• A Vinha, os Frutos e a Correspondência ao Amor de Deus!

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  • 08/10/2023 08:00
    Por Mons. José Maria Pereira

    A leitura tirada do Profeta Isaías (Is 5, 1-7) e o Evangelho deste dia (Mt 21, 33-43) põem diante dos nossos olhos uma das grandes imagens da Sagrada Escritura: a figura da videira. Os textos mostram como Deus manifestou o seu amor, os seus cuidados pela vinha, por Israel, o povo eleito e a falta de correspondência a esse amor. Descrevem Israel como uma plantação de Deus, tratada com todos os cuidados possíveis: “Vou cantar para o meu amado o cântico da vinha de um amigo meu: um amigo meu possuía uma vinha em fértil encosta. Cercou-a, limpou-a de pedras, plantou videiras escolhidas, edificou uma torre no meio e construiu um lagar: esperava que ela produzisse uvas boas, mas produziu uvas azedas. O que poderia eu ter feito a mais por minha vinha e não fiz?” (Is 5, 1-4).

    Na Sagrada Escritura, o pão representa tudo aquilo de que o homem tem necessidade para a sua vida quotidiana. A água dá fertilidade à terra: é o dom fundamental, que torna possível a vida. O vinho, por sua vez, exprime a excelência da criação, dá-nos a festa em que ultrapassamos os limites da quotidianidade: o vinho “alegra o coração”, diz o Salmo. Assim, o vinho, e com ele a videira, tornaram-se imagem também do dom do amor, em que podemos fazer alguma experiência do sabor do Divino.

    A Liturgia da Missa, através de uma das mais belas alegorias, fala-nos do amor de Deus pelo seu povo e da falta de correspondência a esse amor.

    A Palestina era um lugar rico em vinhedos, e os Profetas recorreram com frequência a essa imagem, tão conhecida por todos, para falar do Povo eleito. Israel era a vinha de Deus, a obra do Senhor, a alegria do seu coração. O próprio Senhor, como se lê no Evangelho em Mt 21, 33-43, referindo-se ao Profeta Isaías, revela-nos a paciência de Deus, que manda os seus mensageiros, um após outro, em busca de frutos. Por fim, envia o seu Filho amado, o próprio Jesus, que os vinhateiros acabarão por matar: “E, lançando- lhe as mãos, puseram-no fora da vinha e mataram-no.”

    É uma referência clara à crucifixão, que teve lugar fora dos muros de Jerusalém. “Ele é a pedra que os construtores rejeitaram” (Mt 21, 42), porque O julgaram inimigo da lei e perigoso para a ordem pública; mas Ele mesmo, rejeitado e crucificado, ressuscitou, tornou-se a “pedra angular” sobre a qual se podem apoiar com segurança absoluta as bases de qualquer existência humana e do mundo inteiro. Desta verdade fala a parábola dos vinhateiros infiéis, aos quais um homem confiou a sua vinha, para que a cultivassem e recolhessem os frutos. O proprietário da vinha representa o próprio Deus, enquanto que a vinha simboliza o seu povo, assim como a vida que Ele nos doa para que, com a sua Graça e com o nosso compromisso, pratiquemos o bem. Santo Agostinho comenta que “Deus nos cultiva como um campo para nos tornar melhores” (Sermão 87).

    Deus tem um projeto para os seus amigos, mas infelizmente a resposta do homem orienta-se com frequência para a infidelidade, que se traduz em rejeição. O orgulho e o egoísmo impedem que se reconheça e acolha até o dom mais precioso de Deus: o seu Filho Unigênito. Com efeito, quando “lhes enviou o seu próprio filho – escreve São Mateus – os vinhateiros, agarrando-O, lançaram-no fora da vinha e mataram-no” (Mt 21, 37.39). Deus entrega-se a Si mesmo nas nossas mãos, aceita fazer-se Mistério imperscrutável de debilidade e manifesta a sua onipotência na fidelidade a um desígnio de amor que, no final, prevê contudo, também a justa punição para os malvados (Mt 21, 41). Aquilo que é denunciado por essa página do Evangelho, interpela o nosso modo de pensar e de agir. Não fala somente da “hora” de Cristo, do Mistério da Cruz naquele momento, mas da presença da Cruz em todos os tempos. 

