Uma ilustre leitora
Às vezes, a vida nos surpreende para consolidar uma aprendizagem. No dia último dia 3, tive a alegria de conhecer uma senhora de 91 anos. Estas primaveras se completaram na data citada.
No dia 30 de abril, após participar de uma conversa sobre Ciclo de Alfabetização, na Academia Petropolitana de Educação, cheguei a casa, liguei o computador, abri os e-mails. Encontrei um com o título “Recado”: “Meu nome é Otilia, tenho 90 anos e gosto muito de ler seus artigos. Gostaria de falar com o senhor. O meu telefone é…” Nesse e-mail também havia o endereço.
Primeiramente é preciso dizer que esse feedback é raro; segundo, não coloco e-mail nos artigos; terceiro, fiquei muito contente em saber que uma pessoa com 91 anos aprecia os meus textos. Considero cada leitor um amigo confidente, com quem compartilho as alegrias, as aflições, ou seja, alguém que nos ajuda a pensar e a crescer interiormente.
De posse do telefone, liguei. A filha atendeu e passou para a mãe: “Alô! É o professor?” – Parecia que já esperava a ligação.
Não tive dúvida de que se tratava de uma leitora assídua. Falou de vários artigos. Alguns, ela recortou. Entre os mais recentes, citou o “Pavê de Jacá”. Disse-me que deu boas risadas ao lê-lo. Nesse momento, uma satisfação bateu forte: como é bom proporcionar alguns segundos de alegria a alguém!
Marquei de visitá-la na terça-feira, dia em que comemoraria os seus 91 anos. Cheguei a sua residência, por volta das 20:00h. Ela ficou contente, mas alegria maior foi a minha. Foi um dos mais belos presentes que já recebi pelo que escrevo. Ela esperou a minha chegada para partir o bolo. Alguém que nunca tinha me visto me recebeu como se me conhecesse há anos. Falou com as duas mãos no rosto: “você é igualzinho a que eu imaginei.” E assim começamos a nossa prosa…
A lucidez dela me fascinou. A sua memória é impressionante. Perguntei a ela onde encontrava tanta vitalidade. Respondeu prontamente:
– No Amor!
Pronunciou tal palavra com a mesma energia com que Dom Helder Câmara pronunciava a palavra Esperança.
“É muito bom falar ‘eu te amo’! É muito bom ouvir uma declaração de amor, saber que alguém nos ama. Cristo nos deu um novo mandamento: ‘amai uns aos outros como eu vos amei…’”
E assim teceu uma declaração de amor à vida. Falou do período do Presidente Artur Bernardes, de Getúlio Vargas, da crise do café, da cidade mineira em que nasceu, da vinda a Petrópolis, do seu tempo de menina, de seus pais, de carro de boi, dos colchões de palha de milho, do doce de leite comprado a réis. Até me falou do período em que esteve internada na UPA. Lembrou o nome dos médicos, citou nome de remédio que tomou. E me contou uma história que ouviu de um deles:
“O corpo humano é uma máquina. Quando nova, não dá muito problema. Mas com o passar do tempo, as peças vão se desgastando. Levamos ao mecânico. No início, os consertos são simples, depois vão aumentando e se complicando, até que chega um dia que não há mais como consertar.”
Após ouvi essa história, perguntou: “doutor, meu caso qual é?” – Ele respondeu: “a senhora está em boa forma!”
Ela foi internada com suspeita de trombose. Após os exames, concluíram que era um problema circulatório sem gravidade.
Além da memória, o que me impressionou também foi a fluência da linguagem. Usou expressões que estão “na moda” como “pessoa do bem” e palavras pouco usadas com “catre” ao referir-se a cama.
– Dona Otilia, muito obrigado! Conhecê-la foi um presente divino.
– Voltarei para ver os chuchus que plantaste.