas que são preocupantes, como por exemplo, ‘Não quero mais passar por isso’. Tudo isso é sinal para a gente. Com isso, conversamos com os familiares”, explicou Jonathas.
Consequências do abuso
As consequências para os jovens que sofrem o abuso podem se desencadear de diferentes formas, como comportamentais, psicológicas e podem até desencadear doenças.
“Por exemplo, uma criança que era extrovertida e fica introvertida, uma criança comunicativa que gostava muito de brincar e passa a ficar só dentro de casa, passa a ter déficit de atenção, notas baixas, alimentação reduzida e muitos traumas. E o trauma é algo que a gente leva para a vida toda, podemos tratá-lo e superá-lo, mas é um fantasma que fica na criança e no adolescente, que leva para a vida adulta. Traumas psicológicos podem desencadear doenças”, disse Jonathas.
Onde denunciar
As denúncias de casos de abuso e exploração sexual infantil podem ser feitas para:
– 190: Polícia Militar (quando a criança está correndo risco imediato);
– Disque 100;
– Conselho Tutelar;
– Qualquer delegacia de polícia;
– Samu: 192 (para pedidos de socorro urgentes);
– Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
Exposição
Uma exposição sobre esse e outros temas está sendo realizada no CDDH e está aberta à visitação, de segunda a quinta-feira, das 10h às 12h e no período da tarde, das 14h às 17h. A classificação indicativa da exposição é acima dos 14 anos de idade.
Fotos: Maria Julia Souza
“O CDDH está voltado para as exposições temáticas. E dentro delas, tem uma [exposição] que fala sobre o Maio Laranja. E nós percebemos quando o jovem visita essas exposições e, principalmente essa, que ele tem alguns relatos de crianças que sofreram abuso e começam a entender que ‘caramba, foi da mesma forma que aconteceu comigo’. Várias questões que às vezes é muito difícil você falar. Imagina quando você é adolescente. Então é difícil, mas a gente tenta, de alguma forma, pensar em como podemos estar contribuindo com aquela família ou com aquele adolescente”, finalizou Cleunice.