Contra a inconformismo feroz
O pior caminho para enfrentar adversidades é o inconformismo feroz. A não aceitação da realidade. Alguém às três da tarde na quilométrica fila de algo que precisa resolver inadiavelmente, se ficar enfurecido, fará maior a fila e mais penosa a espera. Para isso, levo sempre um livro na mochila. Torna mais útil e menos dura a realidade da espera.
Uma doença. É sempre duro quando um diagnóstico surpreende. Pode vir o abatimento, funda sensação de “por que comigo?”. Pessoas vitoriosas em tal situação passam pela superação do luto que a notícia provoca, tomada de consciência e o partir para atitudes. Cuidados, medicação, tratamentos, pensamento positivo. Mas o inconformismo pode produzir desastres e acelerar danos.
O mesmo ocorre quando se descobre no cônjuge mania ou temperamento que o faz parecer um desconhecido. A paixão, boba que é, cega que se mantém, impede a visão clara do outro. Por isso, jamais é bom firmar compromissos em estado de paixão. Há dito grosseiro que compara a paixão a uma doença. Diz que dura sete meses ou determinado número de conjunções carnais, o que vier primeiro. O fato é que em alguma altura do relacionamento se verá no outro não o ser que a fantasia imaginou, nem mesmo o que ele próprio se crê, mas sim o que realmente ele é. Sempre haverá desagrado. Esta é a hora em que amores se tornam adultos. No aceitar o defeito do outro. Não que não possa melhorar. Mas não se pode colocar aí a pré-condição da felicidade. Se não, cederemos a um constante inconformismo, em caça de tesouro perdido que nunca chegará. Mais saudável é aprender a lidar com os defeitos, melhor aproveitar as qualidades, fazendo do aprimoramento tarefa conjunta, jogo de resistência e concessões que pode resultar virtuoso para ambos. Isso é crescer juntos.
E nestes começos de ano, existe o inconformismo político. Houve a eleição. Não era o resultado que eu desejava, nem o que muitos queriam. Aliás, em nível federal, acho que jamais vi resultado que realmente eu quisesse. Aqui e ali, se tanto, elegi um par de deputados em minha carreira de eleitor ineficaz. Mas está aí o presidente empossado. Pois que governe. A não aceitação irrestrita, a rejeição completa a tudo, a tal “resistência” feroz não dá saúde cívica à nação. É claro que haverá coisas contra as quais será necessário lutar. Mas a mim parece evidente que há também compromissos assumidos dos quais o país precisa, e que valerá apoiar. Combate à criminalidade e à corrupção são necessidades inadiáveis. Moderar os exageros do petismo nas custosas concessões a países favorecidos apenas pela afinidade (mais fisiológica que ideológica), também parece correto e urgente. Então, eu sou dos que – por ter anulado o voto – tenho discordâncias e desconfianças, mas não inconformismo. Aceito o resultado, o acato, observo e vigio.
Quando o Collor venceu, houve muito inconformismo. Militante de esquerda que eu era, a mim perguntaram, o que fazemos agora? Aguardamos, respondi. Sem fazer nada? – retrucaram. Sim, eu disse, a eleição terminou. Acatamos, observamos e vigiamos. Reagiremos caso a caso. Sem amargura. Ela não ajuda.
Esperando que o filme político da vez tenha final menos inglório, já vou retirando meu livro da bolsa, penso nos bons remédios que a situação exige e me preparo para lidar com defeitos que certamente surgirão no inesperado “cônjuge” político da nação. Reagindo caso a caso. Sem amargura. Ela não ajuda.
denilsoncdearaujo.blogspot.com