O que está por trás da popularidade de ‘All I Want for Christmas is You’, de Mariah Carey
Nos EUA, se alguma coisa irrita você na canção All I Want for Christmas is You, de Mariah Carey, é melhor evitar os shoppings por um tempo. Ou o rádio. Talvez evitar completamente ouvir música, aliás.
Sua canção de Natal de 1994 domina o repertório festivo como poucas.
O colosso natalino chegou por quatro anos seguidos ao nº 1 da parada Hot 100 da Billboard, que mede todas as músicas mais populares a cada semana por ondas de rádio, vendas e streaming, não apenas as temáticas da época, e é razoável supor que em 2023 não será diferente. Um especialista prevê que, em breve, ela ultrapassará 100 milhões de dólares (500 milhões de reais) em faturamento. Até o toque de celular já vendeu milhões.
“Essa canção agora está inscrita na história”, diz David Foster, compositor e produtor que ganhou 16 prêmios Grammy. “Está inscrita no Natal. Quando você pensa no Natal agora, você pensa nessa canção.”
Mas a história por trás de All I Want for Christmas is You não é toda feita de pinheiros e bolas coloridas.
Os coautores da canção, Carey e Walter Afanasieff, estão envolvidos em uma misteriosa disputa. Os autores de uma canção diferente com o mesmo título entraram com uma ação judicial pedindo 20 milhões de dólares (100 milhões de reais) em indenização. E embora Carey se autodenomine Rainha do Natal, sua tentativa de registrar esse título não deu certo.
Todos os anos, no dia 1º de novembro, a música encerra sua hibernação quando Carey posta nas redes sociais que “chegou a hora” de tocá-la novamente. Na mensagem deste ano, ela aparecia sendo libertada de um bloco de gelo para dar a declaração.
Tanto em termos de música, quanto de letra, a canção foi perfeitamente projetada para o sucesso, diz Joe Bennett, musicólogo e professor da escola Berklee College of Music. E foi composta por uma artista que, na época, estava no auge.
All I Want for Christmas is You funciona como canção romântica e natalina. Carey cria a situação: ela não se importa com o aparato das festas, ela tem só uma coisa – uma pessoa – em mente. Ela salpica algumas referências natalinas específicas, como Papai Noel e azevinho (mistletoe).
Os instrumentos e o arranjo rápido lembram o álbum de Phil Spector de 1965, “A Christmas Gift for You”, que também é um clássico natalino. E a cereja do bolo é que parte da melodia faz uma sutil referência a White Christmas, explica Bennett.
“Meu objetivo era esse, fazer uma coisa atemporal”, explicou Carey em uma entrevista recente ao programa de TV americano “Good Morning America”.
A Billboard vem elaborando listas dos principais sucessos natalinos desde 2010, e All I Want for Christmas is You foi a nº1 em 57 das 62 semanas em que a lista esteve no ar, segundo Gary Trust, diretor das paradas de sucesso. Will Page, ex-economista-chefe do Spotify e autor do livro Pivot, estima que a canção irá ultrapassar o faturamento de 100 milhões de dólares (500 milhões de reais) nesta temporada de festas.
“Pela maioria dos critérios objetivos”, diz Bennett, “é a canção natalina de maior sucesso de todos os tempos”.
Como contou Afanasieff, boa parte do trabalho de composição de All I Want for Christmas is You foi realizado por ele e Carey em uma casa alugada, no verão de 1994. A equipe já tinha um histórico, tendo trabalhado em outros álbuns de Carey, Emotions e Music Box.
No ano passado, ele contou no podcast Hot Takes & Deep Dives with Jess Rothschild que começou com um piano de boogie-woogie, lançando ideias melódicas que Carey respondia com letras (Afanasieff não respondeu às mensagens da Associated Press). Posteriormente, Carey completou a letra por conta própria, e Afanasieff gravou todos os instrumentos, segundo ele mesmo.
Então, as coisas se complicaram. Na época, Carey estava casada com Tommy Mottola, presidente da Sony Music. Eles se separaram em 1997, e sua relação com Afanasieff, que continuou trabalhando para Mottola, acabou sendo vítima do casamento rompido. Afanasieff diz que eles se falaram uma única vez em mais de 20 anos, e que suas contribuições foram excluídas dos relatos de Carey sobre a criação da música.
No mês passado, na entrevista ao Good Morning America, ela disse: “Eu estava trabalhando nisso sozinha, em um pequeno teclado Casio, escrevendo letras e pensando: ‘O que eu acho do Natal? O que eu amo? O que eu quero? Com o que eu sonho?'”, diz. “E foi assim que começou.”
Afanasieff parece quase perplexo com o rumo dos acontecimentos. Ele contou à revista Variety, em 1999, que todo ano, na época das festas, ele precisa se defender contra as pessoas que não acreditam que ele é coautor da música.
“Mariah tem sido maravilhosa, positiva, e uma força da natureza”, disse ele à Variety. “Foi ela quem fez dessa música um sucesso, e ela é incrível. Mas ela definitivamente não dá os créditos quando eles são devidos.”
No mês passado, os compositores Andy Stone e Troy Powers processaram Carey e Afanasieff em um tribunal federal do estado americano da Califórnia, pedindo 20 milhões de dólares (100 milhões de reais) por violação de direitos autorais, em referência à sua própria canção country de 1989, All I Want for Christmas is You.
A canção dos dois tem um tema similar, com um narrador que deseja um interesse amoroso mais do que os confortos de Natal. Os autores mencionam uma “probabilidade altíssima” de que Carey e Afanasieff tenham ouvido sua canção.
As duas canções não têm semelhanças musicais, segundo Bennett, da escola Berklee, e o tema está longe de ser inédito. Ele citou You’re All I Want for Christmas, de Bing Crosby, All I Want for Christmas is You, de Carla Thomas, e All I Want for Christmas, Dear, is You, de Buck Owens.
Segundo o musicólogo: “Não faz o menor sentido”.
Em sua participação no podcast, Afanasieff comentou que Foster uma vez chegou a dizer que All I Want for Christmas is You era a última música a entrar para o cânone de Natal americano, e que “esse cofre está selado”.
Foster disse à AP que exagerou um pouco, mas não muito. Escrever uma nova canção natalina é terrivelmente difícil, pois você não está só competindo com os sucessos atuais, mas com séculos de canções e lembranças. Os antigos clássicos nunca desaparecem.
“Eu simplesmente fico longe deles, porque eles me assustam”, diz Foster. “Em termos de letras, tudo já foi feito antes, e melhor do que eu jamais poderia fazer.”
Embora aprecie o elogio de Foster, Afanasieff disse a Rothschild que espera que as outras pessoas não levem isso a sério.
“Peço aos compositores todo ano”, diz. “Chegou a hora de escrever a próxima All I Want for Christmas is You“.