• Exílio sem canção

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  • 27/08/2023 08:00
    Por Ataualpa A. Filho

    A saudade, no peito de Gonçalves Dias, levou-o a compor um dos poemas mais conhecidos da Literatura Brasileira. Quem ainda não ouviu trechos da “Canção do Exílio”? Até o Hino Nacional carrega versos desse poeta maranhense: “nossos bosques têm mais vida,/ ‘nossa vida’ no teu seio ‘mais amores’”.

    Os “nossos bosques”, com tantas queimadas, estão perdendo vidas. E as “nossas vidas” precisam de “mais amores” e mais respeito.

    A diáspora provocada pela economia tem levado pessoas a peregrinar pelos centros urbanos em busca de algo para comer. Há muitas mãos estendidas a esperar por um pedaço de pão. O pior exílio é este que se vive na própria pátria. É muito triste não encontrar abrigo na terra natal, porque a perspectiva de vida digna é atrofiada.

    Aumentou consideravelmente o número de pessoas que passaram a viver abaixo da linha da miséria. Estamos atravessando um período de empobrecimento da população. A pandemia provada pela Covid-19 acelerou esse processo da perda do poder aquisitivo.

    Ninguém tem vocação à mendicância. É um estágio em que não se consegue viver sem a ajuda de alguém. Em síntese, a pessoa vivencia uma situação em que não consegue ganhar o pão com o suor do próprio rosto. A dor maior para quem vive a mendigar está nas humilhações, na degradação das condições de sobrevivência. A fome fere a alma. Conheço-a bem. No sertão, ela cresce em grandes plantações. Eu a vi de perto e posso lhe falar com conhecimento de causa. Porém dou licenças para as discordâncias. Mas afirmo com convicção: não é a miséria a causa principal da violência. No Nordeste, vi municípios com extrema pobreza, mas sem a criminalidade dos furtos, dos roubos, dos homicídios em assaltos. Há municípios em nosso país que não tem a renda per capta da Rocinha, considerada uma das maiores favelas da América Latina, localizada no Rio de Janeiro.

    Há os que buscam nos lixos algo para comer. Há os que, para fugir da fome, estendem a mão para pedir. Há os que não pedem, não catam no lixo, apenas resistem e minguam famintos, porém encontram força na esperança de uma mudança de vida, sustentam uma hombridade sem se deixar corromper por situações ilícitas. Há também aqueles que, diante das injustiças, das desigualdades, optam pela criminalidade.

    O viver exige discernimento. As nossas decisões precisam ser pautadas, mesmo em situações adversas, pela honestidade, dentro dos princípios éticos. São frequentes as notícias sobre casos de pessoas humildes que acham fortunas em dinheiro e devolvem aos donos. Não se apropriam indevidamente, preferem manter-se com a consciência tranquila.

    Os excluídos, os invisíveis, os famintos vivem à margem da sociedade, sem usufruir os direitos da cidadania. Há um ciclo que se repete ao longo da história da humanidade: a polarização da sociedade entre pobres e ricos. É algo milenar que não se dissocia do poder político, da força bélica, nem do instinto de dominação. Porém, isso não invalida o nosso desejo, mesmo que possa parecer utópico, de não ver o mundo dividido em classes sociais, nem em castas. Nenhum sistema de governo pode ser rotulado de democrático quando parte da sua população não tem o mínimo para sobreviver dignamente. Não há democracia perante a fome.

    É um equívoco promover a segregação, a divisão de classe e rotular-se democrata. Não há como ignorar uma mão que se estende em busca de alimento. Não há como fechar os olhos diante da miséria que vive debaixo das marquises dos centros urbanos. Não há como deixar de se preocupar com a vida subumana em várias regiões do país. Por essas razões, é possível afirmar que há muitos exilados nesta Nação.

    É preciso ter noção da realidade para empregar a palavra “Democracia” em sentido pleno, pois não se restringe ao fato da liberdade de expressão. Sem ter o que comer, sem ter condições de trabalho, sem moradia, sem escola, sem hospitais, o povo não se vê em um país democrático, porque as desigualdades sociais ficam explícitas. Por isso, ele se sente exilado na própria pátria. A luta por um pedaço de chão é também para usufruir do direito de plantar, colher e ter o pão como fruto do trabalho.

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