• Longe da TV, Luís Melo estreia peça de inspiração filosófica

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  • 08/07/2023 08:34
    Por Dirceu Alves Jr., especial para o Estadão / Estadão

    Um dos métodos adotados pelo diretor Antunes Filho (1929-2019) na formação de atores do CPT (Centro de Pesquisa Teatral), comandado por ele no Sesc Consolação, era batizado de desequilíbrio. Inspirado em filosofias orientais, como o taoismo, consistia em ir além da instabilidade física e pregava a expansão da mente diante da vulnerabilidade para compreender as ações do corpo e o domínio da voz. “Foi difícil, demorei a entender que o desequilíbrio físico era apenas uma forma, que você precisava mesmo era ficar na boca do precipício para se virar em busca do personagem”, reconhece o ator Luís Melo, que integrou o CPT entre 1985 e 1995.

    Quase três décadas depois de se desligar da cartilha de Antunes, Melo volta ao Teatro Anchieta, palco que sediava as montagens do encenador, em um espetáculo que parte das filosofias que aperfeiçoaram sua formação. Sob a direção de André Guerreiro Lopes, ele divide a cena com Alex Bartelli e a bailarina Andréia Nuhr no espetáculo Mutações, que estreou ontem e parte de uma construção poética embasada no clássico chinês I Ching: O Livro das Mutações.

    “Pensei na mutação como a ideia mais teatral do I Ching: tudo se transforma a todo momento e quanto mais no eixo você estiver melhor vai navegar no caos”, diz Guerreiro Lopes.

    Dois polos

    O desafio, no entanto, era entender um jeito de transpor ideias tão abstratas para o palco. A dramaturgia de Gabriela Mellão, então, espelha dois polos. De um lado, aparece o Ancião (interpretado por Melo), homem sábio, guiado pelas memórias, preso aos cadáveres de sua história e, por vezes, a um poder considerado desprezível no passado. O contraste se dá através do Jovem (papel de Bartelli), alguém centrado em sua ação, que prega o impulso e não dispensa uma liberdade capaz de causar inveja ao velho. Entre os dois, Ela (representada por Andréia) surge como a figura feminina, a mais livre do trio. “Criamos uma experiência sensorial que o espectador absorve de maneira fragmentada e elabora a própria síntese.”

    O paranaense Melo, de 65 anos, nunca fugiu das mutações. Na década de 1980, saiu de Curitiba rumo a São Paulo e entrou para o time de Antunes. O estrelato veio nas peças Paraíso Zona Norte (1989), Trono de Sangue (1992) e Vereda da Salvação (1993), que lhe renderam prêmios e propostas da televisão. “Estava com 38 anos e vi que deveria me preocupar com a velhice porque jamais alcançaria estabilidade no teatro”, comenta ele, que, em 1995, cedeu ao convite da Globo e estreou na novela Cara e Coroa.

    Grupo próprio

    Nos anos de 2000, Melo voltou a Curitiba, montou o próprio grupo de pesquisas, o Ateliê de Criação Teatral (ACT), que produziu, entre outras peças, Cãocoisa e a Coisa Homem, que marcou a sua última passagem pelo palco do Anchieta, em 2002. O mais ambicioso dos empreendimentos, entretanto, é o Campo das Artes, um centro cultural e de formação erguido com recursos próprios em Balsa Nova, a 40 quilômetros da capital paranaense, inaugurado em março de 2022.

    Em 164 mil m² de área, totalmente conectada à natureza, Melo construiu um teatro, salas para cursos e ensaios, galeria de arte, biblioteca e um galpão que serve para residências de outras companhias e oficinas para comunidades carentes. “É o meu projeto de vida, nele apliquei boa parte do que ganhei na televisão.” Foi lá que Guerreiro Lopes, Melo, Bartelli e Andréia deram a largada, em duas semanas de maio, aos ensaios de Mutações. “É fascinante ver o Melo andando por aquela natureza, tranquilo, como o dono do campo, se tornando o ancião que imaginava no palco”, comenta o diretor.

    Nessa nova fase, a TV deixou de ser prioridade – até porque o contrato com a Globo terminou em janeiro. Há poucos dias, ele foi sondado para a segunda temporada da série Os Outros, do Globoplay. Respondeu que adora a ideia, mas, além de Mutações, tem um projeto sobre Shakespeare com o diretor Eric Lenate e só toparia se gravasse em dias que não batessem com o teatro. Ficaram de pensar. “Estou com toda a liberdade do mundo e a vida estruturada”, diz ele. “Agora, quero fazer acontecer minhas ideias no Campo das Artes.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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