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  • 12/12/2023 08:00
    Por Fernando Costa

    Caríssimos leitores, confrades e amigos. Reunir os discursos de posse, o meu, de recepção a Lúcio Gil em nome da gloriosa e centenária Academia Petropolitana de Letras e, a magnífica preleção de meu afilhado e renomado escritor Lúcio Gil é motivo de imensurável alegria. Assim, partilho convosco desse inesquecível momento:

    Pronunciamento do Acadêmico Fernando Antônio de Souza da Costa

    Posse do escritor e poeta Lúcio Gil à Cadeira nº 16 da A.P.L. – 02 -12 – 2023

    Exmo. Acadêmico professor Leandro Garcia, presidente da Academia Petropolitana de Letras, Exmo. Acadêmico professor Cleber Francisco Alves, vice-presidente e Primeiro Secretário, na pessoa dos quais saúdo a Nobre Diretoria,

    Exmº. Senhor escritor e poeta  Dr. Lúcio Carlos dos Santos Gil, saudação extensiva, também, a vossa esposa Clara, filho Caio, mãe Vera e, in memoriam ao pai João Gil, aos avós José Albino e Irene Gonçalves dos Santos,  ele, o avô, grande inspiração e incentivo ao neto Lúcio Carlos; dileta família, Confrades, Senhoras e Senhores,

    A guisa de primícias deste panegírico, unido a esta culta e atenta assembleia reverenciamos Sua Alteza Imperial e Real Imperador Dom Pedro II que há 198 anos veio à luz na cidade do Rio de Janeiro na residência de seus pais Imperatriz Dona Leopoldina e Imperador Dom Pedro I.

    Ilustrado e virtuoso deixou marcas profundas e a imortalidade nas belas letras, Patrono da Cadeira 8 da A.P.L. desde sua fundação.

    Disse Sua Alteza: “Se não fosse imperador desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do futuro”.

    E neste diapasão, desejo expressar a alegria da Imperial Cidade de Petrópolis, na data em que celebra o natalício de nosso Imperador Dom Pedro II  transformada na Atenas plantada na colina por reviver a Grécia Histórica em toda majestade de sua Acrópole cujo areópago belo e repleto reverencia e glorifica seu herói. Sim, “um valor mais alto se alevanta!”

    Adentra aos pórticos e umbrais deste templo a integrar à constelação de luminares do notável saber, o renomado escritor, poeta, ator e advogado Lúcio Carlos dos Santos Gil que traz na alma e genética, o domínio, talento e verve das raízes lusófonas, por isso, também, comparecem nesta noite de rara beleza e esplendor o lirismo de Florbela  Espanca, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Alexandre Heculano, Antero de Quental,  tendo como Anjo tocheiro Luiz Vaz de Camões, nascido em Lisboa aos 10 de junho de 1580, Dia de Portugal.

    Discorrer sobre a vida e obra do laureado escritor e poeta Lúcio Gil é exaltar as filigranas portuguesas, de seus ancestrais, notadamente, o renomado patrício Camões, vinculado ao classicismo, estilo da época renascentista.

    A Casa de Petrópolis Instituto de Cultura, ornada em verde, palmeiras imperiais, flores em mil tons, borboletas cor de violeta, colibris,  majestoso lago e beleza arquitetônica em estilo vitoriano não poderia ser melhor  e aprazível cenário a esse memorável evento, isto é, a posse de  Lúcio Gil agraciado esteta e ourives da  multifacetada educação e rara sensibilidade.

    Tomará assento à Cadeira de Membros Efetivos, número 16, patronímica de Silvio Romero da gloriosa Academia Petropolitana de Letras em substituição ao confrade João Roberto Gullino elevado ao Quadro de Membros Eméritos desta arcádia.

    A A.P.L. completou no dia 03 de agosto cento e uma primaveras e continua guardiã da intelectualidade.

    Ela adorna a dignidade de seus pósteros, bem assim, os exemplos legados por seus semelhantes.

    Ao longo do cêntuplo desta Academia, ela acolheu cerca de duas centenas de intelectuais sendo 40 cadeiras titulares seguindo o rito da escola francesa.

    Seus membros devotam o amor à história, literatura, arte, jornalismo, produção científica, eclesial, magistério, justiça, à memória dentre outros que compõem o universo do conhecimento.

    Os passos de Platão renovam-se neste cenáculo, transformando os belos salões deste palacete no Academus, revivendo os helênicos e a centenária Academia Petropolitana de Letras cumpre seu destino itinerante neste apostolado em disseminar a primorosa cultura e a espargir sua luz em todos os matizes rememorando a Escola Peripatética fundada por Aristóteles em 336 a.C.

    Lúcio Carlos dos Santos Gil nos foi apresentado em 2017 pela confreira Andréa Lopes que numa noite de verão nos reuniu em um brinde nas proximidades desta instituição  e ali, Gil e  sua esposa Clara, eu, Célio e Tadeu, sorvemos da simpatia e belo coração desse lindo casal. Em meio ao  tilintar dos cristais, a beleza e fluência  vernácula do novel confrade e Senhora, conquistaram os alegres convivas.

    O tempo perfez o seu desígnio e nosso relacionamento amadureceu e se cristalizou em amizade.

    Dali por diante, Lúcio deu prosseguimento à produção literária e conquistou prestígio de acústica internacional.

    Em 2022 em reconhecimento a seus méritos Lúcio Gil foi  promovido a Membro Honorário  na sessão solene do Prêmio A.P.L., isto é, iniciou seus passos à  titularidade acadêmica.

    Nos primeiros meses de 2023 ocorreu a vaga à cadeira nº. 16 de Membros Efetivos, por isso,  o inscrevemos ao seu  preenchimento.

     Como era de se esperar obteve ele na assembleia de eleição unânime aprovação.

    Lúcio Gil veio compor a  Casa de  Insignes que durante  cento e um anos tomaram lugar em suas cadeiras titulares da Academia Petropolitana de Letras, antes,  Associação de Ciências e Letras nascida em pleno alvorecer da Semana da Arte Moderna de 1922, a partir dos anos trinta  passou a cognominar-se Academia Petropolitana de Letras, formada por celebridades da mais alta envergadura e social da Imperial Cidade de Petrópolis alguns com ressonância cosmopolita.

    Lúcio Carlos dos Santos Gil tem plena ciência do prescrito no estatuto e regimento do sodalício e será um arauto na “difusão dos valores culturais, especialmente na área literária”.

    Ao compulsar os anais de escritores contemporâneos constatei que o confrade sempre gostou de literatura, mormente a gramática.