    A imagem da vinha, com as suas implicações morais, doutrinais e espirituais, voltará no discurso da Última Ceia: quando, despedindo-se dos Apóstolos, o Senhor disser: “Eu sou a verdadeira Videira e meu Pai é o Agricultor. Todo o ramo que em Mim não dá fruto, Ele corta-o e poda todo aquele que dá fruto, para que dê mais fruto” (Jo 15, 1-2). A partir do acontecimento pascal, a história da salvação conhecerá, portanto, uma mudança decisiva, e serão protagonistas aqueles “outros camponeses” que, enxertados como rebentos em Cristo, verdadeira videira, darão abundantes frutos de vida eterna. Entre estes “camponeses” encontramo-nos também nós, enxertados em Cristo, que quis tornar-se Ele mesmo a “verdadeira videira”. Peçamos ao Senhor que nos dá o seu Sangue, que se nos dá a si mesmo na Eucaristia, a fim de que nos ajude a “dar fruto” para a vida eterna e para esta nossa época.

    A consoladora mensagem que tiramos destes textos bíblicos é a certeza de que o mal e a morte não têm a última palavra, mas no final quem vence é Cristo, e vence sempre!

    Histórica ou literalmente, a vinha descreve o povo hebreu, que não correspondeu aos cuidados divinos. Deus escolheu este povo, o libertou do Egito e o transplantou para a terra prometida, como se transplanta uma parreira. Aqui, cercou – o de mil atenções, como faz um viticultor com seu parreiral, ou melhor, como faz o esposo com sua esposa. Cercou – a, defendeu – a. Também a Igreja, bem como cada um de nós: “Cristo é a verdadeira videira, que dá vida e fecundidade aos ramos, quer dizer, a nós que pela Igreja permanecemos nEle e sem Ele nada podemos fazer” (Jo 15, 1-5). A história é evocada pelo Salmo 79 (80). É uma alusão clara ao destino do povo de Israel: tendo recusado os profetas e maltratado “o Filho”, ele vai ser disperso e o herdeiro das promessas será outro povo.

    Meditemos hoje se o Senhor pode encontrar frutos abundantes na nossa vida; abundantes porque é muito o que nos foi dado. Frutos de caridade, de trabalho bem feito, de apostolado com os amigos e familiares; jaculatórias, atos de amor de Deus e de desagravo ao longo do dia, ações de graças, contrariedades acolhidas com paz, pequenos sacrifícios praticados discretamente e com toda a naturalidade. Examinemos também se, ao mesmo tempo, não produzimos essas uvas amargas que são os pecados, a tibieza, a mediocridade espiritual, a desordem, as faltas de que não pedimos perdão ao Senhor…

    A Vinha foi cercada, fez nela um lagar… A cerca, o lagar e a torre significam que Deus não economizou nada para cultivar e embelezar a sua vinha.

    Esperava uvas boas e produziu uvas azedas. O pecado é o fruto amargo das nossas vidas. A experiência das fraquezas pessoais ressalta com demasiada evidência na história da humanidade e na de cada homem. “Ninguém se vê inteiramente livre da sua fraqueza, solidão ou servidão. Antes pelo contrário, todos precisam de Cristo modelo, mestre, libertador, salvador e vivificador” (Ad Gentes, 8). Os nossos pecados estão inteiramente relacionados com essa morte do Filho amado, de Jesus. Somente a Palavra de Deus pode transformar profundamente o coração do homem, e por isso é importante que com ela entrem numa intimidade cada vez maior os fiéis individualmente e as comunidades. É interessante, a este propósito, a consideração de São Jerônimo: “Quem não conhece as Escrituras, não conhece o poder de Deus, nem a sua Sabedoria. Ignorar as Escrituras significa ignorar Cristo”.

    Para produzirmos os frutos de vida que Deus espera diariamente de cada um de nós, temos em primeiro lugar de pedir ao Senhor e fomentar uma santa aversão por todas as faltas – mesmo veniais- que ofendem a Deus. Os descuidos na caridade, os juízos negativos sobre esta ou aquela pessoa, as impaciências, os agravos não esquecidos, a dispersão dos sentidos internos e externos, o trabalho mal feito!

     “ Os pecados veniais fazem muito mal à alma. Por isso, diz o Senhor no Cântico dos Cânticos: caçai as pequenas raposas que destroem a vinha” (Caminho, 329). É necessário que nos empenhemos continuamente em afastar tudo aquilo que não é grato ao Senhor. A alma que detesta o pecado venial deliberado, pouco a pouco vai crescendo em delicadeza e em finura no trato com o Mestre.

