• Os mistérios da dor

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  • 05/09/2023 08:00
    Por José Aparecido Da Silva

    A dor não se distribui por igual em sua duração, mas varia de intensidade segundo modalidades que parecem caprichosas: é desigual de uma hora, ou de um dia, para outra(o), sob a influência de fatores ainda difíceis de serem explicados e compreendidos. É dependente do contexto, do momento do dia, das palavras, dos movimentos, dos gestos e, até mesmo, de um remédio. Não se deixando apreender de uma forma única, atinge o homem de formas diferentes, independente das circunstâncias. Durações e intensidades diversas de sofrimentos a ela relacionados se esboçam. Um exemplo? A dor aguda é transitória, seja devido a uma queda, uma queimadura, ou similares. Dores banais que, muitas vezes, são, por certo, marcam, apesar disso, a vida cotidiana, perturbando provisoriamente a vida. Ás vezes, também são consequências paradoxais dos cuidados que são empregados para aliviar outra dor: limpar uma ferida, fixar ossos comprometidos em fraturas, etc.

    As dores pós-operatórias também são exemplos desta categoria. A ansiedade desempenha um papel negligenciado na percepção da maioria delas, imediatamente associadas a uma causa contingente e que se traduzem apenas num mau momento que enfrentamos. Por sua vez, outras dores preocupam mais, revelando-se sinais precursores de uma doença e de um mal que abrem seus caminhos insidiosamente sobre os indivíduos. A maior parte das consultas médica se origina nestas circunstâncias. Em princípio, sem gravidade, acarretam, no entanto, muita angústia no decorrer de seu desenvolvimento. A dor é percebida, aqui, então, como um sintoma, anunciando e acompanhando uma patologia que se desenvolve e deve ser cuidada e controlada. Os primeiros cuidados visam a aliviar a dor, explicando sua razão de ser. Em seguida, tem por propósito, o mal orgânico do qual ela é consequência.

    O significado da dor também se modifica conforme as circunstâncias, implicando, também, na atitude do indivíduo por ela acometido. Pesquisa sobre dor pós-operatória revela a importância desses graus de significado que atenuam o medo e o sofrimento, bem como, que explicam o restabelecimento de um indivíduo. Nela, uma população de pacientes, os quais deveriam se submeter a uma cirurgia complexa, foi dividida em dois grupos. Um recebeu informação precisa sobre as consequências da intervenção cirúrgica, expondo, aos seus integrantes, o caráter inevitável de algumas formas dolorosas com as quais estes não deveriam se preocupar. A eles sendo explicado que a dor pós-operatória nasce dos espasmos dos músculos situados abaixo da zona abdominal incisada, bem como, que a mesma poderia ser diminuída (ainda que não totalmente) com o uso de relaxamentos, os quais tiveram seus métodos esclarecidos. Todavia, deixando claro, aos integrantes, a possibilidade, se preferirem, de recorrer a analgésicos. Um segundo grupo de pacientes, imerso nas rotinas dos tratamentos, não se beneficiou de nenhuma instrução específica. O que as análises mostraram? Comparado com os sem instrução, os primeiros queixaram-se nitidamente menos, pedindo poucos medicamentos e permanecendo hospitalizados por menos tempo. Por sua vez, ao grupo sem informações, e, portanto, mais ansiosos, o sofrimento detectado foi maior, tendo, os mesmos, criado mais problemas para as equipes de tratamento. A negação do sentido revelando-se, portanto, pouco satisfatória como proteção do indivíduo. Uma dor identificada com uma causa e um significado é mais suportável do que uma dor que permanece sem sentido, não diagnosticada e não compreendida pelo sofredor.

    Outro estudo, destacando a percepção da dor e as reações pós-operatórias de crianças hospitalizadas para a retirada das amídalas, dedica-se a avaliar a influência da atitude da mãe sobre as percepções dolorosas da criança ao longo da hospitalização destas. Foi presumido que, uma mãe tranqüila, ou preocupada, tenha um efeito de moderação, ou intensificação, do estresse de sua criança. Para testar esta hipótese foram formados dois grupos. No primeiro, uma enfermeira recebe as mães e procura criar, de imediato, um clima de confiança com elas, enquanto seus filhos são submetidos a uma série de exames médicos. As mães recebem as informações necessárias para uma boa compreensão das condições da internação e descrição das sequências da cirurgia e da convalescença. No outro grupo, ao contrário, as mães e os filhos são submetidos à rotina hospitalar, sem esforço particular da comunicação. Os resultados foram significativos. As mães que se beneficiaram das informações detalhadas foram significativamente menos ansiosas que as mulheres dos outros grupos. Descontraídas e confiantes, controlam a apreensão, tendo, sua calma, um efeito tranquilizador sobre a criança. Comparadas com as primeiras, sinais físicos incontestáveis mostram o menor estresse dessas crianças: a temperatura e a pressão sanguínea quase não variam em relação à normal; o sono é melhor; não têm pesadelos; entram depressa num sono regular; choram e reclamam menos durante e depois da internação; ficam menos tempo hospitalizadas.

    O que se concluiu dos resultados relatados em ambos os casos? Mostram que a primeira defesa contra a dor e a doença está no significado que o paciente lhe atribui. Quando nada a faz entrar num conjunto de sentido e de valores, a dor é vivida sem proteção, afligindo intensamente e levando, com frequência, os pacientes à depressão.

    **Sobre o autor: Professor Visitante da Universidade Católica de Petrópolis (UCP-RJ); Ex-Prefeito do Campus da Universidade de São Paulo, USP-Ribeirão Preto.

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