China e Rússia estão construindo bloco antiocidental, avalia diplomata Roberto Abdenur
“China e Rússia juntaram diversos países emergentes no Brics para formar uma frente que rivalize com o Ocidente”, avalia o diplomata e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, Roberto Abdenur. O diplomata aponta que com a entrada de Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia, o bloco econômico elevou o seu caráter antiocidental. Essa tendência será testada durante a reunião do G-20, que ocorre entre os dias 9 e 10 de setembro e deve contar com diversos participantes do Brics.
O ex-embaixador destaca que a entrada do Irã no Brics é negativa, por conta do isolamento do país asiático na arena internacional.
“A entrada do Irã no Brics reflete como o Brasil e os outros países do bloco tem uma postura leniente com a Rússia porque Teerã vende armamentos para Moscou, apoiando de forma militar a guerra injustificável contra a Ucrânia. Não faz sentido o Brics incorporar um país tão controverso”, indica Abdenur.
A expansão é o principal resultado da 15ª Cúpula do Brics. O debate sobre o aumento no número de países do Brics, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, esteve no topo da agenda durante as reuniões que ocorreram entre os dias 22 e 24 de agosto em Johannesburgo.
Confira trechos da entrevista
Como o senhor avalia a participação do Brasil na cúpula do Brics?
De modo geral os discursos do Lula no Brics foram muito bons, mas ele cometeu dois erros importantes no que diz respeito à Ucrânia.
Ele fez um gesto pobre e indireto em favor da Ucrânia ao dizer que o Brasil historicamente defende o princípio do respeito à soberania, integridade territorial dos Estados e aos princípios e normas das Nações Unidas e isso está correto, mas ele deveria ter sido explícito.
Além disso, ele pede um cessar-fogo, que nas atuais circunstâncias seria congelar a situação atual do conflito na Ucrânia, que significaria que a Rússia iria manter as regiões que anexou de Kiev, o que não é possível para os ucranianos.
O Brasil pode se juntar a outros países que procuram uma solução pacífica. O plano da China é muito desequilibrado em favor da Rússia e os países africanos também propuseram algo vazio. O Brasil fala tanto em paz, mas quem fez mais até agora foi a Arábia Saudita, que reuniu diversos países árabes com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.
O segundo erro dele foi fazer ainda que implicitamente um contraponto ao G7. O Brics está se colocando, e ainda mais agora com essa ampliação, como um foro com um sentido antiocidental.
Mesmo assim, eu acredito que o bloco ainda faz muito sentido, diferentemente do que disse Jim O’Neill, o economista que criou o acrônimo Brics, que em uma entrevista ao Estadão afirmou que o Brics com mais países não faz sentido nenhum.
O Brics é mais uma ferramenta para o projeto do Brasil de ganho de influência, assim como outros fóruns como o Mercosul, Celac e o G20, além de organismos multilaterais que o Brasil tem uma presença forte como o Banco Mundial e a ONU.
E a expansão do bloco. Acredita que será positiva para o Brics?
Em relação a expansão, acredito que muitos dos países que irão ingressar no bloco podem entregar contribuições importantes. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos são duas potências financeiras que vão contribuir para o Novo Banco de Desenvolvimento.
Da África, a entrada do Egito é importante, um país que tem uma voz expressiva no mundo árabe e a Etiópia tem a condição de sede da União Africana, que vai ter uma representação coletiva no G20, o que é muito bom.
Acredito que faltou a Nigéria como mais um país que poderia representar bem o continente africano e no caso da América Latina eu penso que a inclusão da Argentina foi ótima, que segue sendo um país de peso apesar dos vários problemas que enfrenta, mas faltou o México, que também tem uma economia forte.
Eu avalio que houve um momento de insensatez ao incluir o Irã no Brics. O país é relativamente isolado no plano internacional e é considerado perigoso, porque tudo leva a crer que está buscando a bomba atômica e prega a destruição completa de Israel.
E o Ocidente no caso do Irã sempre apontou que Teerã está dando apoio militar para a Rússia, vendendo armamentos para que Moscou continue a sua guerra injustificável contra a Ucrânia. Convidar o Irã para entrar no Brics é um movimento de leniência em relação a isso. Não faz sentido incorporar um país tão controverso.
O Brasil teve alguma vitória com a expansão do Brics, ou saiu derrotado com essa expansão apoiada pela China?
Não acho que foi uma derrota e nem uma vitória. A China quer que o Brics se coloque de alguma maneira, ainda que indireta, como contraponto ao Ocidente junto com a Rússia, o que não é bom para o Brasil.
Mas a entrada de novos países no Brics era vista como quase certa para o Brasil, não só por conta da pressão de Pequim e Moscou, mas também por conta da candidatura de diversos países para o Brics.
Brasil e Índia eram relutantes no primeiro momento, mas tiveram que se dobrar a essa realidade. O que eu critico, mas não acho que seja uma derrota exatamente é o Lula ter colocado mal a questão da Ucrânia e a adesão do Irã ao Brics.
Outro erro do Brics foi marcar a próxima reunião para a Rússia. Moscou ainda estará em guerra com Kiev no ano que vem e fazer o encontro do Brics lá me parece fora de questão.
O G7 é formado apenas por democracias. Já o Brics convidou 6 países, dos quais apenas um é uma democracia consolidada (a Argentina). Isso não é um problema do ponto de vista moral ou até para negociar uma eventual expansão do CS da ONU?
Em política externa existe um conceito que se chama realpolitik, que seria a política realista. Não é possível conduzir relações bilaterais apenas com base em seus valores. É preciso preservá-los. O Brasil, assim como os Estados Unidos, Alemanha e a França e muitos outros países têm relações normais e muitas vezes produtivas e positivas com países que não são democracias, como a China e a própria Rússia.
Qual é a sua avaliação sobre uma possível entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
Eu sempre fui ao longo da carreira muito favorável à entrada do Brasil no Conselho de Segurança que o Brasil possui todas as condições e o direito de entrar.
O Lula conseguiu uma extraordinária vitória diplomática ao obter do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em um comunicado conjunto uma declaração explícita e enfática do americano de que os Estados Unidos agora favorecem a ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU para incluir países da América Latina e Caribe. Não fala especificamente do Brasil, mas eles estavam falando do País.
Eu sei que o Itamaraty procurou negociar um comunicado em que os demais membros do Brics defenderiam uma reforma do Conselho de Segurança e um apoio ao Brasil. A China já havia declarado que vê com bons olhos o aumento da projeção do Brasil no nível internacional e sinalizou isso durante o Brics.
Como o senhor avalia a política externa do governo Lula?
Eu quero enfatizar que o Lula deu uma volta por cima muito importante na política externa brasileira. Nos dois primeiros mandatos, ele teve uma política muito ativa, depois a política externa foi deixada de lado pela Dilma Rousseff e também por Michel Temer e foi completamente paralisada com Jair Bolsonaro, que fez o Brasil virar um pária internacional durante o mandato dele.
Então o Lula recuperou dois elementos importantes da nossa atuação internacional. A imagem do país e o protagonismo brasileiro no plano internacional.
Ele começou essa virada com o discurso histórico que ele teve no Egito, na COP 27, na qual ele colocou a questão climática como o maior desafio para a humanidade e para o Brasil. Depois ele fez visitas estratégicas para a Argentina, Estados Unidos e China e anunciou que o País irá retomar este aspecto importante da nossa política externa de olhar mais para o continente africano. Acredito que estamos no caminho certo, apesar dos exageros retóricos do presidente brasileiro.