Flipetrópolis registrou cerca de 37 mil pessoas nos cinco dias de evento
O Festival Literário Internacional de Petrópolis, realizado entre os dias 1º e 5 de maio, no Palácio de Cristal, reuniu cerca de 37 mil pessoas para encontros de leitores com os autores, dos autores e autoras entre eles; dos leitores entre si e de todos com a literatura. Os leitores foram ao encontro de seu escritor favorito e descobriram tantos outros. Em clima de congraçamento, os autores prestigiaram as mesas uns dos outros e demonstraram laços de amizade e admiração mútua.
O Flipetrópolis nasce do encontro de gigantes da literatura mundial, na conversa histórica entre Conceição Evaristo e Scholastique Mukasonga; na entrevista de Ailton Krenak à jornalista Míriam Leitão; na reafirmação da escrita de mulheres das imortais Ana Maria Machado e Rosiska Darcy de Oliveira; na fala cheia de carisma dos ministros do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha e Luís Roberto Barroso; nas reflexões dos autores mais vendidos em todo País, Itamar Vieira Junior e Carla Madeira; nas interações entre os romancistas Eliana Alves Cruz, Jeferson Tenório e Paulo Scott; no testemunho de vida de ícones como Leonardo Boff e Frei Beto e na escrevivência de Bianca Santana e Lívia Sant’Anna Vaz.
A memória leva à Justiça
A defesa da democracia, em tempos de avanço de discursos de ódio, facilitado pelas tecnologias da informação; a luta antirracista; o combate à violência contra a mulher e a liberdade de expressão foram temas transversais que guiaram as conversas em diversas mesas, bem como a liberdade e o poder da literatura e o combate a todo o tipo de censura.
A urgência da reforma agrária no Brasil, a valorização do trabalhador do campo e uma maior conexão entre o campo e as cidades foram pontos apresentados por Itamar Vieira Junior e o cientista político Sérgio Abranches em uma das mesas mais esperadas do Festival. A mesa também contou com a presença de Eliana Alves Cruz, uma das mais promissoras autoras de sua geração, que trouxe referências do abolicionista André Rebouças para pensar esse tema central para o Brasil: o acesso à terra.
O olhar adequado para o passado e para a construção de um presente de justiça e democracia também norteou vários debates. Na mesa com Matheus Leitão, Míriam Leitão, Ynaê Lopes dos Santos, a História e o Jornalismo aparecem como campos fundamentais para reconstituir fatos do passado numa perspectiva crítica. Foi consenso entre eles que é urgente olhar para a escravidão do Brasil e entender como o racismo conforma as relações, o racismo da forma como teoriza Muniz Sodré.
Também é fundamental que o Estado brasileiro responda a uma série de perguntas em aberto em relação aos mortos e desaparecidos no período da ditadura militar, e que nessa contagem sejam incluídos os quase 8 mil indígenas mortos. A luta contra a tese do marco temporal, a defesa dos direitos e o respeito à cultura dos povos indígenas também foram tematizados por Ailton Krenak e por Trudruá Dorrico.
O enfrentamento às estruturas racistas da sociedade brasileira, seja na justiça, seja na política, no cotidiano ou na história, foi pontuado por Ynaê Lopes dos Santos, Bianca Santana e Lívia Sant’Anna Vaz. A reparação de países africanos e de pessoas negras escravizadas foi defendida por Conceição Evaristo e Scholastique Mukasonga, que se abraçaram de forma fraternal como irmãs separadas pelo Atlântico.
Literatura é liberdade
As mesas, sem que tivesse sido estabelecido um tema prévio, possibilitaram conversas surpreendentes entre os autores que também se revezaram nas funções de palestrantes e debatedores. O formato se ampliou de modo que cada conversa se tornou uma surpresa.
Os encontros entregaram ao público momentos de reflexões de temas urgentes, como reparação da escravidão, reforma agrária e desconstrução do projeto de país gestado na ditadura militar; como também serviram de descontração, com casos divertidos contados pelos autores.
A variedade de temas e encontros nada convencionais fizeram com que o público não arredasse o pé dos auditórios por um instante, embora as mesas tenham sido realizadas de hora em hora.
Fotos: Divulgação/Flipetrópolis
O formato definido pelos curadores – Afonso Borges, Sérgio Abranches, Tom Farias, Gustavo Grandinetti, Leandro Garcia e Leo Cunha – permitiu também o contato direto dos autores no momento dos autógrafos, mas não só. Entre uma palestra e outra, foram dezenas de fotos, selfies, abraços, num movimento que retira a literatura dos castelos. Aliás, o público se mostrou uma atração à parte e foi, de maneira muito justa, celebrada pelo jornalista Jamil Chade na mediação da mesa entre as homenageadas, Conceição Evaristo e Ana Maria Machado. Jamil lembrou que quem faz um festival literário são os leitores, pedindo uma salva de palmas para o público que lotava o auditório.
Amor à leitura começa cedo
Os auditórios também ficaram lotados de crianças para assistir às mesas que foram realizadas na parte da manhã. Autores como Leo Cunha, Marta Lagarta, Tino Freitas e outros fizeram os encontros com os pequenos leitores. Na programação, contações de história e apresentações teatrais sempre focados na infância como período de cultivar o gosto pela leitura e de despertar futuros escritores.
Um dos momentos de grande emoção do Festival foi a entrega do Prêmio de Redação e Desenho. O concurso envolveu as crianças, jovens, escolas e educadores para fomentar desde cedo o amor pela leitura e pela escrita. O concurso contemplou alunos das redes de ensino público e privado dos Ensinos Fundamental e Médio em três categorias: de 9 a 11 anos, de 12 a 14 anos e de 15 a 18 anos.
Na literatura cabe todo mundo
A audiodescrição, um recurso de acessibilidade, quando os autores são convocados a contar em voz alta como são fisicamente e como estão vestidos, se tornou um momento delicioso. Os autores e autoras não fizeram descrições triviais. O momento serviu também para uma espécie de autodeclaração de raça e o que esse lugar de pertencimento representa, mas sem cair em essencialismo. Os autores falaram de características pessoais, tom de pele, penteados, altura e peso. Do afro puff, um coque alto com cabelos crespos e cacheados, de Flávia Oliveira, Lívia Sant ‘Anna e Conceição Evaristo; ao branco das roupas por muitos dos autores na sexta-feira em homenagem a Oxalá ou por uma mera coincidência mesmo. Na audiodescrição, os autores também falaram do que não se vê mas que os constituem. As palestras também tiveram tradução de intérpretes de Libras.
Toda essa programação foi transmitida ao vivo pelo Youtube do Flipetrópolis. E, agora, está disponível para os interessados em assistir ou rever cada encontro.