    Lúcio Gil é carioca do subúrbio do Rio de Janeiro e cresceu na Ilha do Governador.

    Viveu uma infância de brincadeiras na rua e sempre em contato com a natureza.

    Era conhecido como um menino extremamente curioso que queria conhecer o mundo e que tinha sempre uma resposta na ponta da língua.

    Ao ingressar no colégio, aos 4 anos de idade, ainda no jardim de infância, alfabetizou-se muito rapidamente, criando certa distância vantajosa com relação ao restante da turma, o que obrigou a diretoria do seu colégio a propor a seus pais que o promovesse da primeira série primária, indo diretamente para a segunda série.

    Manteve esta vantagem de quase dois anos a menos que o restante de sua turma em sua vida escolar.

    Relembra uma  curiosidade acerca de seu colégio é o fato de que nele havia uma clausura. Por conta disso, me disse ele,  “Madre Teresa de Calcutá ali se hospedou pelo período em que conduzia uma ação social no subúrbio do Rio de Janeiro.

    No dia em que chegou, Madre Teresa recebeu todos os alunos do colégio.  Gosto de dizer que tive a oportunidade de beijar as mãos da Santa em vida.”

    Aos oito anos de idade, viajou com seus pais ao arquipélago dos Açores, onde moraram por um ano em uma de suas ilhas, a paradisíaca Ilha Terceira.

    Sua infância também foi marcada pelas conversas com seu avô, José Albino, imigrante português que, embora tivesse apenas a quarta série primária, mostrou-se um verdadeiro poeta com vasta produção de poemas e sonetos, dos quais muito o orgulha.

    Estudou em um colégio de freiras francesas onde, dentre outras atividades, cantava o Hino Nacional Brasileiro e La Marseillaise em todas as manhãs de segunda-feira.

    Guarda em suas retinas a imagem de sua tia, Maria Lina, que nos  finais de semana em família,   sempre colocava suas coleções em vinil de Clara Nunes e Beth Carvalho, alegrando as manhãs de domingo.

    O carinho constante de Vera,  sua mãe, acordando cedo para  coloca-lo no ônibus escolar e fazendo tudo que fosse necessário para que ele se tornasse quem é.

    E evoca  sua  mãe a  cantarolar as canções da “era do rádio” enquanto executava os afazeres domésticos. Por isso, Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Linda Batista e Dircinha, Marlene, Emilinha e tantas outras rondam sua memória e os fragmentos de sua história. Todas essas cantoras ficaram eternizadas através da voz de sua mãe.

    Diz ele: “Recordo-me, ainda, do fato de que eu sabia, exatamente, como estava a relação dos meus pais baseado nas canções que minha mãe cantava ao lavar a louça do almoço. Se ela cantasse “Vingança”, a coisa estava feia para o lado do seu pai. Mas se ela cantasse “Amendoim Torradinho”, significava que tudo estava em plena paz e harmonia.”

    Quem o conhece, sabe que é um apaixonado por animais de todas as espécies. Em sua casa, possui dois cães e dois gatos.

    Mas cria, ainda, mini bovinos, galinhas e o que mais lhe for possível criar em seu sítio, em Secretário, impulsão devidamente controlada pela mente racional de sua esposa.

    Além de escritor, arrisca-se como compositor de samba-canção e chegou a pintar algumas telas.

    Curioso desde criança se interessa por diferentes frentes de trabalho e de estudos e é conhecido por seus amigos como o “faz tudo”.

    É inclusive advogado e   poeta, estudante de teatro, trabalhou com marketing e vendas, na indústria aérea, na área de relações internacionais, assuntos políticos e econômicos  é o pai, marido e filho ao mesmo tempo.

    João Gil, seu genitor, trazia consigo uma frustração de não saber falar Inglês. Assim, quando Lúcio Gil completou 7 anos de idade, o matriculou em um curso onde estudou, por 8 anos consecutivos, o Inglês Britânico.

    Ao finalizar o curso, Lúcio se deu conta que o mundo falava Inglês com sotaque americano e então, pediu ao seu pai que lhe matriculasse em outro curso onde pudesse aprender o sotaque dos Estados Unidos.

    Assim foi feito. Um dia, já trabalhando como funcionário da Pan American, viajou com seus pais à Nova Iorque. Queríam ver a decoração de Natal de Manhattan.

    Ao desembarcar no aeroporto John Fitzgerald Kennedy, pegaram um taxi limousine que os levaria ao hotel, na movimentada Time Square.

    E Gil foi sentado ao lado do motorista e seus pais, no banco de trás. Reparou que o motorista estava fazendo um caminho muito diferente das rotas que ele já havia feito anteriormente, o que estava encarecendo absurdamente a corrida.

    Pediu ao motorista que parasse para descerem ao que ele se negou a fazer.

    Começaram, então, uma séria discussão em Inglês dentro do carro, a qual culminou com a polícia de Nova Iorque abordando aquele automóvel.

    O debate prosseguiu com o motorista diante do policial e mudaram, então, para outro taxi.

    Ao chegarem ao hotel, enquanto faziam o check in, reparou que seu pai estava chorando.

    Gil lhe disse: pai, não fique nervoso! Nova Iorque é linda e o Senhor adorará a decoração de Natal.

    E foi então que seu pai confessou-lhe que estava chorando porque acabara de constatar que ele, seu filho, era fluente em Inglês.

    Aos 18 anos, emitiu sua carteira de trabalho e foi trabalhar em seu primeiro emprego remunerado como vendedor em uma das lojas do então Duty Free Shopping no Aeroporto Internacional Tom Jobim.

    Aos 20 anos, já era gerente das lojas.

    Ingressou no curso de Direito da Universidade Santa Úrsula (USU) com apenas 16 anos de idade.

    Na Universidade, recebeu o apelido de “caçulinha”.

    Graduou-se em Direito, tornando- se membro inscrito da OAB RJ. 

    A Universidade Santa Úrsula, também, é católica e, por sua formação cristã, cursou 6 semestres de teologia.

    Apaixonado pela ideia de voar, aos 24 anos, ingressou na aviação civil norte americana, trabalhando na renomada empresa PanAm. Nessa empresa, lançou-se no mundo. Viajou inúmeras vezes para diversas capitais da Europa, dos EUA e da América do Sul.

    Com a triste falência da PanAm, ingressou na American Airlines, onde conheceu sua esposa, Clara. Após 12 anos na American Airlines, que lhe renderam uma rica experiência e tantas histórias que dariam um belo livro de contos, resolveu mudar seus horizontes e foi trabalhar na área de Relações Internacionais, como Assessor para Assuntos Políticos e Econômicos do Departamento de Estado Norte Americano.

