• Cristãos na Terra Santa sofrem ataques da extrema direita

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  • 21/04/2023 15:06
    Por Isabel Debre, Associated Press / Estadão

    O chefe da Igreja Católica Romana na Terra Santa alertou em uma entrevista que a ascensão do governo de extrema direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu piorou a vida dos cristãos no berço do cristianismo.

    O influente patriarca latino nomeado pelo Vaticano, Pierbattista Pizzaballa, contou à Associated Press que a comunidade cristã da região, que existe há 2.000 anos, vem sofrendo crescentes ataques, e o governo mais à direita da história de Israel encoraja os extremistas, que atacam o clero e vandalizam lugares religiosos num ritmo cada vez mais acelerado.

    O aumento dos incidentes contra os cristãos coincide com um momento em que o movimento colonizador israelense, estimulado por seus aliados no governo, está aproveitando para expandir suas atividades na capital disputada.

    “A frequência desses ataques, as agressões, se tornou algo novo”, disse Pizzaballa, durante a semana da Páscoa, em seu escritório escondido entre as passagens calcáreas do Bairro Cristão da Cidade Antiga. “Essas pessoas se sentem protegidas (…) que a atmosfera cultural e política atual pode justificar, ou tolerar, ações contra os cristãos.”

    As preocupações de Pizzaballa parecem se contrapor ao declarado compromisso de Israel com a liberdade de culto, consagrado na declaração que marcou a fundação do país, 75 anos atrás. O governo israelense enfatizou que prioriza a liberdade religiosa e as relações com as igrejas, que têm fortes vínculos com o exterior.

    “O compromisso de Israel com a liberdade religiosa sempre foi importante para nós”, diz Tania Berg-Rafaeli, diretora do departamento de religiões mundiais no Ministério das Relações Exteriores de Israel. “É o caso de todas as religiões e minorias que têm livre acesso aos locais sagrados.”

    Mas os cristãos dizem que as autoridades não protegem seus locais de ataques direcionados. E as tensões aumentaram depois que uma operação da polícia israelense no complexo da sagrada Mesquita de Al-Aqsa despertou indignação entre os muçulmanos, e um conflito regional duas semanas atrás.

    Para os cristãos, Jerusalém é onde Jesus foi crucificado e ressuscitou. Para os judeus, é a antiga capital, que abriga dois templos judaicos bíblicos. Para os muçulmanos, é onde o profeta Maomé ascendeu ao céu.

    O desprezo acumulado sobre a minoria cristã não é novidade na fervilhante Cidade Antiga, um foco de tensões que o governo israelense anexou em 1967. Muitos cristãos se sentem espremidos entre judeus e muçulmanos, israelenses e palestinos.

    Mas, atualmente, o governo de extrema direita de Netanyahu inclui lideranças colonialistas em posições importantes – como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, que foi condenado criminalmente em 2007 por incitação de racismo anti-árabe e apoio a um grupo judeu militante.

    Sua influência fortaleceu os colonizadores israelenses que buscam consolidar o controle dos judeus sobre a Cisjordânia ocupada e Jerusalém oriental, alarmando as lideranças eclesiásticas que veem essas iniciativas – incluindo o plano do governo de criar um parque nacional no Monte das Oliveiras – como uma ameaça à presença cristã na cidade sagrada. Os palestinos reivindicam Jerusalém oriental como capital do estado que esperam ter.

    “Os elementos de direita estão empenhados em judaizar a Cidade Antiga e outras terras, e sentimos que nada os impede agora”, disse Don Binder, pastor da Catedral Anglicana de São Jorge, em Jerusalém. “As igrejas têm sido o principal obstáculo.”

    Atualmente, há cerca de 15.000 cristãos em Jerusalém, a maioria palestinos, mas já foram 27.000 – antes que as dificuldades posteriores à guerra no Oriente Médio em 1967 estimulassem muitos do grupo tradicionalmente próspero a emigrar.

    2023 está a caminho de se tornar o pior ano para os cristãos em uma década, segundo Yusef Daher, do Centro Interigrejas, grupo que faz uma coordenação entre as denominações.

    Agressões físicas e assédio aos membros do clero muitas vezes não são objeto de denúncia, de acordo com o centro. A organização documentou pelo menos sete casos graves de vandalismo contra propriedades da igreja entre janeiro e meados de março – um aumento acentuado em comparação com os seis casos contra os cristãos registrados durante todo o ano de 2022. Lideranças da igreja culpam os extremistas israelenses pela maioria dos incidentes, e dizem temer um aumento ainda maior.

