Câmara aprova ‘combustível do futuro’ após acordo entre agro e setor de energia
A Câmara aprovou nesta quarta-feira, 13, o projeto de lei do “Combustível do Futuro”, com 429 votos a favor, 19 contra e três abstenções. A votação foi possível após o relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), fazer concessões no relatório final. As mudanças feitas pelo parlamentar destravaram um impasse entre o agronegócio e o setor de energia provocado pela discussão sobre o aumento da mistura de biodiesel no óleo diesel. Após a análise de destaques (tentativas de mudança no texto principal), o texto vai para análise do Senado.
A proposta faz parte da chamada “agenda verde” abraçada pelo Legislativo com o objetivo de tornar o País mais sustentável do ponto de vista ambiental e ampliar as fontes renováveis de energia. O texto prevê uma série de iniciativas para fazer com que o Brasil reduza a emissão de carbono e, dessa forma, cumpra metas internacionais, como as que estão previstas no Acordo de Paris.
“Eu não tenho dúvida que é um projeto estratégico para o nosso País, para que o Brasil consolide sua vocação agro e aprofunde sua conquista de ter uma matriz energética limpa, renovável, sem paralelos no mundo. E aprofundar também a matriz de biocombustíveis”, disse Jardim, no plenário. “Biocombustíveis rima, sim, com sustentabilidade, significa emprego, investimento, renda, combater as desigualdades, criar mais oportunidades”, emendou.
O deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio) e autor da medida que aumenta a mistura também comemorou a aprovação. “O biodiesel é mais que um combustível. É um instrumento de formação de preços pois amplia a produção de proteína animal a partir da maior oferta de farelo de soja e agrega mais valor às exportações brasileiras”, disse ao Broadcast Político (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).
Um dos principais pontos de divergência era o aumento gradual da mistura de biodiesel no óleo diesel, que chegaria a 20% em 2030, com adição de um ponto porcentual ao ano, de acordo com o primeiro relatório. Hoje, esse porcentual está em 14%. Pelo novo parecer, aprovado na Câmara, a escala não será automática e funcionará como uma meta, com um piso de 13% e um teto de 25%.
O objetivo do aumento da mistura de biodiesel no óleo diesel é tornar o uso de combustível cada vez menos poluente, mas críticos da medida disseram que uma escala rígida demais poderia causar problemas. No novo texto, Arnaldo Jardim previu que a mistura do biodiesel pode ser superior a 15%, “desde que constatada sua viabilidade técnica”. Essa ponderação também era uma demanda do setor energético, com a justificativa de que seria necessária a previsão de testes técnicos para evitar que a mudança danifique motores de veículos.
Distribuidoras de combustível afirmaram que, caso a mudança ocorresse sem a devida testagem e resultasse em danos nos motores, poderia haver perda de eficiência energética dos veículos usados para transporte de mercadorias, além de custos excessivos com reposição de peças e manutenção. Também disseram que esse cenário poderia aumentar o preço do combustível para o consumidor final.
O novo parecer também deu mais poder ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ligado ao Ministério de Minas e Energia, sobre a mistura do biodiesel no óleo diesel. O novo texto diz que o CNPE “avaliará a viabilidade das metas e fixará o porcentual obrigatório de adição de biodiesel, em volume, ao óleo comercializado em todo o território nacional entre os limites de 13% e 25%”.
Pelo relatório anterior, o conselho poderia reduzir ou aumentar os porcentuais em apenas dois pontos. Críticos da rigidez da escala argumentaram também que o preço para o consumidor final poderia subir muito caso o biodiesel ficasse mais caro devido a uma quebra de safra, por exemplo – no Brasil a produção do biodiesel é principalmente a partir da soja. Nesse caso, seria necessário uma flexibilidade maior no porcentual da mistura.
O colegiado, presidido pelo ministro de Minas e Energia e formado por outros 15 ministérios, é convocado e pautado pelo Executivo. O setor energético via com preocupação o que era considerado uma perda de poder do CNPE para eventuais reduções do porcentual da mistura de biodiesel.
