• Dino defendeu controle do Judiciário e criticou indicação política em tribunais em mestrado

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  • 29/11/2023 13:10
    Por Gabriel de Sousa / Estadão

    Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, já criticou o modelo de nomeações de magistrados para as cortes superiores e apontou a necessidade de imposição de um controle externo para o Judiciário. Em dissertação para obter o título de mestre defendida em 2001, quando era juiz federal, Dino viu problemas nas regras de indicações paras os tribunais.

    A crítica, ainda que discreta, consta do texto “Autogoverno e controle do Judiciário no Brasil”, apresentado pelo então juiz para obtenção de título de mestre no programa de pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na época em que Dino escreveu sobre o tema ainda estava em debate a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Estadão procurou o ministro da Justiça, mas não obteve retorno.

    Sobre a forma de indicação e nomeação de ministros das Cortes superiores, Dino defendeu que deveria ser adotado um critério mais democrático. Segundo o ministro da Justiça, deveriam ser ampliadas as possibilidades de participação no preenchimento das vagas que até hoje passam por decisão do presidente da República. Dino deixou os comentários sobre esse processo de escolha de magistrados para um nota de rodapé ao texto.

    “Há quem veja maior compatibilidade com o regime democrático no sistema de livre nomeação dos juízes dos Tribunais pelos Chefes do Poder Executivo, em virtude de estes serem eleitos diretamente, de modo que as escolhas feitas refletiriam, em última análise, a vontade popular. Esta é, contudo, uma visão puramente formal, pois despreza as inúmeras distorções que o nosso sistema político-eleitoral possui, mormente a dissociação entre o programa político-ideológico apresentado aos eleitores e o que é efetivamente implementado”, escreveu Dino.

    Segundo ele, a indicação feita por político para cargo no Judiciário envolve “muitas mediações” que não podem ser esquecidas. Entre elas ele cita: “compensação a parlamentares não reeleitos, necessidade de selar alianças partidárias, simpatias pessoais”.

    Para Dino, esse modelo de indicação “coloca em segundo plano o valor da independência judicial, confundindo-a em termos absolutos com corporativismo e não enxergando a sua importância no Estado Democrático de Direito”. “Entre um extremo e outro, cremos que o melhor sistema de recrutamento prevê, no caso dos Tribunais Superiores, algum grau de participação dos outros Poderes do Estado, contudo com regras objetivas que limitem a sua discricionariedade, por exemplo o estabelecimento de percentuais de vagas destinadas a integrantes da Magistratura, do Ministério Público, do corpo docente dos cursos jurídicos das Universidades públicas etc”, sugeriu Dino em sua dissertação de mestrado.

    O modelo criticado por Dino em 2001 é o mesmo em que ele foi beneficiado na segunda-feira, 28, ao ser indicado para o STF por Lula. Para se tornar ministro da Corte, ele precisará passar por uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e ser aprovado por mais da metade do plenário da Casa.

    Dino defendeu autonomia de magistrados e pediu transparência

    Na dissertação, o hoje ministro da Justiça relata que, na época, o Judiciário passava por uma tripla crise. A criação do CNJ vinha como possibilidade de tentar resolver parte dos problemas. Na ocasião, o Congresso Nacional tinha feito uma CPI capitaneada pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) que expôs problemas dos tribunais e denunciou casos de corrupção, como os desvios no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

    A comissão acabou fortalecendo o movimento de ampliação do controle externo do Judiciário que resultaria na criação do CNJ. Quando o texto de Dino foi apresentado à bancada na UFPE, o projeto que criava o Conselho já tinha passado pela Câmara, mas ainda seria analisado pelo Senado.

    Na sua dissertação de mestrado, Dino descreve que o Poder Judiciário enfrentava uma crise de identidade, de imagem e de desempenho. Ele destacou que a autonomia dos magistrados não era total.

    “A independência judicial não é um valor absoluto e a-histórico, portanto ela tem seus contornos concretamente delineados a partir do confronto com outros valores de idêntica estatura. Neste plano indubitavelmente situa-se o dever democrático de prestar contas (“accountability”) – inerente ao exercício de uma função pública. Logo, a independência judicial é temperada pela possibilidade de o Juiz ser responsabilizado caso se afaste da finalidade em razão da qual aquela é estatuída”, escreveu.

    Dino também considerou que as decisões dos juízes devem ser transparentes e podem ser objeto de crítica, como já podia ser constatado na época em que apresentou sua dissertação. “Progressivamente vem sendo abandonado o equivocado ditado popular segundo o qual ‘decisão judicial não se discute, se cumpre’, expressão de uma visão sacralizada da função judicial. Ao invés disso, as decisões emanadas do Judiciário brasileiro são discutidas intensamente nos meios de comunicação, o que evidentemente não significa que não devam ser cumpridas – confusão que infelizmente por vezes ocorre, sobretudo entre agentes administrativos”.

    Na parte final da dissertação, Dino defendeu que o projeto de criação do CNJ fosse ajustado no Senado para não permitir que o conselho demitisse juízes investigados. A versão final em vigor até hoje estabelece que a punição máxima imposta a um magistrado pelo Conselho é a aposentadoria compulsória.

    Dino defendeu mudanças que não são apoiadas pelos ministros do Supremo

    Enquanto ministro da Justiça, Dino também defendeu mudanças na Corte. Em setembro, ele afirmou que pôr sob sigilo votos de ministros da Corte é um “debate válido” e que “em algum momento esse debate vai se colocar”. A declaração ocorreu após Lula defender que “ninguém precisa saber” como vota um magistrado do Tribunal, em defesa do ministro Cristiano Zanin que, na época, estava sofrendo críticas da esquerda por posicionamentos contrários a temas considerados progressistas e sociais.

    Em outro momento, o ministro afirmou ser favorável a outra proposta que desagrada aos ministros do Supremo. Relembrando um projeto de lei que apresentou em 2009, quando era deputado federal, o ministro da Justiça defendeu um mandato de onze anos para os novos ministros da Corte. A declaração foi feita durante uma entrevista ao programa Reconversa, apresentado pelo jornalista Reinaldo Azevedo e pelo advogado Walfrido Warde, em setembro.

    No fim de setembro, quando ainda era cotado para a vaga de Rosa Weber no STF, Dino defendeu Lula enquanto o presidente estava sendo pressionado para escolher uma mulher negra para a Corte. O presidente havia afirmado que não seguiria esses parâmetros, e o ministro da Justiça afirmou que existem “vários critérios” para a indicação.

    “Toda reivindicação dos movimentos sociais é legítima, sempre. Agora, lembremos que é um sistema. Nós temos instituições de Justiça com várias instâncias, com vários tribunais, e o presidente tem observado isso, eu sou testemunha. Ele tem nomeado muitas mulheres negras. (…) Então, ele (presidente Lula) leva em conta isso como critério, e de fato é algo que nosso governo preza muito. Em relação ao Supremo, é claro, existem vários critérios. É um arbitramento que cabe a ele”, disse Dino.

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