Resistência a João Cândido no livro dos Heróis da Pátria não é racismo, diz comandante
O comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, voltou à carga contra a inscrição do marinheiro João Cândido, o Almirante Negro, no livro dos Heróis da Pátria e negou que a resistência da Armada à homenagem é discriminatória ou racista. Olsen reconheceu a prática de açoite a praças até o início do século XX, que definiu como “condenável”, mas disse que isso não justifica a tomada de quatro navios da Marinha e os ataques ao Rio de Janeiro, então capital federal.
Olsen falou a jornalistas na saída de seminário sobre transição energética no mar, organizado nesta segunda-feira no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na semana passada, o comandante da Marinha enviou carta de repúdio à Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, criticando a homenagem a Cândido. O documento repercutiu mal na opinião pública.
“Eu me posicionei baseado em fatos. Não tenho nenhuma conotação ideológico-partidária. A carta procurava fazer uma síntese um apanhado dos fatos que aconteceram em 1910. E o entendimento da Marinha é que não cabe inscrever João Cândido como herói da Pátria. Mas há o contraditório, que é enriquecedor. A proposta passou no Senado. Então, há instâncias com a compreensão de que ele atende aos requisitos”, disse o comandante.
Marinha já tem herói
Olsen emendou dizendo que a resistência a Cândido não é racista ou discriminatória. “A posição da Marinha não é de racismo, absolutamente. A Marinha é uma instituição que se posiciona pelo mérito”, diz.
Em seguida, o comandante da Marinha afirmou que a Força já tem como herói Marcílio Dias, “também marinheiro, negro e nascido no Sul do País”.
Marcílio Dias se destacou na Batalha naval do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, em 1865, quando teve o braço decepado e morreu.
Ele entrou no livro dos Heróis da Pátria em dezembro de 2022, ainda sob o governo Jair Bolsonaro.
Açoite
Questionado se as ações de Cândido e sua Revolta da Chibata não seriam legítimas ante os açoites aos praças da Marinha até o início do século XX, Olsen disse que as torturas eram “absolutamente condenáveis”, mas não justificam as ações dos revoltados.
“O açoite é absolutamente condenável. Mas não se pode tomar as armas, especificamente quatro navios, matar o seu comandante, urinar em seu corpo depois da morte e matar oficiais e marinheiros que não aderiram. Não se pode ameaçar e engajar contra a capital federal com dois navios”, afirmou o comandante, listando consequências do levante.
Ele seguiu reconhecendo a tortura no passado da Marinha e disse que se tratava de “condições próprias da época”.
“Julgar o contexto da época com os valores se hoje é difícil. Os marinheiros eram captados para servir. Eram pessoas que não tinham origem, sem procedência. Portugal pegava presidiários e os recrutava. Eram pessoas que estavam na vadiagem, sem as qualificações que temos hoje”, disse Olsen.
Especificamente sobre Cândido, ele sugeriu que o marinheiro foi instrumentalizado por outros oficiais com interesses escusos. “Os fatos mostram que João Cândido foi colocado como líder desse movimento (Revolta da Chibata) por uma questão de conveniência. Ele era afeito a oficiais, muito próximo de uma oficialidade e foi posto lá por essas pessoas que queriam, de alguma maneira, dar seguimento às suas ações”, completou.