• A caridade incomoda

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  • 14/jan 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Tenho dificuldade para expressar o que penso, assim, medindo palavras para não destilar ódio, nem agir agressivamente diante das injustiças. Se levássemos, ao pé da letra, a proposta do “olho por olho dente por dente”, acabaríamos todos cegos e desdentados.

    Tenho o Amor como referência para a construção da Paz entre os seres vivos. Digo isso, porque até os animais entendem a linguagem do carinho. Reitero: o Amor há de vencer.

    A vitória do Bem não é promessa, é uma constatação, porque a Verdade liberta. Nascemos para “amar e ser amado”. A concepção de “paraíso” e de “paz na Terra” são inerentes às manifestações do Amor.

    Pensei em escrever a palavra “Amor” repetidamente até preencher os caracteres que me são concedidos nos jornais que publicam os meus textos, pois vejo o Amor como a solução para desarmar os corações que disseminam ódio.

    Às vezes, precisamos das utopias para continuar acreditando na vitória do humano. Há anos, deixei de escrever em terceira pessoa, de seguir as diretrizes que regem os discursos acadêmicos das teses e monografias. Arco, por conseguinte, com os ônus de deixar o coração aberto e as lágrimas expostas diante de um contexto em que a vaidade se manifesta pela ostensão de bens materiais.

    O tempo me permitiu assumir a condição humana, tendo como objetivo o aprimoramento da sensibilidade social como forma de resistir às imposições de um sistema que não respeita as diferenças. Os estigmas são perversos, porém superáveis pela manutenção de critérios éticos. Servir é uma forma de dar sentido à vida. “Há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20,35).

    A caridade vicia. Fazer o bem faz bem. Conforme o dito popular, “devemos fazer o bem sem olhar a quem”. Mas o bem que se faz incomoda. A caridade deve ser praticada em benefício de quem necessita, não em função de quem se julga merecedor. E quem a pratica encontra as dádivas do Amor.

    Um simples abraço de 20 segundos, conforme estudos da Universidade da Carolina do Norte, pode fazer com que o cérebro receba mensagens de prazer e satisfação. E a partir disso, ele começa a liberar endorfina, ocitocina, dopamina e serotonina. Hormônios que provocam uma sensação de bem-estar capaz de regular os batimentos cardíacos.

    A ocitocina é chamada de “hormônio do amor”, também conhecida como “hormônio do parto”, pois se manifesta na relação mãe e filho, estimula a liberação de leite materno. Uma pesquisa divulgada, em 2018, nos Estados Unidos, pelo Journal of the National Association of Neonatal Nurses, constatou que o contato pele a pele entre pais e bebês prematuros aumenta os níveis de ocitocina. Isso contribui para o desenvolvimento neurológico da criança, ou seja, o simples toque afetivo entre a mãe e o bebê ajuda no tratamento. O êxito do método canguru, que consiste no contato contínuo pele a pele entre a mãe e a criança, serve para comprovar a importância da ocitocina na relação humana.

    Esse hormônio que atua na parte do afeto também se manifesta nas atitudes altruístas, gerando bons sentimentos de confiança, respeito, segurança, além de contribuir para a estabilidade emocional. Em síntese, a caridade é visceral. Há interação entre corpo, mente e alma. O que se faz não se limita à consciência social, nem a uma conduta movida por princípios religiosos. Há também uma satisfação em ver o outro bem a partir das nossas ações: uma palavra, um alimento, um agasalho, um ombro acolhedor, ou seja, o amparar, o acolher refletem a solidariedade que pode mudar a face da nossa realidade.

    No estender a mão a quem mais necessita, há uma reciprocidade que se materializa pela empatia, pela alteridade, uma vez que se concretiza a ajuda mútua. Nos gestos solidários, há uma satisfação que se reflete no prazer de viver.

    Exponho aqui a minha maneira de ver a caridade para externar o meu posicionamento a favor do trabalho do Padre Júlio Renato Lancellotti em São Paulo.  Estive, em 2022 e 2023, na capital paulista para participar, com um grupo de amigos de Petrópolis, da Via-Sacra do Povo da Rua. Vi de perto o que um senhor de 75 anos de idade faz por uma população de excluídos. As críticas que ele hoje recebe não são tão diferentes das que sofreram outras pessoas que se colocaram ao lado dos menos favorecidos: Pedro, Paulo, André, Padre Ibiapina, Irmã Dulce, Irmã Dorothy, Madre Teresa de Calcutá, Padre Ítalo, Padre Quinha e tantos outros que souberam ouvir o grito dos excluídos.

    “O que adianta alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Poderá a fé salvá-lo? Se, um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e precisarem do alimento de cada dia, e alguém de vós lhes disser: ‘Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos’, mas não lhes der o necessário para o corpo, o que adiantaria? Assim também a fé, se não tiver obras, está morta em si mesma.” (Tg 2,14-17).

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