    Alí ficou por 11 anos e, em 2018, ingressou no Departamento de Justiça dos EUA, onde hoje trabalha e tem muito orgulho de fazer parte da Missão Norte Americana no Brasil. 

    É verdadeiro seguidor de Machado de Assis e de Mario Quintana. Gosta de Ariano Suassuna, Manuel Bandeira, José de Alencar e Fernando Pessoa já referido nas preliminares.

    No tocante a bibliografiade sua preferência, além dos seus, por óbvio, traz no coração “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “O Auto da Compadecida” ( peça teatral) e “Eu passarinho”.

    Sempre adorou escrever redações a exemplo “minhas férias” no retorno às ano letivo.

    Alí percebeu sua veia para a ficção, pois umas simples semanas de férias em Araruama tornavam-se uma grande aventura com “piratas de lagoa”, “galeões naufragados”, “mamífero marinho” e o que mais viesse sua imaginação.

    Vera, sua mãe, assídua leitora e  crítica literária,  sempre habituada à leitura e, seu pai e o Senhor José Albino, seu avô, também.

    Assim, muito cedo teve acesso a exemplares de grandes poetas e escritores, “exempli gratia” aos acima mencionados.

    Seu avô, José Albino, em especial, foi a grande influência em sua carreira de poeta e escritor.

    Não obstante,  pouco estudo, disse certa vez Gil, para mim, “ meu avô era um poeta nato e escrevia trovas em pedaços de papel que ficavam esquecidos em seus bolsos”  e os declamava a todo momento. 

    O avô Albino era imigrante português, havia se apaixonado pela tradição caipira brasileira, apresentou ao Gil seus cantores preferidos, Tonico e Tinoco, bem como contava “causos” da época que trabalhara como marceneiro na fazendo do Barão do Rio Branco, no interior de São Paulo, à época administrada pelo neto do Barão.

    Considera-se um romancista tendo, atualmente, dois romances históricos publicados: À Sombra das Cerejeiras – romance que se passa na Europa dos anos 40, no decorrer  da Segunda Guerra – e O Maestro das Baleias – romance contemporâneo ambientado no Arquipélago dos Açores.

    Seu primeiro romance, À Sombra das Cerejeiras, rendeu-lhe um convite para participar de um encontro internacional de escritores na Ilha de São Miguel, nos Açores.

    Do Brasil, foram convidados e presentes Luis Fernando Veríssimo, Luis Antônio de Assis Brasil e Lúcio Carlos dos Santos Gil.

    No evento, participou de mesas redondas e debates com poetas e escritores portugueses e também de outros países, como EUA, África, etc.

    É de bom alvitre trazermos à baila o inesquecível poeta e conterrâneo Fernando Pessoa ao proferir  que “A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta.”  Neste fio condutor Noam Chomsky, também prossegue: “A literatura possibilita uma introspecção muito mais profunda às pessoas do que qualquer outra ciência o pode fazer.” E, Mário Vargas Llosa conclui: “A literatura não é algo que nos faça felizes, mas ajuda-nos a defendermo-nos da infelicidade.”

    A respeito de “À Sombra das Cerejeiras” de Lúcio Carlos Gil,  disse o consagrado  escritor e poeta português Álamo Oliveira:

     “Lúcio Gil estreia-se com uma escrita fluente, escorreita de vocabulário adequado e erudito. O livro lê-se com apetite e entusiasmo.”

    O escritor Lúcio Gil tem sido convocado a participar e prefaciar várias antologias poéticas.

    Foi, ainda,solicitado para representar o Brasil em uma antologia norte americana de contos, chamada “Relatable voices.”

    Autores de 14 países contribuíram com contos referentes  ao cotidiano, escritos em Inglês, e ele escreveu dois contos: “No Caipirinhas, Mama” – a história de uma senhora de 92 anos, do Arizona, que resolve viajar sozinha ao Rio de Janeiro para assistir ao desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí.

    Publicou ainda outro conto intitulado “Blame de Zodiac”, que conta a história de duas irmãs tão unidas e, ao mesmo tempo, tão diferentes que traçam um plano estratégico sensacional para conseguir um voucher de hotel gratuito.

    Tem participado, também,  de feiras literárias dos EUA como autor a prestigiar a recente The Relatable Voice Book Fair 2023.

    Ao longo de sua trajetória tem concedido entrevistas a podcasts dos EUA e de Londres e foi, também, entrevistado por revistas estrageiras, como a Shoutout Atlanta, onde discursou em relação  a arte de escrever, e a The RV Magazine.

    Nestas entrevistas, ao ser perguntado quanto ao que fazer no Rio de Janeiro, sempre sugere uma visita a sua cidade do coração, Petrópolis.

    Seu pai, João Gil, era Açoriano e chegou a trabalhar para o Governo dos Estados Unidos em uma base aérea norte americana, localizada na Ilha Terceira.

    Muito jovem, resolveu imigrar para o Brasil e aqui se casou.

    Causídico por formação e com pós-graduação em Relações Internacionais atua no Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América.

    É instrutor de meditação dinâmica e tem como hobby o piano clássico.

    Na música, o poeta Cartola desfruta do escrínio de seu coração, cujas canções “As rosas não falam” e “O mundo é um moinho” as considera verdadeiras joias do cancioneiro popular.

    Gosta ainda, de Clara Nunes e, em especial, de seu hino chamado “O canto das três raças”.

    Mas, “Faz parte do seu show” dizer que é, também, da geração Cazuza.

    Considera sua esposa Clara e seu filho Caio os dois grandes tesouros de sua vida.

    Costuma dizer que seu filho é seu grande mentor. Disse ele: “Caio tem muito mais juízo do que eu”.

    E Clara, além de linda, é certamente a única mulher no mundo capaz de lidar com sua alma inquieta.

    Senhoras, Senhores, Confrades e Amigos: Dos faustos da história e em perfunctória síntese, desbravei o coração do menino carioca da gema.

    Confesso-lhes emocionado em traçar o perfil multiforme, profissional e humano de Lúcio Carlos Gil dos Santos perante este sábio auditório a observar-me, não com a severidade estoica dos antigos espartanos, mas, nutrido pela suavidade ateniense.

