‘Priscilla’ de Sofia Coppola é excepcional filme-resposta ao ‘Elvis’ de Baz Luhrmann
Se Elvis é um filme explosivo, Priscilla é contido. Se Elvis é colorido, Priscilla está mais puxado para o pastel. Se o filme de Baz Luhrmann é uma ode ao personagem-título, o de Sofia Coppola toca apenas uma música de Elvis – e em um momento bem discreto e intimista. E ainda que o longa-metragem de 2022 seja realmente bom, não é páreo para a qualidade do filme de 2023, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 4 de janeiro.
Dirigido e roteirizado por Sofia, o longa-metragem se concentra unicamente na história do relacionamento entre Priscilla (Cailee Spaeny) e Elvis (Jacob Elordi). Não há desvios de atenção aqui para a carreira do Rei do Rock, tampouco algum deslumbramento com os personagens em cena. O longa, inspirado no livro de memórias de Priscilla e produzido por ela, tem uma preocupação: mostrar detalhadamente o que é um relacionamento abusivo.
A biografia de um relacionamento
O fato de o casal ser um dos mais emblemáticos da história da música norte-americana é um detalhe – o filme, obviamente, não tenta ser uma denúncia, já que Priscilla falou abertamente sobre isso várias vezes. Sofia (de filmes como Maria Antonieta e Encontros e Desencontros) volta ao tema do relacionamento para mostrar como o abuso verbal é uma violência que fere e machuca, mesmo se tratando de um casal como esse.
Em termos de narrativa, Priscilla às vezes parece um filme vazio. Pouca coisa realmente acontece: ela conhece Elvis quando ainda estava na escola, fica apaixonada e deslumbrada, se torna um bibelô para o cantor e, enfim, começa a ser tratada como uma ninguém. Um caminho óbvio em uma trama sobre relacionamentos abusivos e que não é potencializada por subtramas desnecessárias. É um filme sobre os dois. E ponto final.
A ambientação é um dos pontos altos do filme. Sofia Coppola se preocupa com todos os detalhes. A começar pela paleta de cores, que começa vibrante e aos poucos vai para tons mais pastel, e até chegar na escolha de atores – que contribuem enormemente para a mise-en-scène. Cailee Spaeny, a intérprete de Priscilla, tem apenas 1,50m. Jacob Elordi, o Elvis, tem impressionantes 1,96m. Em cena, a diferença é gritante.
Na tela, um espetáculo
Elvis, na composição de Sofia Coppola, se torna uma espécie de ameaça constante para Priscilla. Mesmo quando está sendo carinhoso, sua fisicalidade ameaça a mulher. A forma de filmar as interações, aliás, também ajuda nesse processo: Priscilla está sempre buscando o olhar do parceiro, enquanto ele está sempre distante. Quando olha para ela, geralmente está fazendo algum juízo de valor ou, até mesmo, falando algo absurdo.
Elordi (de Euphoria) faz um Elvis diametralmente oposto ao de Austin Butler: ele é todo sem jeito, gaguejando e balbuciando quando precisa falar algo importante, mas que não pensa duas vezes antes de desferir uma agressão verbal contra a esposa. A violência fica ainda mais evidente com esse contraste. Já Cailee (Suprema) traz emoções nos detalhes, com poucos momentos de explosão, funcionando bem desde essa adolescente apaixonada até a mulher sofrendo de solidão.
Priscilla termina em um grito de liberdade. Sofia Coppola clama por isso, celebra isso. Lembra um pouco o que Spencer apresentou sobre a vida da Princesa Diana, mostrando as complexidades de um relacionamento abusivo e o suspiro que chega quando ele acaba. É, assim, um filme que vai além das aparências e que tem algo muito concreto a dizer, com uma direção que sabe o que quer contar. Já é, pra mim, um dos melhores filmes de 2024.