• Uma ficção para resgatar Frida Kahlo

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  • 06/07/2023 07:01
    Por Matheus Mans / Estadão

    Nayeli é uma jovem que, depois de fugir de casa, chega indefesa à Cidade do México. Mas, graças às suas maravilhosas habilidades na cozinha, ela encontra um lugar na Casa Azul, onde a pintora Frida Kahlo (1907-1954) vive praticamente isolada desde o acidente que a deixou paraplégica, em 1925.

    Entre sabores, aromas e cores, a pintora e sua nova cozinheira iniciam uma amizade que marca profundamente o destino de ambas – e o dia a dia das duas constitui a história de A Cozinheira de Frida, livro lançado pela editora Planeta.

    Diferentemente de uma biografia, o que a argentina Florencia Etcheves escreve é uma ficção que une elementos do mundo real – Frida, seus gostos, comportamentos e arte ao que é criado por Florencia -, à história de Nayeli e de sua neta, décadas depois, passada em Buenos Aires.

    “Deixei minha escritora interior agir e criei Nayeli, a cozinheira, para que ela fosse o artifício que me permitiria narrar, por meio de sua trajetória dramática, um pedacinho da história de um país maravilhoso como o México”, explica ela em entrevista ao Estadão.

    O resultado é um livro apaixonante: se, de um lado, traz a história de Frida e de Nayeli se entrelaçando e trazendo aspectos biográficos da artista mexicana que emocionam, do outro vêm à tona os aromas e sabores da cozinha mexicana que servem como forma de comunicação entre as duas. É um livro com cheiro, cor e sabor. Emociona e empolga. A partir disso, Florencia Etcheves constrói os temas desenvolvidos nesta conversa.

    Como surgiu a ideia do livro? E de onde veio esse desejo de falar sobre Frida Kahlo?

    Foi uma proposta de Sergio Vilella e Gabriel Sandoval, da editora Planeta México: um romance policial com Frida Kahlo. Admito que fiquei chocada. Como escrever um romance sobre um país que não é o meu e uma época que não é a minha? Tive de recorrer às minhas ferramentas de anos como jornalista investigativa e me lancei nessa aventura. Viajei para o México e ali começou a jornada de criação mais fascinante que já tive: mergulhar de cabeça em outra cultura, por meio de Frida e seu marido, Diego Rivera. A ideia não era escrever uma biografia ou uma investigação jornalística, então deixei minha escritora interior agir e criei Nayeli Cruz, a cozinheira, para que ela fosse o artifício que me permitisse narrar, por meio de sua trajetória dramática, um pedacinho da história de um país maravilhoso como o México.

    O livro está repleto de aromas e sabores. Como foi o processo de falar sobre uma cozinheira e dar tanta importância à comida na narrativa?

    Eu sabia que queria escrever um romance em dois tempos: o passado no México e o presente em Buenos Aires; então, o elo, que era Nayeli, tinha que ser uma senhora mais velha, uma avó. E a voz da minha avó veio até mim, aquela voz que sempre me dizia que as pessoas que te criam não são aquelas que te ensinam boas maneiras ou leitura, mas sim aquelas que te alimentam. Segui o conselho dessa voz e decidi que Nayeli seria uma cozinheira, alguém que cria, cuida e ama por meio da comida. O resto foi fácil: o México é um dos berços de sabores e texturas culinárias. Trabalhar com essas texturas enriqueceu o romance e o universo da minha protagonista, Nayeli Cruz, a cozinheira de Frida.

    Como vê a importância da comida como um elo entre as pessoas? Pode ser uma forma de comunicação?

    Absolutamente. A comida é uma linguagem e, muitas vezes, faz parte da identidade patriótica dos países. No meu país, a Argentina, por exemplo, se reunir para comer um churrasco é sinônimo de amizade, camaradagem e laços familiares. Comer um “assadito”, como dizemos, é um plano que nunca é feito sozinho. Quanto mais pessoas na mesa, melhor. E também, a comida nos traz o sabor da pátria dos nossos avós. Minha avó era espanhola: sua paella, sua empanada galega, sua tortilla me fizeram conhecer a Espanha muito antes de atravessar o Atlântico de avião. O mesmo acontece com aqueles que têm avós italianas.

    Como foi a experiência de escrever ficção histórica? É um processo de escrita diferente?

    Foi uma deliciosa fascinação. Meu trabalho como jornalista investigativa teve muito a ver com isso; eu me dou bem com o mundo dos dados. Tenho meu próprio método de catalogar informações e hierarquizá-las, e não tenho medo de passar horas e horas diante de documentos, textos ou processos judiciais. Eu adoro essa tarefa. Sou um “bicho de bibliotecas”, como se diz no meu país. Além disso, sou tremendamente curiosa e não tinha muitas informações sobre Frida. Senti que todo esse trabalho era como conhecer uma nova amiga enquanto tomava tequilas.

    Como construiu a partir da história a sua escrita?

    Quanto ao processo de escrita, não foi muito diferente dos meus outros processos, sou muito metódica e sempre faço minhas tabelas com linhas do tempo, meus cadernos para desenvolver personagens, meus cartões com arcos dramáticos e tramas. Só começo a escrever quando tenho tudo isso bem definido e pensado em detalhes. E sempre começo pelo final. Se não tenho o final, não sei para onde ir. O final da história é meu guia. O desafio é chegar a esse final de maneiras mais interessantes e divertidas.

    A Cozinheira de Frida

    Florencia Etcheves

    Tr.: Marianna Muzz

    Editora Planeta

    496 págs., R$ 109,90

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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