    Ao concluir volta-se a reafirmar; quisera possuir os dotes oratórios a encantar e seduzir, por mais desejasse me recorrer à semântica, retórica e prosopopeia capazes de traduzir o fiel retrato da elevada sapiência e ricas virtudes  de nosso confrade Lúcio Gil e,  não possuindo as filigranas greco-romanas, clamo aos céus o raio de sol e o prateado da lua  a intensificarem a luminosidade quanto a este vate, honra e glória da imortalidade acadêmica.

    Devoto de Nossa Senhora recita diariamente o Sagrado Terço e conduz a Imagem a diversos lares onde proclama o Terço da Misericórdia e, na elegante sala da residência possui uma artística escultura de Nossa Senhora dos Navegantes.

    Por não possuir uma mentalidade atávica conheceu outras religiões e filosofias de vida. 

    No momento, trabalha em manuscrito técnico a respeito da meditação dinâmica.

    Mantém viva as palavras de Fernando Pessoa quando proferiu: “tudo vale a pena se a alma não é pequena.

    Honra-me em recebe-lo nesta noite de sagração acadêmica.

    É evidente o meu júbilo e redobra a minha responsabilidade.

    A  Academia Petropolitana de Letras  lavra mais um tento.

    Recebe em seus anais um astro de raro brilho, intelectual de nomeada, pensador e poeta, escritor e artista de alma iluminada.       

    Seja bem-vindo a  este panteão Lúcio Gil, a casa é vossa!

    Fernando Antônio de Souza da Costa

    Titular da Cadeira 22 da Academia Petropolitana de Letras

    Discurso para posse na Academia Petropolitana de Letras

    02 de dezembro de 2023

    Gostaria de cumprimentar a todos e agradecer as palavras do nosso Exmo. Presidente, Dr. Leandro Garcia. Leandro que nos traz o valioso ensinamento de que  podemos ser uma verdadeira sumidade, donos de inigualável competência e, ainda assim, sermos humildes. Meu caro Presidente, saiba que não apenas o  seu notável saber, mas principalmente a sua grandiosa humildade, são de profunda admiração e inspiração para todos nós.

    Agradeço ao Exmo. vice Presidente da APL, Dr. Cleber Francisco Alves, brilhante Defensor Público que, faz um mês, representou nosso país no International Forum on Legal Aid, em Taiwan, evento que contou com a presença da Presidente Tsai Ing-Wen. Dr. Cleber muito bem dissertou, entre outros assuntos, sobre a garantia do direito de registro civil para populações indígenas, em especial, para membros da etnia Waimiri Atroari.

    Agradeço ao querido Acadêmico Dr. Fernando Costa, poeta de indiscutível sensibilidade e brilhante advogado, sobre o qual eu levaria algumas horas falando, não somente da sua comovente generosidade, mas sobre seus talentos e tantas conquistas e realizações que Fernando vem acumulando em sua vida. Para ser breve, irei mencionar apenas o fato de que Fernando é um dos fundadores da Academia Brasileira de Poesia – Casa Raul de Leoni, que há 40 anos reúne maravilhosos poetas em suas 40 cadeiras, mantendo viva a poesia em nosso cidade e em nosso país.

    Quero agradecer, também, à laureada Acadêmica Andrea Lopes Garcia, célebre escritora, psicóloga e jornalista renomada que, por muitos anos, atuou no colunismo social em Petrópolis, coluna esta  que levava seu nome, no Diário de Petrópolis. Andrea apresentou o meu trabalho aos queridos confrades e confreiras desta casa, e indicou-me, inicialmente para Membro Honorário e, posteriormente, para Acadêmico Titular da APL. Andrea, à você, toda a minha admiração e eterna gratidão.

    Agradeço, ainda, aos Acadêmicos Fernando Costa, Cleber Alves, Luciana Cunha, Carolina Freitas e Marcelo Fernandes, por assinarem a minha indicação juntamente com a confreira Andrea e a todos aqueles que votaram em minha candidatura à cadeira de número 16, da qual hoje tomo posse, patronímica de Silvio Romero.

    Meu profundo agradecimento aos Cônsules do Consulado Geral dos Estados Unidos da América Rio de Janeiro. Sinto-me extremamente honrado com sua presença nesta cerimônia. Agradeço ao meu chefe e amigo, James Sparks, aqui presente com sua família, e aos meus queridos amigos do Departamento de Justiça. Agradeço também a presença dos Cônsules do Departamento de Estado norte americano aqui presentes, todos já saudados por nosso presidente.

    Quero agradecer a Deus pela presença da minha mãe, Vera Lucia, nesta noite. Sei o quanto abençoado eu sou por tê-la comigo nesta cerimônia, minha querida mãe.

    Agradeço à minha linda esposa, Clara. Clara que me inspirou a compor a Isadora, do romance “À Sombra das Cerejeiras” e, como seu nome já diz, é essa luz imensa que ilumina o meu caminho.

    Ao meu filho, Caio Loureiro Gil, que apesar da pouca idade, mostrou-se a pessoa mais coerente que conheci até hoje e um verdadeiro exemplo de disciplina, dedicação e foco. Eu deveria tê-lo conhecido em minha juventude, Caio… quem sabe você me teria dado bons conselhos.

    Agradeçco à editora Literar por essa linda parceria baseada em admiração mútua.

    Meu especial agradecimento à Maristela Esch, que veio hoje vestida à carater, acompanhada de sua mãe. A Maristela é a primeira dançarina da Bauernfest, a festa do Colono Alemão, que é anualmente celebrada em Petrópolis. Há 32 anos, Maristela mantém viva a cultura e a memória dos colonos alemães que foram tão importantes no desenvolvimento econômico, social e cultural da nossa querida Petrópolis. Vou pedir a Maristela que se levante. Peço a vocês uma salva de palmas para a primeira dançarina da Bauernfest.

    Agradeço imensamente aos meus confrades e confreiras presentes e a todos vocês, amigos queridos que vieram hoje me prestigiar. Alguns vindos de outras cidades e, também, de outros Estados, como Remi e Adriana, que chegaram agora do Tocantins especialmente para esta cerimônia. Tauan Almeida, que veio de São Paulo. A querida  influenciadora literária e fabulosa poetisa de Belo Horizonte, Eneida Ávila. Existem, ainda, amigos que vieram de Barcelona diretamente para este evento e fui informado que acabaram de chegar, minutos antes do início deste meu discurso. Queridos Oscar e Frasces Pina, agradeço imensamente o carinho de vocês.

    Muito obrigado pela presença de todos. Cada um de vocês faz parte da minha trajetória nessa vida e fico muito feliz que estejam aqui.

