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  • 31/mar 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Por ser tão longe, por ser tão distante de tudo, tão perto da fome, do árduo, do árido, o desafio consiste em persistir, em perseverar pela teimosia da sobrevivência. Para ver o último buriti morrer e ainda acreditar que é possível encontrar água para regar a lavoura, é preciso plantar fé para não desistir da vida.

    Para acreditar que o Ressuscitado é o Caminho, a Verdade e a Vida, é preciso assimilar a dor exposta na cruz e identificar a força da superação que leva à eternidade. Essa força surge de dentro para fora, remove o desespero e mantém viva a esperança no amanhã.

    A realidade esticada no sofrimento é que deixa cicatrizes no coração. Há um povo que construiu, com vivências, hábitos que não estão nos compêndios que circulam didaticamente pelas universidades, contudo, são repassados pelas tradições populares.

    As parteiras, as rezadeiras e outros ofícios de heranças populares são mais encontrados nas regiões em que o poder público carece de presença. Há regiões do nosso país em que serviços públicos como hospitais, postos de saúde, escolas não existem. Quando aparece alguém ligado ao poder estatal, geralmente, é em período eleitoral.

    E, para uma região assim desprovida das ações dos gestores públicos, um frei, bastante engajado no servir ao próximo com o despojamento franciscano, partiu em ação missionária. Passou a servir ao povo e por ele foi acolhido. Integrou-se de forma comunitária. Passou a desenvolver ações em benefício de todos. O pensamento da coletividade passou a ser desenvolvido em forma de pastorais. Surgiram cooperativas, comunidades de trabalhadores rurais, grupos de formação religiosa. A consciência da responsabilidade social foi desenvolvida com respeito às matrizes culturais. E, por essa razão, venho lhe contar um caso que ouvi de duas pessoas idôneas e muito comprometidas com a fé em Deus e com o amor ao próximo. O que elas me contaram despertou o desejo de compartilhar ações que revelam gestos de humildade:

    Um dia, o frei aqui mencionado estava na casa paroquial. Exaurido de tantos problemas e sem recursos para solucioná-los, foi afetado por uma forte dor de cabeça. Por volta das duas horas da tarde, uma senhora bateu à porta da referida casa com o desejo de falar com ele. A pessoa que a recepcionou, disse que o frei estava impossibilitado de recebê-la, uma vez que se encontrava com uma dor de cabeça muito forte. A senhora insistiu, pois queria falar com ele sobre um assunto muito importante. Diante da insistência, a pessoa que a atendeu foi perguntar ao frei se ele poderia recebê-la. Apesar da inconveniência provinda da dor, ele a recebeu.

    Quando a senhora viu o padre, percebeu que ele se encontrava bastante abatido. E indagou:

    – Frei, o senhor me parece muito encharcado de problemas. A sua carga tá muito pesada. Tem muita gente despejando muita coisa aqui. Será que eu posso fazer uma reza pro senhor…

    – Sim…

    O frei sabia que ela era a rezadeira da região. Casos de espinhela caída, quebranto, mau olhado, ela tratava com reza. A senhora nem chegou a falar do assunto que desejava tratar com o frei. Saiu da sala em que estava. Voltou minutos depois com um galhinho de um pé de limão e uma garrafa com água. Ele se encontrava sentado no mesmo lugar, atrás de uma mesa de trabalho.

    – Frei, sente aqui…

    Ela pediu que ele ficasse sentado em um tamborete. Pegou a garrafa cheia d’água colocou na cabeça dele e com o ramo do limoeiro começou a rezar. Em poucos minutos, a água que estava na garrafa foi ficando aquecida a ponto de borbulhar em sinal de fervura.

    – Frei, o senhor estava muito carregado. Aqui tem muitas folhas murchas…

    A dor de cabeça passou. Não me peça explicação sobre esse caso. O que posso lhe dizer é que a humildade do Frei permitiu que ele tivesse uma experiência não muito comum entre sacerdotes que professam a fé cristã com as orientações da Igreja Católica. A senhora tinha uma ancestralidade indígena a que o povo recorria não somente pela ausência de hospitais na reunião, mas também pela crença na força das tradições populares.

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