Talentos no infinito
Abalos sempre experimentamos nessa nossa vida de criatura humana, com destino traçado por um imponderável artifício divino que, sabiamente, jamais antecipa e revela onde e quando, conferindo um molho especial à macarronada que é a nossa trilha por ai vencendo e já vencida, aos trancos e barrancos, no caminhar das incertezas todas, dentre as quais uma única delas resolve o complicado teorema: o final momento que pode vir ameno, romantizado, suave, digno, ou através da violência rodopiante nos fatos inexplicáveis quanto presentes, sem retornos, sem alternativas. O agente do infortunado momento é sempre o mesmo, já catalogado e digitalizado nas memórias arquivadas nos escaninhos dos séculos e séculos. Milhares de artistas tentaram – e tentam os coevos – representar a mancha que rodeia a vida e a encobre num momento, onde não faltam horrendas criações de uma fantasia aterradora, deliciosas mentiras ficcionais que não mais assustam as criancinhas que dormitam sem medos.
Assim, assalta-nos a imaterial criatura com incursões inesperadas, como o acidente que vitimou o jornalista Ricardo Boechat, no pleno viço de seus misteres, abrindo um sulco impreenchível na inteligência brasileira. O jornalista e comunicador encontrava-se na prontidão nacional de cobrança da dignidade política, caminhando pelas sendas novas/velhas das incertezas, com lucidez e descortino, ainda com muito a contribuir, missão deixada nas labaredas de um frágil artefato voador. Os deuses da imponderabilidade exageraram nesse recolhimento ao infinito de um dos melhores profissionais atuantes no intrincado múnus da salada mista com frios e gelo que vem corroendo corações e mentes de nossa sofrida e sempre amada e respeitada pátria. Sua voz era coerente, seu papel na arena circense de analista político perfeito, diante do oco poço-caos onde anda mergulhada a moral nacional. Ricardo Boechat entrava em todos os gabinetes, sob trânsito livre de um poder de qualidade respeitado ao tempo que temido, por sua rara inteligência de ser e saber viver. Insubstituível, quem há de duvidar?! O Infinito o recebe: “- Bravo! Bravo! Bravo!”
Deixa-nos, quase no mesmo dia, uma outra personalidade da vida brasileira, do ramo do entretenimento, da arte, da cultura, do talento cênico, nascida para o palco e para as luzes maravilhosas e luzentes da ribalta, primeiro choro em camarins de teatro, recebida nos braços da filiação nobre de grandes artistas, a Bibi Ferreira, de completo talento e de trilha artística coalhada das mais coruscantes luzes que já brilharam nos palcos brasileiros e internacionais. A grande intérprete, quase centenária, cumprira uma carreira iniciada ainda bebê e terminada com a glória de marcantes criações cênicas. Lúcida e consciente soube o momento de cerrar as cortinas para a carreira; gloriosa, soube registrar sua imortalidade de passagem histórica; talentosa, soube honrar o extraordinário comediante, dramaturgo, escritor, seu pai Procópio Ferreira, de registro igualmente impresso no coração da cultura brasileira. Bibi deixou-nos tranquila, sem sustos, sem sobressaltos, sob perfeita missão realizada. O Infinito a recebe: “- Bravo! Bravo! Bravo!”
E o lamento nacional pelas vítimas das barragens do Vale do Rio Doce (ou da morte?) e os meninos da “Toca do Urubu”, todos surpreendidos pelo cinismo daqueles que não estão preocupados com os irmãos humanos, senão apenas com as consultas, sob doentia sofreguidão, de suas contas e investimentos bancários e financeiros.