    “Essa escalada trará cada vez mais violência”, disse Pizzaballa. “Criará uma situação muito difícil de corrigir.”

    Em março, dois israelenses invadiram a basílica ao lado do Jardim de Getsêmani, onde se diz que a Virgem Maria teria sido enterrada. Eles atacaram um padre com uma barra de metal antes de serem presos.

    Em fevereiro, um religioso judeu americano arrancou do pedestal uma representação de Cristo de 3 metros de altura e a espatifou no chão, golpeando seu rosto com um martelo dezenas de vezes, na Igreja da Flagelação da Via Dolorosa, pela qual Jesus teria arrastado sua cruz a caminho da crucificação. “Sem ídolos na cidade sagrada de Jerusalém!”, ele gritou.

    Os armênios encontraram pichações de ódio nos muros de seu convento. Clérigos de todas as denominações contam já terem sofrido perseguição e agressão, e terem até recebido cusparadas em seu caminho até a igreja. Em janeiro, religiosos judeus derrubaram e vandalizaram 30 sepulturas marcadas com cruzes de pedra em um cemitério cristão histórico na cidade. Dois adolescentes foram presos e denunciados por causar danos e insultar a religião.

    Mas os cristãos alegam que a polícia israelense não vem levando a sério a maioria dos ataques. Em um dos casos, George Kahkejian, de 25 anos, conta que foi espancado, preso e detido por 17 horas, no começo deste ano, depois que uma multidão de colonizadores judeus escalou seu convento cristão armênio para rasgar a bandeira. A polícia não fez comentários imediatos.

    “Percebemos que a maioria dos incidentes em nosso bairro permanecem impunes”, reclamou o padre Aghan Gogchian, chanceler do Patriarcado Armênio. Ele manifestou sua decepção com a frequente insistência das autoridades em alegar que os casos de profanação e ameaça não estariam ligados ao ódio religioso, mas à doença mental.

    A polícia israelense diz ter “investigado minuciosamente (os incidentes) independentemente da origem ou da religião”, e ter realizado “prisões rápidas”. O município de Jerusalém está aumentando a segurança para as procissões da Páscoa ortodoxa, que ocorrerão em breve, e criando um novo departamento de polícia para lidar com ameaças por motivação religiosa, disse o vice-prefeito, Fleur Hassan-Nahoum.

    A maioria das principais autoridades israelenses permaneceu em silêncio quanto aos atos de vandalismo, enquanto as medidas do governo – como uma proposta de lei criminalizando o proselitismo cristão e planos para transformar o Monte das Oliveiras em parque nacional – provocaram revolta não apenas na Terra Santa.

    Netanyahu prometeu impedir o avanço do projeto de lei, após pressão de indignados cristãos evangélicos dos Estados Unidos. Os evangélicos, que estão entre os maiores defensores de Israel, consideram o estado judeu o cumprimento de uma profecia bíblica.

    Enquanto isso, as autoridades de Jerusalém confirmaram que estão avançando com o polêmico plano de zoneamento para o Monte das Oliveiras – um local sagrado de peregrinação com dezenas de igrejas históricas. As lideranças cristãs temem que a criação do parque possa impedir seu crescimento e invadir suas terras. Os assentamentos judaicos que abrigam mais de 200.000 israelenses já circundam a Cidade Antiga.

    A Autoridade de Parques Nacionais de Israel prometeu a adesão das igrejas e disse que espera que o parque “preserve áreas valiosas como áreas abertas”.

    Pizzaballa discorda. “É uma espécie de confisco”, diz.

    As tensões latentes na comunidade chegaram ao auge durante os rituais ortodoxos de Páscoa, quando a polícia de Israel anunciou cotas rígidas para os milhares de peregrinos que participariam do rito do “Fogo Sagrado” na Igreja do Santo Sepulcro.

    Alegando preocupações de segurança quanto às tochas acesas sendo levadas em meio a grandes multidões na igreja, as autoridades limitaram a cerimônia de sábado a 1.800 pessoas. Os padres, que viram a polícia abrir os portões sem restrições para os judeus que celebraram a Páscoa judaica, que este ano coincidiu com a cristã, alegaram discriminação religiosa.

    Recentemente, o bispo Sani Ibrahim Azar, da Igreja Evangélica Luterana em Jerusalém, disse que tem dificuldade em encontrar respostas quando seus fiéis perguntam por que deveriam arcar com o duro preço de viver na Terra Santa. “Há coisas que nos deixam preocupados com nossa própria existência”, diz. “Mas, sem esperança, cada vez mais de nós iremos embora.”

    (Com Maria Grazia Murru)

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