    Fico feliz também de trazê-los hoje a esta propriedade, que nos dá o sabor do que era Petrópolis no período do Império. Este imóvel histórico, cuja construção foi inaugurada em 1884, é uma das três propriedades privadas do século XIX no país que ainda mantêm suas características iniciais. Seu proprietário original, José Tavares Guerra, foi afilhado do Barão de Mauá e teve sua formação na Europa. Assim, Tavares Guerra concebeu esta residência unindo a beleza dos estilos europeus com as inovações do final do século XIX. A decoração exibe salas com lustres da Barbedienne, fundição francesa que confeccionou os lustres do Palácio de Versalhes, espelhos de cristal belga, lareiras de mármore de Carrara e cerca de 200 pinturas murais. A sala em que estamos, é totalmente revestida e decorada com Jacarandá, madeira nobre brasileira que foi transportada em estado bruto para a Europa, onde foi trabalhada e então, retornou ao Brasil para a decoração deste ambiente. As salas ao lado, em estado original, têm cortinas confeccionadas com fios de ouro, bem como detalhes em ouro em seu papel de parede.

    Esta casa, hoje de propriedade da família Rocha Miranda, funciona como um centro de cultura, onde são realizados saraus de música, peças de teatro, exposições de arte dentre outros eventos culturais. Após esta cerimônia, faremos um brinde na varanda e vocês poderão ver a exposição de quadros da artista plástica, Ana Durães. O progresso saudável de um povo inclui a preservação da sua história. Como todo imóvel histórico no Brasil, a Casa de Petrópolis Instituto de Cultura busca parceiros para uma importante restauração.

    Bem, precisamos falar sobre a Academia Petropolitana de Letras, uma entidade voltada para a arte e produção literária, que nasceu em uma cidade que respira poesia, como a nossa querida Petrópolis. Por aqui, residiram poetas ilustres, que encontraram nesta cidade o refúgio necessário para sua inspiração. São eles Rui Barbosa, Raul de Leoni, Alceu Amoroso Lima, Vinicius de Moraes, o austríaco Stefan Zweig, o Francês Antoine de Saint-Exupèry e tantos outros.

    E é nesta cidade, que em um dos momentos mais frutíferos e, porque não dizer turbulentos da história da arte no Brasil, a “Semana da Arte Moderna”, em 1922, nasce a nossa centenária Academia Pertropolitana de Letras. Sim, a nossa APL nasce em um momento onde parnasianos e modernistas se degladiavam pelos novos rumos da poesia e também da música, da dança, da pintura e da arte como um todo no Brasil. Os parnasianos lutando para manter o tradicionalismo e o conservadorismo na escrita, enquanto os modernistas buscavam explorar a brasilidade e valorizar o território nacional como berço de inspiração cultural. O evento, turbulento e extremamente rico para a cultura do país, chocou parte da população na época e trouxe à tona uma nova visão sobre os processos artísticos, com a apresentação de uma arte “mais brasileira”.

    Se é verdade que o caos é o berço da criação, é exatamente no meio desse rico caos literário que surge nossa Academia Petropolitana de Letras. Seus idealizadores foram João Roberto d’Escragnole e o fabuloso poeta, escritor, cronista, jornalista e dramaturgo, Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos III, este niteroiense por nascimento e petropolitano por amor, que é também patrono da cadeira de número 24 da Academia Brasileira de Poesia, da qual me orgulho de ser hoje o Acadêmico titular, e nos deixa um legado de suma importância para a literatura do Brasil. Seu filho, o meu querido confrade Joaquim Eloy Duarte dos Santos, muito me honra com sua presença e de sua esposa nesta cerimônia.

    Os dois célebres poetas, d’Escragnole e Joaquim Heleodoro, logo tiveram o apoio de ilustres intelectuais petropolitanos que, ainda jovens, sonharam dotar Petrópolis de um Centro de Cultura Intelectual, não somente das letras, mas também abrangendo a ciência e a arte, em suas múltiplas manifestações. Assim, em 3 de agosto de 1922, na sala do Centro de Imprensa, realizou-se a sessão de fundação da Academia Petropolitana de Letras, inicialmente com o nome de Associação de Ciências e Letras e cujo primeiro presidente foi o Dr. Eugênio Lopes Barcellos, na época, prefeito da cidade. Somente em junho de 1929, sob a presidência de Nair de Teffé, tornou-se a Academia Petropolitana de Letras.

    Sim, esta é uma Instituição que, cumprindo todas as liturgias e declarando seu apreço pelo uso da norma culta, mostrou-se, também, inovadora e vanguardista desde o nascimento. Como prova, podemos citar a eleição de D. Nair de Teffé Hermes da Fonseca para presidir esta Entidade por 4 anos, no período de 1928 a 1932. A Petropolitana Nair de Teffé, filha do célebre herói da Guerra do Paraguai, o Almirante Barão de Teffé, foi também primeira-dama do Brasil, em 1913, ao casar-se com o então presidente da República, Hermes da Fonseca. Nair de Teffé, uma mulher a frente do seu tempo, foi a primeira mulher a presidir uma Academia de Literatura no Brasil, a nossa APL. Ficou ainda conhecida como a primeira mulher caricaturista no país e responsável por trazer  a música popular brasileira para o Palácio do Catete, antiga sede do Governo Federal no Rio de Janeiro, durante seu reinado como primeira dama.

    A Academia Petropolitana de Letras, esta arcádia da cultura e do saber, mantém em suas 40 cadeiras uma valiosa e significativa produção de literatura e arte, entre contos, romances históricos, poesias, estudos epistemológicos, música e outros. Seus Acadêmicos Titulares têm disseminado a beleza da literatura e da arte brasileira no território nacional e no exterior.

    No entanto, é importante lembrar que além do quadro de seus 40 Acadêmicos Titulares, do qual hoje faço parte, a Academia Petropoliatana de Letras possui, ainda, seu quadro de Membros Honorários, composto por ilustres celebridades do cenário político e artístico do território nacional. Dentre eles, destacam-se os Exmos. ex presidentes da República, Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco, o Ilmo. jornalista e fundador da Rede Globo, Roberto Marinho, o célebre professor, cronista, jornalista e ensaísta, que foi também presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, as atrizes brasileiras Fernanda Montenegro, Glória Pires, Cristiane Torloni, Bruna Lombardi, o ator Sergio Britto, o poeta Ferreira Gullar e outros nomes ilustres da política e da cultura do nosso país.

