• Dom Gregório: O pastor, sua história e as historinhas

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  • 09/12/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Estive na missa de despedida de Dom Gregório Paixão, na catedral de Petrópolis, em 2 de dezembro deste ano. Após cinco anos de lutas e desafios, ele conseguiu uma verba do BNDES, que permitiu uma reforma, interna e externa, do tempo religioso mais importante de nossa cidade. Inclusive da parte estrutural da edificação onde fica a torre, que estava afundando. E ainda nos premiou com um livro sobre esse monumento à fé, ilustrado com muitas fotos e um texto primoroso, de leitura fascinante e muita substância.     

    Mais importante ainda foi a presença maciça dos fiéis, membros da Família Imperial e autoridades, governador, prefeito e presidente da Câmara Municipal, nessa despedida de quem se fez querido e respeitado por todos. Essa poderosa sinergia existente entre Dom Gregório e a comunidade petropolitana criou raízes profundas num período relativamente curto dos onze anos em que esteve entre nós. Seu   exemplo de vida se manifestava numa combinação, em doses certas, de simplicidade e humildade, que nos remete a Cristo revelado pelos evangelhos. 

    Ainda me recordo de uma cerimônia religiosa realizada na igreja do Rosário após a qual foi servido um bolo na parte de baixo do templo. Era evidente a alegria com que Dom Gregório, de faca na mão, cortava o bolo e distribuía fatias aos fiéis encantados por aquele gesto do bispo diocesano. Mas não foi só ali. Dirigindo seu próprio carro, rezava missas e interagia com os fiéis nas igrejas da diocese num movimento febril de estar sempre presente como bom Pastor entre as ovelhas que lhe foram confiadas para cuidar e orientar.

    Mas também era capaz de ser incisivo quando necessário. Foi o que ocorreu numa missa celebrada na catedral em que a ex-presidente Dilma Rousseff estava presente. O serviço religioso reverenciava a memória das vidas perdidas na tragédia do Cuibá, ocorrida em 2011. Dom Gregório aproveitou a oportunidade para relembrar as responsabilidades dos poderosos diante da população. Com classe inigualável, deu um puxão de orelha nessa senhora de triste figura. Ela, pelo jeito, não gostou e acabou se retirando da missa pouco antes do término ao invés de refletir sobre o que acabara de ouvir.   

    A vida de Dom Gregório é também uma história de superação. Em sua posse como membro da Academia Petropolitana de Letras – APL, ele abriu o coração sobre os tempos difíceis e carentes de sua família. Ele nos falou dos três sólidos pilares em que se apoiavam para enfrentar qualquer desafio: fé, família e educação. Se a comida escasseava, livro não faltava. Corajoso, confessou seus problemas de aprendizado e dificuldade de ler, escrever e memorizar as palavras – dislexia. Certo médico disse mesmo à sua família que ele não teria como fazer um curso superior. Na verdade, ele passou em dois vestibulares de Direito, cursou Administração e escreveu quase duas dúzias de livros excelentes. Um exemplo de superação para a juventude.

    Na homilia de despedida, como sempre, nos brindou com sua inteligência e mais uma historinha de que todos gostamos. Citou a frase famosa de Júlio César em seu livro “De Bello Gallico”, em que nos conta a conquista da Gália, região que hoje é a França: “Vim, vi e venci”. Obviamente, com as mãos cheias de sangue, nos relembrou Dom Gregório. Fez então uma contraposição com o caso de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e São José do Rio Preto em que a colonização se deu de modo diferente. E sem derramamento de sangue.

    Ao subir a serra em 2012, confessou que vinha com certo tremor e temor para sua nova missão pastoral como bispo diocesano da Imperial Petrópolis. Um ponto alto da pregação foi quando disse que louvava e agradecia a Deus pelo que deu errado. O que deu errado é, sobretudo, aprendizado. Para ele, é a presença de Deus a nos dizer para aguardarmos, para nos burilarmos mais, antes de receber a graça divina, que também, por vezes, nos chega de surpresa.

    Como não podia deixar de ser, nos contou mais uma historinha. Um forasteiro chegou em certa cidade e perguntou a dois amigos que conversavam como era aquela cidade. Um deles respondeu com outra pergunta, querendo saber como era a cidade de onde vinha. O forasterio lhe disse que era horrível, com total desconfiança entre as pessoas, razão pela qual migrou. E ouviu como resposta que ali não era o seu lugar. Homens violentos e mulheres más. 

    Pouco depois, passa outro forasteiro e pergunta como eram as pessoas naquela cidade. Ao ser interrogado como eram as pessoas de sua cidade natal, ele respondeu que eram cordatas e colaborativas. O citadino que fez a pergunta respondeu que ali ele encontraria pessoas felizes, cordatas e confiantes entre si. Após a despedida do novo forasteiro, o outro citadino disse que não entendeu a resposta de seu amigo tão diferente sobre as mesmas pessoas de sua cidade.

    E o amigo esclareceu. Quem tem olhos de abutre, só se interessa por carniças, onde reside a morte. Quem tem olhos de abelhas quer beijar as flores, polinizá-las e fazer mel para que a vida se sustente e permaneça. Foi, neste momento, que fez um contraponto sobre Petrópolis, afirmando que quando lhe perguntarem em Fortaleza como são as pessoas aqui em Petrópolis, ele vai dar a resposta de quem tem olhos de abelhas.

    Parodiando a frase famosa de César, Dom Gregório afirmou que poderia dizer sobre os anos passados em Petrópolis o seguinte: “Vim, vi e vivi”. Ou seja, diferente de César, leva nas mãos a gratidão e o respeito dos petropolitanos. As tragédias do Cuibá e das duas últimas enxurradas e sua ativa participação no acolhimento dos flagelados o autorizam a dizer também: “Vim, vi e convivi”. Claro, na alegria e na dor. A dor da separação será compensada pela promessa de Dom Gregório de voltar sempre. E vamos recebê-lo com o coração em festa.   

    “Dois Minutos com Gastão Reis: Humildade para aprender ”.

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