Laranja da China
O ato de ler fascina. Não é apenas entretenimento, é indispensável ao crescimento interior. Permite compreender melhor a realidade. Hoje o acesso ao livro está mais fácil. Há várias obras em domínio público que podem ser acessadas gratuitamente pela internet.
No sábado (16/02), como sabia que teria que atrasar o relógio em uma hora, pelo horário de verão, dei uma esticada na leitura. Eu me diverti lendo um livro publicado em 1928, “Laranja da China”, de Antônio de Alcântara Machado. A obra é composta por 12 contos e o título vem de uma alusão feita pelo autor ao poema “Domador” de Mário de Andrade, no qual, encontra-se a estrofe que remete à paródia da música do Hino Nacional, que, quando criança, gostava de cantar:
“Laranja da China, laranja da China, Laranja da China!/ Abacate, cambucá e tangerina!/ Guarda-te! Aos aplausos do esfuziante clown,/ heroico sucessor da raça heril dos bandeirantes,/ passa galhardo um filho de imigrantes,/ loiramente domando um automóvel!”
Quando viajava na leitura, fui flagrado pela minha esposa:
– De que você tá rindo?
– Nada, não…
O “nada não” foi para não dar corda à prosa e não perder a onda da imaginação da cena descrita no conto “O Filósofo Platão”:
“O poste cintado esperava os bondes com gente em volta. Platão quando ia chegando escorregou numa casca de laranja. Todos olharam. Platão equilibrou-se que nem japonês. Encarou os presentes vitoriosamente. Na lata, seus cretinos. Esfregou a sola do sapato na calçada e foi esperar em outro poste.”
O personagem de nome Platão Soares, tido como filósofo, de comportamento austero, escorregou “numa casca de laranja” e reagiu como se as pessoas que esperavam o bonde tivessem alguma culpa.
Quando li esse trecho, a imaginação viajou pela realidade: – quantos estão escorregando em “cascas de laranjas”?
O autor do conto saiu do lugar comum, pois sempre se fala do escorregar em casca de banana.
O Brasil já foi rotulado de república das bananas, espero que não se tenha plantado um laranjal no planalto central para não sermos tachados também de república dos laranjas.
Com certeza, a casca de laranja em que Platão Soares escorregara não era da China. Esse tipo de laranja chegou ao Brasil por intermédio dos portugueses, mas não foi bem assimilada pela população, ou seja, não foi um negócio da China.
Mas, voltando ao ato de ler, afirmo que a leitura abre, sobre a realidade, um ângulo de visão que possibilita entender os fatos, porque a relação causa e consequência, no contexto social, tem lastro histórico.
Conhecendo o passado, entende-se melhor o presente e a projeção de futuro depende da análise dos fatos para se evitar “escorregadas históricas” que acarretam retrocessos ou desvios de rota do sonho de conquistar a democracia.
Não acredito no que dizem por aí que a história se repete. Não há repetição, mesmo diante de fatos cíclicos, a história segue em espiral, porque, como se ouvia na Rádio Relógio, “cada minuto que passa é um milagre que não se repete”. O tempo não para. Quando no presente se comete um erro do passado é um passo atrás. Retrocesso não é repetição, as consequências são mais drásticas…
Após ler o citado livro, lembrei-me da música da Nara Leão, que tem como título “Laranja da China”, na qual, há a seguinte estrofe:
“Areia branca, areia fina/ Vela no mar, luz cristalina/ E o meu amor adormeceu/ Lambendo o mel, longe da usina”.
No refrão, há a seguinte frase: “Laranja da terra, Coca-Cola da China”.
É válido ressaltar que não é Coca-Cola “na” China. Nessa frase, a preposição marca uma diferença ideológica.