    Hoje, como todos sabem, torno-me Acadêmico Titular da cadeira de número 16, patronímica de Silvio Romero, esse político e crítico literário sergipano que não media palavras em suas críticas polêmicas aos escritores e políticos que, em suas expressões escritas, furtavam-se de mostrar a realidade do nosso país. Realidade essa que, segundo Romero, deveria ser representada pela diversidade de raça, cultura, natureza, ciência, ou seja, pela formação histórico social do país. Silvio Romero veio ainda romper com regras conservadoras como a metrificação, muito utilizada por escritores parnasianos da época. Para ele, o bom escritor era aquele que exaltasse a realidade de seu país, esquecendo das métricas exigidas e de temas surreais e idealizados.

    Silvio Romero foi parte de uma nova corrente filosófica denominada “Escola do Recife” a qual rompia com o  tradicionalismo e divulgava novas teorias cientificas e sistemas filosóficos combatendo as teorias do clero.

    No Rio de Janeiro, lecionou filosofia no Colégio Pedro II e, no início do sec. XX, foi deputado federal pelo Partido Republicano, trabalhando na comissão encarregada de rever o Código Civil na função de relator-geral.

    Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero foi um polímata e sua obra, situada sob o signo do embate e da polêmica, estende-se desde a poesia, crítica, teoria e história literária, folclore, etnografia, até estudos políticos e sociológicos. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e autor da obra “Introdução à História da Literatura Brasileira”. Na poesia, teve breve carreira, e vincula-se à terceira geração do Romantismo. Terminou sua carreira poética com a obra “Últimos harpejos: poesia”, em 1883. 

    A cadeira 16, além da alma inquieta de Silvio Romero, traz também o brilhantismo de cinco ilustres escritores como titulares desde sua fundação. O primeiro titular foi o jurista Mario de Paula Fonseca, que teria se afastado por um certo tempo, assumindo então como titular o professor Plínio Leite. Alguns anos depois o dr. Mário de Paula Fonseca reassumiu a titularidade da cadeira 16, permanecendo até seu falecimento, em 1959. Sucederam-no as escritoras Mariná de Moraes Sarmento (1959-2003), Aládia Pereira Almeida Anacleto (2003) e o escritor Humberto Batista Leal, de 2004 a 2017.

    O último a ocupá-la e meu antecessor, João Roberto Gullino, nasceu em 30 de maio de 1933, no Rio de Janeiro. Gullino direcionou seus interesses para estudos mais aprofundados da poesia, tornando-se um memorável sonetista. Em 1997 foi convidado a integrar o quadro de Acadêmicos Titulares da Academia Brasileira de Poesia, a qual chegou a presidir. Em 2017, tomou posse como Acadêmico Titular da cadeira 16 na Academia Petropolitana de Letras e, no ano de 2021, lançou seu livro: “A Respeito do Soneto e de outras formas poéticas”. Neste ano de 2023, João Roberto Gullino passa, com destacado louvor, ao quadro de membros eméritos da APL. Sobre sua obra, gostaria de destacar este soneto que gosto muito, entitulado “Árvore Desfolhada”, o qual nos fala, com muita poesia, sobre o incontestável ciclo da vida. Gullino assim nos diz:

    ÁRVORE DESFOLHADA

    João Roberto Gullino

    Gerada de forte semente, cresceu,

    Formando folhagens em galhos frondosos,

    Raízes em sólidos troncos, formosos

    Os frutos perfeitos, gerou. Floresceu…

    Nostálgica brisa surgiu e acendeu

    Remotas passagens de tempos saudosos,

    Mantidas no tronco em veios teimosos

    Que a simples aragem, tão pura, colheu.

    Porém, vendaval transmutou tal aragem:

    As folhas caindo de forma truncada,

    Desnuda ficando, perdeu sua imagem.

    Mas a árvore tão orgulhosa, vaidosa

    De suas ramagens, ficou desfalcada

    Da forma mais triste, tenaz, dolorosa…

    Meu confrade Fernando Costa fez alusão a um outro poeta, dos mais brilhantes, mas que até aqui, estava anônimo. Preciso falar sobre um jovem imigrante português que, nos idos de 1920, saiu de sua cidade Natal, a charmosa Póvoa de Varzim com seus barquinhos à beira mar, rumo ao desconhecido “Brasil de meu Deus”. José Albino Dias dos Santos deixou para traz sua terra, seus irmãos e sua família. Aqui chegando, Albino, como era chamado, foi trabalhar como marceneiro em uma fazenda de café de propriedade da família de José Maria da Silva Paranhos, o conhecido Barão do Rio Branco. A fazenda, administrada à época pelo então neto do Barão, era produtora de um dos mais conceituados cafés de São Paulo.

    O período vivido na fazenda trouxera a José Albino um novo olhar para a vida. Foi lá que conheceu sua esposa, Irene, teve suas duas filhas, Maria Lina e Vera Lucia, e mais do que isso, Albino conheceu a riqueza da cultura caipira e apaixonou-se pelo cultivo do café. Já não mais lhe importava os barquinhos à beira da praia, mas sim a névoa matutina no cafezal. Já não mais ouvia o lamento do fado, mas sim as modinhas alegres de Tonico e Tinoco. Apreciava a viola tocada ao luar, a lenda da mula sem cabeça e o bolo de fubá com café.

    E foi nesse cenário, rico em folclore e costumes brasileiros, que José Albino se descobriu poeta. Não tinha muito estudo, apenas a quarta série primária, mas o suficiente para ler e escrever corretamente. Albino leu muitos livros: romances, contos, lendas e fábulas. Devorou a obra de monstros da literatura, como Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Bandeira e tantos outros. Passou a escrever versos e trovas em pequenos pedaços de papel, com um surpreendente e ritimado talento para a rima. Albino tornou-se um exímio colecionador de versos. Jamais os publicou, no entanto. Apenas guardou-os em um bolso aqui ou em uma gaveta acolá.

    O ventre de sua filha mais nova, Vera Lúcia, deu à luz a mim, na noite de uma segunda-feira de junho e o ano era o de 1967. Assim que me dei por gente, descobri em meu avô José Albino um fabuloso mundo, tão diferente do qual vivia na cidade. Suas histórias da fazenda, contadas de uma maneira que somente ele sabia contar, me deixavam extasiado e a cadência e rima dos seus versos, me encantavam. Meu avô Albino foi o grande responsável por eliminar todos os meus vícios de linguagem. “Mim não come”, “mim não fala”, “ninguém senta na mesa”, repetia ele de sua cadeira de balanço, na varanda de nossa casa.

