• Aos amantes da discórdia

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  • 23/03/2019 12:00

    Por bondade divina, a generosidade de leitores tem retribuído a alguns textos meus com um cado de admiração, críticas ponderadas ou concordâncias modestas. Não tenho a pretensão da burra unanimidade. Mas gosto de civilidade. Pena que são tempos intolerantes, de donos da verdade e leigos profetas raivosos. Então, há também insultos. Certo leitor perguntou se eu havia, digamos assim, comido dejetos. Já houve xingamentos à minha pobre mãe, já vieram ameaças.

    Ora, estive em variadas batalhas pela vida. Fui soldado e dirigente. Por exemplo, labutei greves, passeatas, piquetes, manifestações, comitês, mesas de conciliação. Fui conduzido uns pares de vezes pela polícia apenas para me dificultar a liderança em certas greves. Tomei a meia dúzia de cascudos de lei, para quem figura em linhas de frente de cordões de passeata. Recebi ameaças de morte ao telefone, em tempos de paralisações prolongadas. Valeu. Aprendi autocontrole, evitar provocações, discussões inúteis e rusgas desnecessárias. Aprendi a lidar com o adversário ocasional, fosse empregador, policial, ou fura-greve. Não me ofendiam posições divergentes, pois sempre busquei entender sua circunstância. Muitas vezes negociei com gerentes e policiais, marcos e concessões que permitiram greves e movimentos sólidos, mas sem feridos desnecessários. Consegui demover fura-greves, trazendo-os ao movimento. Porque os respeitava.

    Hoje, o Brasil parece rachado. Há bolsonaristas ansiosos e petistas aflitos. Como não me enquadro aí, sigo minha trilha de respeitar o outro. Mas de olhos abertos. Já escrevi elogios pontuais. Ao PT e a Bolsonaro. Mas escrevi críticas. Afinal, um nos levou ao naufrágio, e outro fez um currículo de impropriedades. Sempre, o lado afetado me insultou ou tentou me chamar para disputar impropérios. Não. Não sou amante da discórdia. Não discuto por esporte. Teço e troco opiniões. Mesmo indignado, não caio em ódios gratuitos. Já caminhei muito para me deixar levar por essas coisas.

    Heráclito, Hegel, Marx prezam a discórdia: do conflito surgirá harmonia. Pode ser. Mas a vida é também relacionamentos. E discórdia, é do latim, “pôr fora do coração”. A persistência na discórdia selvagem mata os afetos. Por isso a oração de São Francisco ensina a buscar de Deus a benção de levar união onde discórdia houver. Porque a discórdia permanente, praticada como olimpíada de insultos, não faz bem ao coração e à alma humana. Gera destruição. Na mitologia grega, Éris é a divindade da discórdia. Teve filhos trágicos. Ganhou a alcunha de mãe de todos os males. Dentre seus rebentos constam a fome, a dor, as disputas, os massacres, os ódios, as mentiras, as ambiguidades, a desordem e a insensatez. Assim é. Então, concluo com trecho que escrevi esta semana.

    Não adianta me convocar à discórdia. Não quero essas brigas juvenis, raivas insanas. Não perco meu tempo. Só quem escassamente lutou é que carece dessas bravatas inúteis, desses insultos gratuitos, as refregas simplórias. Toda a vida tenho estado em frentes de luta afetiva e efetiva. Não me escondo atrás dos confortos de teclados e telas de toque a atirar granadas virtuais, sem olhar em olhos humanos. Carrego uns traumas concretos, umas medalhas trincadas, fundas cicatrizes reais. E aprendi, das perdas que tive: – Não me desperdiçar. Tenho mais o que fazer. Quero vida, frutos, afetos. Não adianta a mim provocar. Discórdia, você não vai tirar minha paz.


    denilsoncdearaujo.blogspot.com

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