‘Só haverá paz com os 2 lados exaustos e isso está mais perto’
Enquanto os terroristas do Hamas tinham como objetivo fazer Israel ser visto como um monstro, seu ataque ao país deverá cobrar um preço alto do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, na avaliação do diretor do grupo Eurasia, Ian Bremmer. Para ele, assim como aconteceu com a então primeira-ministra Golda Meir, que viu sua carreira política acabada após a guerra de Yom Kippur, Netanyahu também será cobrado a prestar contas. “No longo prazo, Netanyahu estará fora porque seu legado será esse ataque”, disse Bremmer, em entrevista ao Estadão.
Como Israel deve lidar com a questão dos reféns?
Avalio que já existam negociações de terceiros com as lideranças do Hamas. É importante para a população israelense que os civis consigam ser resgatados. É bem possível que o Hamas liberte alguns mesmo que os israelenses não deem nada em troca, em um gesto de boa vontade para o mundo árabe. O Hamas quer criar uma imagem positiva com o Egito e com os países do Golfo, e quer estar em uma posição mais forte. Eles querem que os israelenses sejam vistos como monstros.
A situação pode voltar ao que era antes de 2005 com Israel governando Gaza?
É muito cedo. Neste momento, há violência relativamente limitada na Cisjordânia. Mas é claro que a intenção do Hamas é exatamente a oposta, o grupo quer radicalizar os palestinos na Cisjordânia e fazê-los derrubar a Autoridade Palestina, para depois serem governados por radicais que se recusam a reconhecer o direito de Israel à existência.
Essa é a estratégia?
A estratégia do Hamas é fazer com que os israelenses se tornem monstros. Israel tem ignorado a situação palestina há algum tempo, com a expansão de assentamentos na Cisjordânia – e tornou a vida dos palestinos muito mais difícil, principalmente na Faixa de Gaza, onde 90% da população não tem acesso à água potável e 50% vive abaixo da linha da pobreza. Isso vai piorar muito nos próximos dias, semanas e meses. Israelenses que têm ignorado os palestinos não podem mais fazer isso agora. No curto prazo, será tudo sobre a guerra, mas no longo prazo haverá uma exigência muito significativa em Israel para encontrar uma forma de resolver a questão palestina. A única forma de fazer isso é os palestinos serem capazes de se governar, de se defender no seu território, e eles não podem ser governados pelo Hamas, que se recusa a reconhecer o direito de existência de Israel. Só existirá paz com ambos os lados exaustos e certamente estamos mais perto disso agora do que há seis meses.
É possível a abertura de uma frente no norte?
Claro, é possível. O maior perigo para Israel é o Hezbollah, não os iranianos. Teerã deixou claro que não quer participar diretamente desta guerra. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu não mencionou o Irã em seu discurso e os americanos também disseram aos israelenses para serem cautelosos sobre isso. Mas o Hezbollah é muito mais treinado e bem armado que o Hamas. Temos de observar com cuidado a questão do Hezbollah, porque esse é o único fator que pode realmente expandir a guerra.
Netanyahu pode ter o mesmo destino de Golda Meir, que depois da guerra de Yom Kippur teve a sua carreira política acabada?
Isso deve acontecer, como aconteceu com Golda Meir. No curto prazo, teremos um governo de unidade nacional e todos estarão focados apenas na guerra, mas, no longo prazo, Netanyahu estará fora porque seu legado será esse ataque. Israel, que historicamente é cercado de inimigos, um país que leva muito a sério a questão da segurança de suas fronteiras, não pode deixar isso acontecer. O país deveria estar preparado para esse tipo de ataque e não estava. Não é como nos EUA no 11 de Setembro, onde todos ficaram totalmente surpresos.
Qual o impacto para os acordos de paz que Israel quer fazer com países da região?
O acordo entre Arábia Saudita e Israel está fora de questão no futuro próximo. No longo prazo, pode acontecer. As relações diplomáticas costuradas nos Acordos de Abraão, com Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Sudão permanecerão intactas. Há muito investimento e turismo. Mas os países árabes vão se tornar muito mais anti-israelenses e haverá hostilidade contra judeus na região. A questão palestina vai se tornar relevante e irá restringir a capacidade dos países árabes de aumentarem o relacionamento com Israel. O país estava na melhor posição geopolítica em décadas. Porém, a questão palestina estava se tornando irrelevante para a região. Os palestinos não tinham nenhuma perspectiva de futuro, então o Hamas lançou esses ataques e isso certamente levará à destruição da organização.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.