    Certa vez, por volta dos meus dezesseis anos de idade, ha exatos 40 anos, pedi a ele que me entregasse todos os papéis que havia guardado, com os versos de sua autoria e então, produzi esse pequeno livreto, cujas páginas foram por mim datilografadas e a capa, elaborada com papel veludo e letras recortadas em papel laminado de cozinha. Um tanto rústico, eu diria, mas foi o suficiente para compilar os poemas do meu avô e não deixar que os mesmos se perdessem ao vento. Pude entregar este livreto em suas mãos dois anos antes de sua partida para outro plano, mostrando-lhe meu apreço por sua obra.

    Hoje, em homenagem a este poeta e grande influenciador, que tanto enriqueceu a minha vida com seus versos ritimados, seus contos, suas lendas caipiras e seu estilo de viver, gostaria de ler a vocês este pequeno poema de sua autoria que foi a mim dedicado, quando de meu aniversário de 16 anos de idade:

    AO MEU QUERIDO NETO – 26 de junho de 1983

    José Albino Dias dos Santos

    Dia 26 de junho,

    Escrevo pelo meu punho,

    Esta singela saudação.

    Que Deus te dê boa sorte,

    E mantenha-te assim, sempre forte,

    Em tua resignação.

    Entre os amigos que tens,

    Vais cantar os parabéns,

    Porque és um bom menino.

    Ao ouvi-los a cantar,

    Nunca deixes de lembrar

    Do vovô José Albino.

    Meu avô contava-me sua vida em tercetos e quartetos, como se tentasse desafiar a minha capacidade de rimar. Certa vez, perguntei-lhe quem eram seus irmãos, deixados para trás em Póvoa do Varzim. Eram muitos, eu sabia, e ele me respondeu assim:

    IRMANDADE

    José Albino Dias dos Santos

    Tive uma irmã Maria

    E Manuel a seguira,

    Depois nasceu a Arminda

    E logo veio a Alzira.

    Então surgiu-nos a Ana.

    A seguir, veio a Leonor.

    Mais tarde, o José Albino,

    Depois Antonio, o Reitor.

    Albina, em seguida, nascendo

    E Carolina vindo também.

    Por fim, nasceu Beatriz

    E foi essa que disse o Amém!

    Hoje, divido com o poeta José Albino Dias dos Santos, meu querido avô, a cadeira 16 da Academia Petropolitana de Letras. Esse homem de imensurável cultura, que tinha a quarta série primária e que me apresentou ao mundo da poesia. A ele que tanto me influenciou com seu estilo brejeiro, rimado, cadenciado e cheio de humor, fica aqui a minha homenagem.

    Antes de finalizar, gostaria falar, também, sobre mim. Em especial, sobre meu encontro decisivo com as letras.

    Estar aqui hoje me deixa muito feliz, pois esse é o reconhecimento de toda a dedicação a um longo trabalho, cujo início não foi fácil. Assim como ocorre com a maioria dos escritores, o início da minha carreira também foi repleta de desafios. Foram meses a fio escrevendo o meu primeiro romance, “À Sombra das Cerejeiras”, neste caso, um romance histórico, o que requer, além da criatividade, muita pesquisa. No entanto, ao conluir a obra, descobri que escrever é apenas o começo  na vida de um escritor. Existem várias outras fases, como editar, diagramar, elaborar a capa, publicar e ser ainda um exímio profissional de vendas e marketing para promover e, enfim, vender o livro. Todos esses serviços são demasiadamente caros e conquistar a atenção das editoras, também não é tarefa simples. Acredito que haja muitas obras de extrema qualidade engavetadas porque seus autores, simplesmente, desistiram.

    Mas, como bem disse o cantor Bruce Springsteen nos anos 90, “you can’t start a fire without a spark”, que traduzindo para o português, seria “você não pode iniciar um incêndio sem uma faísca”.

    Sendo assim, parti para a luta, batendo na porta de todas as editoras, enviando e-mails, telefonando, mas as raras respostas que recebi, foram negativas. O desânimo ja se aproximava quando lembrei-me de uma fábula, que meu avô repetia em minha infância, que dizia assim “Certa vez, a lagarta, pendurada na ponta de um galho, anunciou que iria voar e todos, na floresta, riram dela. Exceto… a borboleta”.

    Nesta época, eu trabalhava em uma multinacional norte americana, líder em seu segmento não apenas no Brasil, mas no mercado internacional. O diretor desta empresa, um executivo visionário e celebrado no mercado por sua incomparável liderança e talento para os negócios, soube que havia, em sua equipe, um funcionário aspirante de escritor que tentava publicar o seu primeiro livro. Ele, então, pediu que eu fosse à sua sala. E lá fui eu, com aquela expressão no rosto de quem é chamado na sala do diretor geral, ou seja, quase levando no bolso a minha carteria de trabalho.

    Sentado à sua frente, ele me perguntou: “Soube que você escreveu um livro… do que se trata?”. Ao que respondi tratar-se de um romance histórico, ambientado na Europa dos anos 40 e que abordava o holocausto. Ele então me disse: “O projeto é nosso. Apresente-me os custos da edição e publicação e a empresa irá lançar o seu livro”. Logicamente, perguntei-lhe em que lugar na capa eu deveria colocar a logo da empresa e ele, muito tranquilo, respondeu: “Em lugar algum. O projeto é nosso, mas o livro é seu”.

    “À Sombra das Cerejeiras” foi então editado, teve um artigo publicado no caderno “Prosa e Verso” do Jornal O Globo e uma nota na coluna do Ancelmo Góis anunciando seu lançamento, em dezembro de 2006, na casa de Jazz Mistura Fina, então localizada na Lagoa Rodrigo de Freitas. Na noite do lançamento, com um belo coquetel oferecido aos 350 convidados, estavam presentes artistas, músicos e a nata do mundo corporativo do Rio de Janeiro. Somente após o lançamento, este homem leu o meu livro e fez questão de vir á minha sala e dizer: “Excelente livro”. Foi quando percebi que ele havia apostado suas fichas no escritor, antes mesmo de conhecer a obra.

    Poucos meses depois, meus rumos profissionais mudaram e me desliguei dessa empresa. Dezessete anos se passaram e eu nunca imaginei que a vida me daria a oportunidade de agradecer a este homem com a mesma grandeza da atitude que ele, um dia, teve perante a mim. Hoje, ele me deu a honra de sua presença a esta cerimônia. Certamente, veio testemunhar o que vislumbrou nos idos de 2006, pois eu não imaginava, mas ele sempre soube que hoje eu estaria aqui.

