Por uma questão de ética
Ainda estou movido por uma onda nostálgica depois que me deparei com o que é possível ser feito pela Inteligência Artificial (IA). Mas também apreensivo diante das consequências do uso indevido das ferramentas tecnológicas.
Inquestionavelmente, há um monopólio formado pelas “big techs”, empresas do setor privado com grande domínio em Tecnologia da Informação (TI), como Microsoft, Alphabet, OpenAI, Anthropic. Por isso que as nações literalmente estão “correndo atrás” para regulamentar, para estabelecer limites no que se refere ao avanço tecnológico.
A União Europeia, em 2021, deu início à elaboração da Lei de Inteligência Artificial. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a vice-presidente, Kamala Harris, com o propósito de impor limites e critérios éticos no uso de tais ferramentas, na quinta-feira passada (04/05), receberam, na Casa Branca, representantes das principais empresas que trabalham com Inteligência Artificial. Disse Kamala Harris, nesse encontro: “O setor privado tem responsabilidade ética, moral e legal de garantir segurança dos produtos”.
No Brasil, ainda está em discussão o Projeto de Lei 2630/20 que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet com o propósito de criar medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Twitter e Facebook e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, além dos serviços de uso corporativo e e-mail. Mas nada disso seria necessário se houvesse obediência a um princípio básico: a Ética.
Todos têm conhecimento das consequências drásticas provocadas por “fake news”, pelas notícias falsas. O problema não está no avanço da tecnologia, mas no uso nocivo das ferramentas digitais. Por isso que o Estado precisa proteger a sociedade, criando parâmetros, normas de conduta para uso adequado de tais fermentas.
Hoje a preocupação maior está voltada para a Inteligência Artificial generativa, uma vez que, por esse sistema, é possível criar textos, imagens similares à realidade, músicas, poemas, vídeos como se fossem produzidos por humanos. Há casos em que as diferenças entre o real e o virtual são quase imperceptíveis. É nesse ponto que concentram as maiores preocupações, uma vez que o falso se assemelha ao verdadeiro. Teses, monografias, poemas podem surgir com apenas um toque no “enter”.
Outro problema que precisa receber a nossa atenção está relacionado a “deepfakes” (deep – profundo, fake – falso). É possível criar vídeos falsos com a imagem de uma pessoa proferindo um discurso que nunca tenha feito. É possível criar expressões faciais, áudios, simulando o pronunciado de uma pessoa real em um contexto em que ela nunca esteve. Uma imagem criada artificialmente e lançada nas redes sociais pode provocar sérios danos. Por isso é preciso criar regras para proteger a privacidade.
Há uma preocupação também com a interferência da Inteligência Artificial na área de segurança pública, principalmente pela criação de imagens falsas e acesso a sistemas biométricos de identificação. É possível também que ela possa interferir em sistemas de serviços públicos como abastecimento de água, energia elétrica, controle de trânsito…
Com os recursos fornecidos pela Inteligência Artificial, o conceito de “pós-verdade” ganhou mais consistência, uma vez que existe a possibilidade de manipular não só discursos, mas também imagens que possam ferir a idoneidade de uma pessoa. Danos morais, às vezes, são irreversíveis.
Não sou adepto do alarmismo, mas não escondo a minha preocupação com as consequências da falta de princípios norteadores do uso das ferramentas geradas pela IA. Nesta era digital, a integridade de cada indivíduo encontra-se mais vulnerável.
Outro ponto preocupante está na exclusão digital. Trabalho com a Educação de Jovens e Adultos. Deparo-me, todos os dias, com as dificuldades de vários estudantes para ter acesso a uma plataforma com o objetivo de obter conteúdos educacionais. Muitos não têm uma internet de qualidade, além de apresentar uma inabilidade para navegar no mundo digital.
“Baixar aplicativo” é uma expressão que assusta quem ainda não é alfabetizado. Assim como há quem faça operações bancárias via celular, há também quem precise de ajuda para usar o caixa eletrônico.
E a nostalgia que ainda carrego vem pelas lembranças de uma época em que a palavra empenhada era código de honra. Período em que os princípios éticos eram levados mais a sério. Não se trata de moralismo, mas da prática da sinceridade em que a “verdade verdadeira” (vera veritas) vivia mais exposta no meio social.