• Clayton Nascimento: ‘Após tiroteio, minha mãe me levou para o teatro’

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  • 03/08/2023 07:02
    Por Ethieny Karen, especial para o Estadão / Estadão

    O Estadão encontrou o ator Clayton Nascimento para uma entrevista em uma pausa das gravações e dos palcos.

    Quanto a influência dos seus pais piauienses está presente na sua criação artística e como pessoa?

    Isso me influencia até no modo como vejo e me relaciono com as pessoas. Meu pai, um homem do sertão do Piauí, um contador de histórias, dizia: “Vou te contar uma história, filho, mas, para contar, eu tenho de ficar em pé, para você saber como se conta”. Ouvindo e vendo meu pai, aprendi a contar história não só com as palavras, mas com o corpo, o olhar, a alegria. Piauiense é um povo muito honesto e feliz.

    Quando começou sua carreira no teatro?

    Eu morava na periferia de São Paulo, no Jabaquara, que, naqueles anos 1990, tinha uma questão de saúde e segurança pública muito intensa. Eu presenciei tiroteios brincando na rua e cresci perto do tráfico. Uma vez, minha mãe chegou em casa do trabalho e estava havendo um tiroteio na rua. No dia seguinte, me levou para o teatro. Cheguei à Casa do Teatro, coordenada pela Lígia Cortez, que me possibilitou 15 anos de bolsa de estudos. Foi quando me apaixonei por aquilo.

    Macacos foi um processo de seis anos. Eu não sabia exatamente se ia virar uma dramaturgia, um espetáculo. Na Universidade de São Paulo, às vezes percebia que era o único aluno negro nas aulas. Especialmente se essa aula fosse à tarde.

    Às vezes, eu me via ali e percebia que precisava democratizar um pouco a informação, principalmente tendo em vista de onde eu estava vindo. O meu pai era encanador. Minha mãe, manicure. Eu vim da periferia da zona sul de São Paulo e cheguei a uma das maiores universidades que existem na América Latina, ou no mundo. Recebi informações ali e pensava: será que todos sabem disso? Será que o povo, em geral, tem essa informação? Eu falei: vou fazer isso virar uma cena, porque era um modo que eu tinha para democratizar essas informações. É isso que eu faço em Macacos.

    Quais são suas referências? Que livros e estudiosos o ajudaram nesse processo?

    Você sabe que na história da teatrologia brasileira há pouquíssimos exemplos de atores pretos em monólogos que tenham viajado o Brasil e tido acolhimento popular. Então, honestamente, na feitura do espetáculo, eu não consegui encontrar grandes referências. Mas é claro que eu assistia a muitos deles.

    Teoricamente, Macacos faz uma viagem por muitos livros. Eu estudo Machado de Assis, a história da colonização brasileira, a sequência do Laurentino Gomes, Conceição Evaristo, Maria Carolina de Jesus, os hinos nacionais. Eu precisei me dedicar a estudar os hinos e as festas populares do Brasil.

    Como foi ganhar esses prêmios? E ser tão reconhecido por grandes nomes da cultura, como Fernanda Montenegro?

    Eu imaginava: “Vou ter 50 anos e isso vai acontecer”. De repente, isso acontece na minha vida quando tenho 33. Eu me lembro até hoje da emoção que tive quando a Marisa Orth disse meu nome. Um mês após ganhar o Shell, a Fernanda Montenegro foi assistir ao espetáculo e disse ali na terceira fileira: “Um fenômeno! Um fenômeno, você é um fenômeno! Obrigado por você ser brasileiro, tomara que você faça essa peça até ficar bem velhinho”.

    Você fala, em Macacos, sobre não ver atores negros de óculos. Como está sendo fazer esse personagem da Globo? Afinal, ele usa óculos?

    Eu já tinha chegado à Rede Globo, mas como preparador de elenco. Agora, é a primeira vez que estou na Globo como ator. É a minha primeira novela, e estou conseguindo levar para a cena um personagem que tem um nome, sobrenome, sonhos, que está desde o início da narrativa, tem objetivos e às vezes usa óculos.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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