    Peço a vocês que me ajudem a dizer muito obrigado a este grande homem, o meu amigo Dilson Lyra Castello Branco Verçosa Junior. (Aplausos)

    O meu encontro com a poesia, iniciado na infância por meu avô, teve um impulso definitivo na cidade de Petrópolis. Era o ano de 2017, não faz muito tempo, mudei-me do Rio de Janeiro com minha família para esta cidade. Considero-me Petropolitano não pelo “ius solis”, mas pelo “ius amoris”, assim como ocorreu com o admirável “poeta das gaivotas”, Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos III. E aqui me estabeleci, bem ao lado da casa de Pedro, um predio localizado ao lado do Museu Imperial. De minhas janelas, ouvia o canto do sabiá ao raiar do dia, nos jardins do museu. O mesmo canto que ouviu Pêro Vaz de Caminha, nos idos de 1500, e o encanto foi o mesmo. Afinal, “as aves que aqui gorjeiam”, não o fazem de forma tão melodiosa em outro lugar.

    Na tentativa de me socializar com os moradores da cidade, optei por fazer um curso de teatro, a convite de minha madrinha e confreira, Andrea Lopes Garcia. O curso era conduzido pela diva do teatro brasileiro, Monah Delacy, com o apoio de seu marido, Geraldo Torloni, e do ator Claudio Gomide. Monah nos trouxe o universo da poesia de Castro Alves, nos fez embarcar no Navio Negreiro, nos trouxe o sentimento contido em cada verso e a importância da correta expressão de cada sílaba de um poema. Em suas aulas, mergulhávamos oceano a dentro, vivendo cada momento daquela angustiante viagem que Castro Alves, poeticamente, nos descreve com riqueza de detalhes.

    Um belo dia, Monah desafiou-nos a apresentar, no palco, um poeta de nossa escolha com um respectivo poema de sua autoria. Ela nos deu uma semana para essa missão e o que vivemos, a partir desse momento, foi algo que posso definir como “desespero poético”. Para dizer a verdade, nenhum de nós estava seguro em escolher um poeta para apresentá-la e havia ainda a dúvida de qual poema melhor representaria essa escolha. No entanto, acredito ter sido esse o intuito de nossa querida professora: estabelecer, em nossas mentes, o caos como processo criativo. O caos como fonte de poesia.

    Com a ajuda da tecnologia (nossa turma estava inserida em um grupo de WhatsApp) nossos dias tornaram-se tão turbulentos como o mar que navegávamos com Castro Alves. Monah havia, enfim, estabelecido entre nós uma “Sociedade dos Poetas Vivos”, não mortos, parafraseando o filme do ator Robbin Williams. Meu celular apitava a cada dez minutos, revelando uma nova mensagem de algum colega, que não se decidira ainda entre Vinícius ou Drummond, Quintana ou Fernando Pessoa.

    Diante de toda aquela balburdia e vivendo intensamente aquele cenário, onde prevalecia a brisa do oceano e o grasnar das gaivotas que riscavam o azul do céu, quiçá as mesmas que inspiraram o poeta Joaquim Heleodoro, decidi que não iria apresentar a Monah nenhum poeta conhecido, mas sim contar em versos tudo aquilo que estávamos vivendo. Assim, descobri, em mim, a poesia e, em outubro de 2017, escrevi Barco Romeiro, primeiro poema de minha autoria (eu, o neto do José Albino) e que diz assim:

    Barco Romeiro

    Lucio Carlos Gil – 2017

    Singrar o mar da poesia,

    Vencer a cultural afasia,

    Digo-vos com maestria

    Ser algo danoso e ardil.

    Lavrar, no poeta, a mente,

    A lógica incoerente,

    A forma de escrita luzente,

    É ato heroico e viril.

    Pra já, escolher um poeta,

    Tormento que a mim afeta,

    Resulta em tragédia concreta

    Em terras como o Brasil.

    A dúvida escorre fluente,

    Qual folha em água corrente.

    É dor visceral, contundente.

    É ânsia inocente e sutil.

    Se uso como artifício,

    A busca pela paridade,

    Quiçá uma alma afim,

    Meu pensamento é Vinicius,

    Meu peito, Drummond de Andrade.

    Quintana, tu sabes de mim.

    Resilo à contrariedade!

    Recorro então às mulheres.

    A dúvida? Mantém-se atroz.

    E beiro a insanidade:

    Ficar com Cecília Meirelles,

    Com Cora ou Rachel, a Queiroz?

    Na fuga de minha sandice,

    Um Chivas com gelo na mão,

    Sentindo que o mundo se esvai,

    Tropeço, cambaio, em Clarice;

    Meu corpo se larga, pagão,

    Nos braços de Zélia Gattai.

    E o mar, doce traiçoeiro,

    Cantado em prosa e louvores,

    Que faz de mim marinheiro,

    Divide, também, meus amores:

    Um vento de mim, brasileiro.

    O outro vem lá dos Açores.

    Aquieta minh’alma ou nem tanto.

    Porquanto navegar em vão

    É nutrir uma dor que irradia.

    Mas ventos do mar, no entanto,

    Decerto me ajudarão

    Na escolha que me agonia.

    Inda que pra meu espanto

    Eu venha a invocar Salomão

    Ou a me aconselhar com Sofia.

    Assim, sou eu um veleiro,

    Lançando-me ao mar, vento em proa.

    E à busca, em solo estrangeiro,

    De versos que cheirem a Lisboa,

    Aporto meu barco romeiro

    No “olhar” de Fernando Pessoa. 

    Assim foi a minha estréia no mundo da poesia. Como bem me ensinou meu avô, aprendi a expressar aquilo que sinto em verso e prosa. E gostaria de finalizar este meu discurso com outro poema, de minha autoria, chamado Elementos, onde externo minha forma de ver a vida. O poema diz assim:

    Elementos

    Lucio Carlos Gil – 2022

    Quem sabe, um dia, serei como o vento,

    Que beija as lavandas, que corre o mundo,

    Que muda o cenário em um só segundo,

    Que traz alegria a um catavento.

    Quem sabe, um dia, serei como o mar,

    Que leva o barquinho à beira da praia,

    Que sob vigília insone do atalaia,

    Espelha a beleza do céu ao raiar.

    Serei girassol, revelando à abelha

    Que o grande segredo da minha centelha

    É a luz do sol que faz-me mover.

    Serei fortaleza, que à terra enraíza,

    Provendo a sombra para quem precisa,

    Trazendo sementes e frutos a colher.

    OBRIGADO

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