• Tolerância não é burrice

  • 22/01/2019 10:00

    As leis orçamentárias anuais representam a transição Dos sonhos, projetos e planos para as ações programadas e dimensionadas em seus valores. O planejamento é substituído pelo detalhamento das despesas possíveis, face às receitas previstas. Devaneios viram pautas de trabalho.

    Os orçamentos têm três destinatários: a Administração Pública, que os elabora “participativamente” (deveria), submete-os para aprovação pelos quinze vereadores que sequer os leem, e publica no DO, um dia qualquer sempre referido como 31 de dezembro; este documento balizará todo o trabalho dos dois Poderes no ano a seguir. O segundo destinatário é o TCE, composto por técnicos de qualidade e por conselheiros provenientes da Alerj. Se a Alerj é o que é, imaginem um órgão auxiliar da mesma. E o terceiro destinatário, apenas em tese pois não é levado em conta, seria o povo, que merece saber como vão torrar o seu rico dinheirinho, quer a jorro para custear os folguedos e mutretas da Câmara quer com conta gotas para a Saúde ou a Segurança. Mas o calhamaço feito por fluentes em contabilidade pública para outros fluentes na mesma arte é hieróglifo sem Pedra de Roseta para o Povo, que é mestre em mil ofícios em busca de sua sobrevivência, mas desconhece a contabilidade pública. O contribuinte fica a ver navios. Pague e não bufe.

    Nada justifica que o calhamaço não contenha uma folha resumo que as famílias entendam. Nada demonstra melhor o fosso que separa os partidos do dito povão.

    Ainda tem coisa pior. Ao final de cada exercício, as contas são levantadas e o previsto confrontado com o realizado. Este trabalho precisa ser remetido ao TCE via Câmara, e um cartapácio fica ao dispor do povo lá na Câmara. O fato é que o povo, já enganado na etapa da elaboração do orçamento, afastado de sua discussão, mantido na ignorância via QDD enquanto era executado, jamais fica sabendo o que aconteceu. Um dia qualquer, a Imprensa informa que o TCE aprovou ou rejeitou as contas em parecer prévio e, mais tarde, a mesma Imprensa informa que os quinze vereadores acolheram ou rechaçaram o parecer do dito. Tudo in famíglia, e o povo que fique do lado de fora. Não há  resumo do orçamento em língua de gente nem resumo da prestação de contas para os patrocinadores da festança.

    O fato é que o povo é ignorado em todo o processo, sem que nenhum dos três Poderes dos três níveis, nem o TCE nem os partidos (ferramentas da democracia, dizem; recipientes de privilégios, retruco eu), vejam motivo para bradar um alerta. Do meu canto, ouso achar que a tolerância popular já alcança o patamar da cegueira, com tendência a bater na irresponsabilidade. Por aí, não vamos a lugar nenhum.

    Eis porque luto pelos candidatos avulsos e pela reforma radical das normas do Legislativo. E denuncio o desdém com que tratam o povo, sem deixarem de alimentar-se com sua seiva, ervas de passarinho que são. 

    Encontrei nas ruas de Argel, nos idos de 1956, uma gesticulação que eu já conhecia no Brasil, e à qual, lá, davam o nome de “bras d’honneur”. Mais distinto, mas lá como cá, a expressar a inconformidade popular. Caberia cá.


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