    São Paulo (Fl 4, 6-9) lembra que na nossa fraqueza é preciso que nos apoiemos na oração. Devemos pedir a graça da fidelidade para que possamos dar muitos frutos, guardando nossos corações e pensamentos, em Cristo Jesus.

    Somos todos nós, membros do Povo de Deus, a Igreja, que tem a missão de produzir seus frutos, para não frustrar as esperanças do Senhor na hora da colheita.

    Que frutos estamos produzindo para a realidade do Reino de Deus? Nesse Mês Missionário, somos convidados a renovar com Deus a Aliança. Se hoje não somos missionários, não é esse um sinal de que estamos sendo maus vinhateiros?

    O povo a quem foi confiado o Reino somos nós, cristãos, que formamos a Igreja. Nós somos agora, em sentido especial, a vinha de Deus.

    “Ao chamar os seus para que O sigam, Jesus lhes dá uma missão muito precisa: anunciar o Evangelho do Reino a todas as nações (cf. Mt 28,19; Lc 24, 46-48). Por isso, todo discípulo é missionário, pois Jesus o faz partícipe de sua missão, ao mesmo tempo que o vincula como amigo e irmão. Cumprir essa missão não é tarefa opcional, mas parte integrante da identidade cristã, porque é a extensão testemunhal da Vocação mesma” (Doc. de Aparecida, 144).

    Interessa que permaneça a fé em Jesus Cristo, a aceitação de sua Palavra. Se esta faltar como videira, somos rejeitados, somos galhos secos.

    A Palavra de Deus é ainda mais séria se aplicada a cada um de nós. Deus nos deu tudo. Plantou – nos na Igreja, enxertados em Jesus Cristo no Batismo, podou – nos e nos alimentou. Agora, tem direito de vir pedir os frutos. E vem, com efeito, também se nós não percebemos suas visitas. Vem como o dono vinha procurar figos em sua árvore e não encontrava senão folhas. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto (Jo 15, 1- 2).

    A Palavra de Deus se nos apresenta hoje feita espada que penetra em nós e nos obriga a tomar posição, coloca – nos em estado de ter de decidir. O que queremos ser? Um ramo unido a Cristo, à sua Palavra, a seus Sacramentos, em estado de crescimento (e, por isso, de conversão), ou um ramo estéril, coberto somente de folhas, isto é, um cristão de palavras, não de fatos?

    Voltemos a nos unir à videira! A Eucaristia nos oferece a possibilidade de reativar em nós o nosso Batismo e a circulação daquela seiva que vem da videira.

    Nesta perspectiva consideremos e meditemos nas palavras de S. Paulo: “Irmãos ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, respeitável, justo, puro, amável, honroso, tudo o que é virtude ou de qualquer modo mereça louvor; é o que deveis ter no pensamento” (Fl 4,8).

    Firmemente ancorados na fé à pedra angular que é Cristo, permaneçamos n’Ele como o ramo que não pode dar fruto sozinho se não permanecer na videira. Só n’Ele, por Ele e com Ele se edifica a Igreja, povo da nova Aliança. A este propósito, São Paulo Vl (Papa) escreveu: “O primeiro fruto do aprofundamento da consciência da Igreja sobre si mesma é a renovada descoberta da sua relação vital com Cristo. Aspecto notório, fundamental, indispensável, mas nunca conhecido, meditado nem celebrado o suficiente” (Enc. Ecclesiam Suam).

    Estamos no mês missionário. No dia 01 de outubro, celebramos Santa Teresinha do Menino Jesus, Padroeira das Missões. Nesse ano, a Igreja celebra o mês missionário cujo tema é: “Ide! Da Igreja local aos confins do mundo”, e o tema da Campanha Missionária de 2023, cuja inspiração bíblica é baseada no texto dos discípulos de Emaús, é “corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24, 13-35). Ser discípulo missionário está além de cumprir tarefas ou fazer coisas. O Papa Francisco lembra que “a missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou ornamento a ser posto de lado. É algo que não posso arrancar do meu coração” (Alegria do Evangelho).

    Invoquemos a Virgem Maria, que no corrente mês de outubro nós veneramos como uma devoção especial, com o título de Nossa Senhora do Rosário, para que dóceis ao Espírito Santo possamos ajudar o mundo a tornar-se em Cristo e com Cristo a fecunda Videira de Deus! Que Maria acolha nossa súplica fervorosa, para que seja derrotado o mal e se revele, em plenitude, a bondade de Deus.

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