• A idosa, o aniversário e o “alemão”

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  • 27/02/2019 09:40

    D. Efigênia, mãe de filho único que decidiu por não se casar e por isto mesmo passou a viver no exterior em razão da profissão escolhida.

    Os contatos eram raros, todavia vez por outra se comunicavam, e só assim obtinham notícias um do outro.

    Por muitos anos, a idosa residiu nesta cidade mudando-se para São Paulo logo após o falecimento de seu marido, seguindo em sua companhia a serviçal Leléa, analfabeta e de “poucas luzes”.

    Àquela altura d. Efigênia já deveria ter alçado oitenta anos e ainda que haja mudado de residência, deixou em Petrópolis muitas amizades com as quais acabou por perder contato.

    Em São Paulo, em face do seu temperamento comunicativo, granjeou novas amizades, coadjuvada por Leléa de quem nunca abriu mão, até porque nunca se casara.

    Na capital paulista, já programada a festa de noventa anos, embora já com a saúde abalada. 

    Afirmava a idosa que seria a última e a afirmativa, a partir dos últimos meses, absolutamente repetitiva.

    Embora dotada de temperamento doce, em contrapartida não admitia que interferissem em suas decisões, nem o próprio filho, e Leléa nem pensar! Cumpria suas ordens a risca!

    D. Efigênia, contudo, ainda que com a saúde frágil não se deixava abater, embora sua serviçal já houvesse percebido acerca do estado da patroa sem, entretanto, saber aquilatar a respeito da gravidade do mal que lhe abatera. Dizia ela: “d. Efigênia teima comigo e eu lhe digo: a senhora está perdendo a memória!” 

    Independente e não admitindo ingerência de ninguém em sua vida, já que assim sempre agira durante longa trajetória, contudo sem perceber o peso da idade que atingira.

    O filho distante, uma vez que só pelo telefone se falavam.

    Leléa, incumbida das atividades domésticas e ciente de que a patroa possuía temperamento forte e a exigir que tudo andasse em perfeita ordem nos assuntos sob sua responsabilidade, percebendo, entretanto, momentos de absoluta ausência e ordens desconexas.

    Enfim, aproximou-se o dia do aniversário e d. Efigênia reservou para si o encargo de convidar as amigas; Leléa, por sua vez, com a responsabilidade de “encomendar” o Buffet, e o filho distante, apenas com a obrigação de pagar as despesas.

    Vinte e dois de outubro, aniversário da idosa, contudo um fato inusitado veio a ocorrer já que aniversariante na companhia de Leléa a aguardarem, por horas, a chegada das convidadas e os doces, salgados e bebidas sobre a mesa, intactos.

    A aniversariante, um tanto desligada e até a proferir palavras de certa forma sem nexo, situação que foi observada pelo filho que chegara na véspera do exterior.

    Foi a partir deste momento que Marcos, após dirigir algumas perguntas à mãe pode observar a “ausência” da mesma com relação ao que estava ocorrendo e ao indagar a respeito do que se passava recebeu a seguinte resposta: “Ora, meu “amigo”, a festa do meu aniversário foi comemorada ontem com a casa cheia de queridas amigas”.

    Leléa, espantada e com os olhos esbugalhados, percebeu, finalmente, que algo não estava bem e custou a crer no que ouvia. O filho, atônito e quiçá sem acreditar no que se passava.

    Mas na realidade, é que a festa nunca se realizou e nem seria realizada naquela tarde, já que as amigas não foram sequer convidadas para o evento, nem pelo filho, nem por Leléa e muito menos pela aniversariante.

    O “buffet” fazendo parte da demência a que estava submetida a idosa.

    Quedou então percebido, finalmente, que “o alemão” se instalara no organismo daquela pessoa tão distinta e altiva, todavia sem que seus lapsos tivessem sido percebidos, com certeza, pela falta de sensibilidade de Leléa, sem falar que médicos sempre estiveram ausentes.

    O filho, estupefato, diante dos acontecimentos imediatamente telefonou para o médico para assistir a mãe.

    Os doces, salgados e bebidas acabaram por seguir outro destino, doados que foram a uma creche próxima à casa de d. Efigênia e esta, por sua vez, a tudo assistindo, sem esboçar qualquer reação com relação ao que vinha se passando.

    Vim saber tempos após que falecera vítima de uma AVC, que a levou, sem dó nem piedade, para o além.

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