• PF vai incluir discurso de Bolsonaro na Paulista no ‘inquérito do golpe’

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  • 26/fev 18:55
    Por Pepita Ortega / Estadão

    A declaração feita pelo ex-presidente Jair Bolsonaro neste domingo, 25, sobre a ‘minuta do golpe’ que supostamente o liga a uma trama ilegal para permanecer no poder após a derrota nas eleições 2022 deve entrar na mira dos investigadores da chamada Operação Tempus Veritatis. A Polícia Federal já usou, em outras investigações, falas e ponderações do ex-chefe do Executivo para contextualizar e situações condutas consideradas suspeitas por parte do próprio Bolsonaro e de seus aliados.

    Bolsonaro convocou o ato realizado na Avenida Paulista, ao lado de aliados como o governador Tarcísio de Freitas, para se defender das acusações que recaem sobre ele na investigação sobre uma tentativa de golpe de Estado que incluía até a prisão do ministro Alexandre de Moraes. A parte mais sensível da investigação atribui ao ex-presidente a redação e revisão de uma ‘minuta de golpe’.

    Diante de apoiadores, Bolsonaro bradou: “Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disso foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição?”

    A fala, proferida diante de milhares de apoiadores na capital paulista, não tem roupagem de uma versão oficial sobre os achados da Operação Tempus Veritatis. De outro lado, não deve ser ignorada pelos investigadores da PF, que podem colocar a frase sob perspectiva quando eles forem analisar o inquérito e estabelecerem ligações entre provas já coletadas no bojo da investigação. Bolsonaro pode até ser chamado a depor novamente, sobre o teor das declarações feitas na Avenida Paulista.

    Em outros inquéritos, declarações e falas de Bolsonaro abasteceram as investigações, por vezes consideradas oficialmente provas e em outras ocasiões citadas no contexto da apuração quando a Polícia Federal traça a chamada hipótese investigativa. Por exemplo, a reunião interministerial do dia 22 de abril foi juntada aos autos da investigação sobre uma suposta interferência política na Polícia Federal. Já no caso da reunião com ataques às urnas eletrônicas, falas anteriores e posteriores de Bolsonaro foram compiladas para a descrição de um contexto de ofensas sucessivas do ex-presidente ao sistema eletrônico de votação – o que culminou em sua inelegibilidade.

    O advogado Lenio Streck considera que as declarações de Bolsonaro podem ser usadas sim como prova na investigação sobre possível crime de tentativa de golpe de Estado. “Bolsonaro disse o que queria e o que não poderia dizer, como pessoa acusada de delito, que quer negar e quando, às vezes, quer negar, acaba confessando”, avalia.

    “Há uma sutileza nessa questão em que ele diz que a minuta era para fazer o Estado de defesa e assim estaria dentro da Constituição. Ocorre que o Estado de Defesa como está na minuta era uma decretação de um golpe na medida em que não havia nenhum elemento que configurava a possibilidade do Estado de Defesa. Eis a sutileza, não havia dizer que a minuta era de Estado de Defesa. O Estado de Defesa era o subterfúgio para fazer a ruptura institucional. Isso ocorre depois da eleição”, pondera.

    Já o advogado Daniel Bialski, que já representou a mulher do ex-presidente Jair Bolsonaro, considera que a existência de uma minuta e o fato ‘de as pessoas conversarem a respeito de golpe ou manifestação contra a conduta política do Brasil’ não é punível no campo penal. “No Direito Penal, temos os chamados “atos preparatórios, onde não existe crime sem o início dos “atos executórios”, ou seja, alguma execução. Na minha avaliação são atos preparatórios”, indica.

    Segundo o criminalista, a conduta poderia ser moralmente punível, mas o fato de o ex-presidente mencionar o documento ‘não configura qualquer tipo de agravante’, principalmente tendo em vista que ‘este fato em si e por si não foi executado’.

    “Você pode criticar a cogitação de alguém ou algumas pessoas idealizarem o golpe, mas isto não configura um crime ao ponto de caber punição a qualquer pessoa neste sentido.Isso não pode gerar qualquer tipo de responsabilidade”, explica.

    Silêncio

    As declarações de Bolsonaro ocorreram dias após ele se negar a responder as perguntas dos investigadores em depoimento da sede de Polícia Federal. Na quinta-feira, 22, a corporação acompanhou as oitivas de 23 investigados por suposto envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado com as marcações ‘silêncio’ ou ‘respondeu aos quesitos’

    16 intimados se calaram diante dos investigadores, como Bolsonaro e o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Outros sete responderam aos questionamentos na sede da PF, dentre eles dois aliados de primeira hora do ex-chefe do Executivo: o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o presidente do PL Valdemar da Costa Neto.

    Os investigados, ainda na esfera policial, podem optar entre falar e se manter em silêncio. A medida integra a fase pré-processual de um caso, ou seja, o inquérito policial – diferente de quando o alvo é intimado a depor diante de um juiz. Aos policiais, o investigado pode escolher dar sua versão dos fatos.

    Agentes consultados pelo Estadão explicam que a colheita de depoimentos na fase investigativa é uma ferramenta importante, mas o fato de o investigado ficar em silêncio não impacta as apurações – nem para um lado, nem para outro.

    Na fase de apurações o foco da PF é o levantamento de provas. Na Operação Tempus Veritatis o material colhido já se mostra extenso. A investigação foi abastecida com a delação do ex-ajudante de ordens da presidência, tenente-coronel Mauro Cid. A Polícia Federal precisa juntar elementos que corroboram a versão do ex-braço direito de Bolsonaro

    Agora, PF está analisando o que foi coletado nas diligências da fase ostensiva da investigação, que cumpriu mandados no último dia 7.

    O direito ao silêncio é assegurado ao investigado conforme precisão na Constituição e é uma tática usualmente adotada por defesas, explica a criminalista Beatriz Alaia Colin. Nessa linha, a advogada Carla Rahal Benedetti, doutora em Direito Penal, destaca que a possibilidade de um investigado ter de responder sobre tópicos desconhecidos da defesa – como alegam os advogados de Bolsonaro – levam a estratégia do silêncio a ser a melhor maneira de um alvo de investigação se defender.

    O criminalista Miguel Pereira Neto ressalta ainda como o silêncio, em tese, não pode prejudicar os investigados. De outro lado, o especialista pondera que, se o alvo de apuração conseguir elucidar seu não envolvimento com os fatos sob suspeita, é melhor ‘esclarecer os fatos, desde que se tenha conhecimento prévio da investigação’.

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