• Fundamentalismo, terrorismo, genocídio

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  • 26/11/2023 08:00
    Por Leonardo Boff

    Temos assistido no dia 7 de outubro um ato terrorista contra Israel, perpetrado pelo grupo armado Hamas, da Faixa de Gaza, que é também uma forma convencional de organização civil da sociedade que a administram. A retaliação pelo Estado sionista de Israel, sob B. Netanyahu, foi tão assimétrica e desproporcional que, segundo a própria ONU, representa um verdadeiro genocídio do povo palestino da Faixa de Gaza com a morte de milhares de criancinhas inocentes, de civis e da destruição de grande parte das casas. Criou-se um Estado terrorista. Grassa pelo mundo afora uma onda de fundamentalismo, associado ao terrorismo e, em sua forma extrema, ao genocídio. Comecemos com o fundamentalismo.

    O fundamentalismo não é uma doutrina mas uma maneira excludente de ver a doutrina. O fundamentalista está absolutamente convencido de que sua doutrina é a única verdadeira e todas as demais, falsas. Não tendo direito, podem e devem ser combatidas. Quando alguém se considera portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade e seu destino é a intolerância que degenera em desprezo do outro, agressividade e eventualmente guerra.

    Ocorre com parte do judaísmo que se chama sionismo que pretende um Estado só de judeus. Este diz que a terra da Palestina foi por Deus entregue aos judeus e este teriam o direito de um estado exclusivamente deles. Em função disso, ocupam terras da Cisjordânia, expulsam seus habitantes árabes, tomando-lhes as casas e tudo que está dentro. O sonho do sionismo-raiz se propõe criar um estado judaico do tamanho do tempo do rei Davi. Uma parte dos palestinos e dos árabes da região acham ter o seu direito secular e recusam reconhecer Israel como Estado por ser usurpador. Declaram o propósito de defender e recuperar suas terras expropriadas e para isso se armam e praticam atos de violência, chegando ao terror como resposta ao terror dos radicais judeus que sofrem já há 75 anos.

    Quais as características do terrorismo? A singularidade do terrorismo consiste na ocupação das mentes. Nas guerras não bastam os bombardeios aéreos, como se vê nos centenas de raids aéreos israelenses. Precisa-se ocupar o espaço físico para efetivamente se impor. Assim foi no Afeganistão e no Iraque e agora na Faixa de Gaza por parte do exército israelense. No terror não. Basta ocupar as mentes com ameaças que produzem medo, internalizado na população e no governo. Os norte-americanos ocuparam fisicamente o Afeganistão dos talibãs e o Iraque de Saddam Hussein. Mas a Al-Qaeda ocupou psicologicamente as mentes dos norte-americanos. O então ainda vivo Osama Bin Laden, no dia  8 de outubro de 2001 proclamou: “A partir de agora, os EUA nunca mais terão segurança, nunca mais terão paz”.

    Para dominar as mentes pelo medo do terrorismo segue-se a seguinte estratégia:     

    (1) os atos têm de ser espetaculares, caso contrário, não causam comoção generalizada;

    (2) apesar de odiados, devem provocar estupefação pela sagacidade empregada;

    (3) devem sugerir que foram minuciosamente preparados;

    (4) devem ser imprevistos para darem a impressão de serem incontroláveis;

    (5) devem ficar no anonimato dos autores (usar máscaras) porque quanto mais suspeitos, maior o medo;

    (6) devem provocar permanente medo;

    (7) devem distorcer a percepção da realidade: qualquer coisa diferente pode configurar o terror. Um árabe num avião, facilmente, é visto como terrorista e são acionadas as autoridades. Depois, vê-se que era um simples cidadão.

    Formalizando: o terrorismo é toda violência espetacular, praticada com o propósito de ocupar as mentes com medo e pavor. Além da violência, o que se busca é seu caráter espetacular, capaz de dominar as mentes de todos. De modo geral, o terrorismo é a guerra dos fracos, dos sempre dominados e humilhados. No limite, como atualmente na Faixa de Gaza, não lhes resta outra alternativa senão resistir e cometer atos de violência. A resiliência possui seus limites.

    Tememos que, após a violência genocida de Israel na Faixa de Gaza ceifando tantas vítimas inocentes, especialmente de milhares de crianças, de mulheres e também de civis, ocorram pelo mundo afora atos de terror contra os judeus ou mesmo irrompa um anti-semitismo, semitismo que não deve ser identificado com o sionismo-raiz.

    Deus nos livre deste horror que suscita o espírito de vingança e a espiral da violência assassina.

    Dada a virulência que os países militaristas aplicam àqueles que se opõem a eles, bem representados pelos estadounidenses, teme-se que o terrorismo se transforme numa manifestação em muitos países dominados. Ele não nasce em si. É explosão de uma dominação e humilhação tão desvairada (violência primeira) que não veem outra alternativa senão se rebelar, alguns se fazerem homens-bombas e praticarem atos de terror (violência segunda).

    A resposta dos países dominadores é revidar de forma mais violenta ainda, fazendo guerras híbridas e absolutamente assiméticas com as armas mais modernas, matando indiscriminadamente pessoas, arrasando-lhes as casas e cometendo verdadeiros genocídios, no sentido de assassinarem crianças e idosos que nada tem a ver com a guerra, destruirem templos, hospitais, escolas e centros de cultura. Não é mais uma guerra do forte contra o fraco, mas crimes de guerra e de real genocídio por parte do forte.

    Leonardo Boff escreveu O doloroso parto da Mãe Terra: uma sociedade de fraternidade sem fronteiras e de amizade social, Vozes 2021; Comensalidade e a cultura da paz, Vozes 2015.

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