“Preferimos dar uma flexibilidade maior para o CNPE. Quando olhamos, tem um risco de ter quebra de safra e aí tem problema de desabastecimento. Por exemplo, se você tem um problema de produção do etanol, eu tenho um substituto ali claro que é a gasolina. No biodiesel, se estabelecendo essa mistura obrigatória e eu tenho uma produção insuficiente, eu não tenho combustível alternativo para o qual eu possa migrar”, disse, em entrevista ao Broadcast, o responsável pelo Plano de Transformação Ecológica (PTE) do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, escolhido para integrar o conselho da Petrobras.
O impasse, agora destravado, gerou uma disputa prematura pela relatoria no Senado. O presidente da Frente Parlamentar de Energia, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), iniciou uma articulação para ser o relator. O agro reagiu e passou a trabalhar para que o relator fosse outro: o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). Isso porque a frente liderada por Vital do Rêgo foi criada no Congresso por Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobras.
Integrantes do setor de biodiesel avaliam que a Petrobras resiste ao aumento da mistura de biodiesel pela possibilidade de perda de mercado no óleo diesel, do qual a estatal é líder na produção nacional.
A escala gradual é uma das principais e mais antigas demandas do setor do biodiesel, desde os produtores de soja, processadores até fabricantes do biocombustível. Industriais alegam que um cronograma de mistura previsto em lei confere previsibilidade para os investimentos em ampliação da capacidade fabril. A medida é vista como necessária após a mistura ter sido reduzida frequentemente durante o governo Bolsonaro e a indústria registrar ociosidade de quase 50%.
O projeto de lei do “Combustível do Futuro” também cria os programas de combustível sustentável de aviação, diesel verde e biometano, além do marco legal de captura e estocagem geológica de dióxido de carbono. O governo chegou a enviar à Câmara uma proposta própria, mas esse texto foi unido a outros que já tramitavam na Casa.
Biometano
O relator também atendeu o pedido do governo federal e retirou do parecer o trecho que estabelecia um prazo, até 2034, para atingir o patamar de 10% de mistura do biometano no gás natural. O texto final apenas determina que CNPE definirá, a cada ano, a quantidade anual mínima do gás, até alcançar o limite de 10%.
“Retiramos prazo para atingir a meta de 10%, porque houve ponderações de parte do governo que teria risco de você não conseguir oferta e de que não haveria garantia de que todos os projetos seriam implantados”, explicou Jardim.
O projeto aprovado determina ainda que o mandato de biometano no gás natural comercializado entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2026, com patamar inicial de 1%. Na nova versão, no entanto, o relator abriu a possibilidade de que, se comprovada falta de oferta no mercado ou elevado custo, o CNPE poderá, excepcionalmente, flexibilizar essa meta.
“O CNPE poderá estabelecer, excepcionalmente, valor de redução de emissões de gases de efeito estufa menor que 1% (um por cento) desde que justificado pelas condições de mercado ou quando o volume de produção de biometano impossibilitar o cumprimento da meta, devendo restabelecer esse valor após a normalização das condições que motivaram a sua alteração”, diz o texto.
A obrigação da mistura será comprovada pela compra ou utilização de biometano no ano ou pelo registro anual da aquisição de Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB). O certificado, segundo o relator, atende as disparidades regionais quanto ao acesso ao produto. “Você pode ter ofertas com volumes distintos (de biometano) em regiões do País, aí tem que ter instrumento em que, não tendo disponibilidade, o certificado permite flexibilidade”, disse.
A pedido do Ministério da Fazenda, o relator também retirou a discussão tributária do parecer final. Na primeira versão havia a determinação da não incidência PIS/Cofins, por exemplo, nas negociações do CGOB em mercados organizados, inclusive em leilões. “Uma nota técnica da Fazenda justifica que não haverá incidência de PIS/COFINS, então retiramos a menção ali sob não incidência, porque já não haverá incidência. E negociamos com a Fazenda que haverá incidência tributária sobre a receita auferida de 34%”, disse Jardim.