Augusto Nunes e a perda de nossa posição relativa
Fiquei agradavelmente surpreso ao receber no meu celular a transcrição de uma frase do jornalista Augusto Nunes, que está rodando na internet, que é a seguinte: […] Qualquer pessoa […] tem o direito de defender a abolição da república e a proclamação da monarquia. Por que não?” Até mesmo porque os propagandistas da república tiveram ampla liberdade na imprensa para defender suas ideias ao longo do Império. Dada a projeção nacional de Augusto Nunes, é alvissareiro que ele tenha dito isto, evidenciando uma benvinda mudança de clima nessa questão central para recolocar o país nos eixos.
Ainda me recordo bem do período que antecedeu o plebiscito de 1993 da galhofa com que a mídia, com raras e honrosas exceções, tratava a questão do retorno à monarquia parlamentar. Dominada pela esquerda e muito desconhecimento de nossa História, ela via a defesa da Causa como algo risível. Não se dava conta de que o período republicano foi pródigo em chanchadas políticas da pior espécie, bem diferentes daquelas divertidas de Oscarito e Grande Otelo. E que continuam na (des)ordem do dia…
Quando da chegada da república (“r” minúsculo, para fazer jus ao espírito da coisa), a primeira providência dos golpistas, militares e civis, nesta ordem de importância – e sem povo –, foi a instalação da Ditadura da Espada e da censura à imprensa. Durou cerca de quatro anos. Mas não foi só isso. Na constituição de 1891, e nas seguintes, foi instituída a cláusula pétrea que proibia qualquer manifestação pública de defesa da monarquia parlamentar. Só foi abolida, quase 100 anos depois, na Carta de 1988.
É saudável relembrar a liberdade de expressão, pensamento e imprensa ao longo do Império, desde Dom Pedro I e que foi mantida por seu filho, Dom Pedro II. É deste a melhor frase de defesa da liberdade de imprensa: “Imprensa se combate com a própria imprensa”. Ou seja, com o debate público e civilizado das diversas posições políticas. A república teve início quebrando uma ilustre tradição de liberdade de expressão, pensamento e imprensa de 63 anos, quase dois terços de século. E, ao longo de sua desastrosa existência, recorreu à censura por longos períodos. Basta relembrar de Vargas e do golpe de 1964.
Humberto de Campos, membro da Academia Brasileira de Letras, se queixava da ausência de vozes nas décadas iniciais da república. Figuras de peso como Ruy Barbosa, Nabuco, Monteiro Lobato e Machado de Assis também se manifestaram contra o novo regime, que se inaugurou com a década perdida do Encilhamento (1890).
Ruy Barbosa, em Paris, teria dito a Dom Pedro II: “Perdão, Majestade, eu não sabia que a república era isso”. Nabuco produziu uma avaliação profética e atual ao afirmar: “O Brasil quanto mais civilizado mais tenderá para a monarquia, quanto mais bárbaro, mais se desinteressará dela”. Em crônica, de 5 de março 1867, Machado de Assis foi taxativo: “[…] Eu peço aos deuses que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou…”. Seria a cacopoliteía, para fazer uso das palavras gregas caco (mal, ruim) e politeía política, gestão pública), que significa governo ruim ou gestão pública de má qualidade.
Todos eles acertaram na mosca, dados os descaminhos trilhados pela república desde seu alvorecer. E que vem piorando nas últimas décadas. Foi exatamente esta questão que abordei numa palestra que fiz, em 15 de julho corrente, no XXXIII Encontro Monárquico Nacional, realizado no Rio de Janeiro. Ela teve como título “O Legado da Herança Luso-Afro-Indígena até 1889 e a Economia do Império”. Usei a maior parte do tempo para falar do primeiro item, e depois, sobre o segundo, mas nem por isso menos importante.
A historiografia tradicional sobre os tempos coloniais e do Império está bastante fragilizada em sua “sabedoria” convencional. As novas pesquisas nos apresentam um cenário bastante diferente. A pesquisadora americana Rae Jean Dell Flory, em seu estudo sobre o período colonial intermediário na Bahia e Recôncavo (1680-1725), vai fundo nas relações então vigentes entre pequenos e grandes proprietários agrícolas, abrangendo as relações destes últimos com comerciantes e artesãos nas vilas, com base em arquivos das igrejas e de cartórios em que examinou muitos inventários, inclusive de negros forros que enriqueceram.
O quadro que emergiu não dá sustentação às análises do marxista Caio Prado Jr. e do conservador Oliveira Vianna. As relações não eram do tipo em que os grandes proprietários tratavam os pequenos como joguetes. Havia muito mais negociação entre as partes do que se imaginava antes. A tradição secular dos concelhos, com “c”, ou seja, das câmaras municipais no período colonial, oriundas de Portugal, dava-lhes amplos poderes, a ponto de a Coroa só ficar com 30 cruzados de cada 100 arrecadados nas vilas (municípios). Foi um período em que o Brasil cresceu muito, atingindo um percentual entre 60 e 70% da renda per capita dos EUA naquela época.
Ao longo do Império, segundo a sólida e bem documentada pesquisa dos Profs. Bacha, Tombolo e Versiani, sobre a propalada estagnação econômica do Império, eles contra-argumentam que houve um crescimento da renda real per capita de 0,9% ao ano, que era o que o mundo crescia naquele período.
Se levarmos em conta que a nossa renda real per capita estava entre 60 e 70% da americana por volta de 1800 e que o Império acompanhou o resto do mundo em matéria de aumento da renda per capita, exceto os EUA, a que nenhum país se equiparou, podemos concluir a dupla falência da república: a político-institucional e a econômica.
Na área política, deixou de haver a devida fiscalização do andar de cima pela extinção do poder moderador. Na econômica, teríamos talvez atingido cerca de 50% da renda real per capita dos EUA, já que estes cresceram mais rápido do que o resto do mundo. Hoje, pelo critério do PPP – Paridade do Poder de Compra, atingimos apenas 25% da americana. A república nos fez ficar para trás em nossa posição relativa. Tarcísio Freitas, atual governador de São Paulo, tinha razão quando afirmou em entrevista que o Brasil estaria em outro patamar se tivesse mantido a monarquia.
Nota: Entrevista minha (23 mil visualizações) intitulada Quando o Brasil perdeu o rumo da História.