Petrópolis Crédito Móvel: trilhando o amanhã
Frente a frente com o futuro. Era essa a sensação de quem parecia percorrer o mundo com o olhar. Fascinante, a loja era fluida como a água: difícil dizer onde a realidade terminava e a ilusão começava. Peixes num oceano, os visitantes da Petrópolis Crédito Móvel eram encorajados a repensar suas fronteiras.
“Quando era dia de ir na Crédito Móvel, me sentia no paraíso. A loja era muito iluminada e, aos meus olhos de meninoca, era tudo lindíssimo”. Dizem que o tempo não apaga o que o coração já gravou e talvez seja por isso que as recordações da aposentada Janske Niemann, de 85 anos, permanecem inabaláveis.
Ela, que se mudou de Petrópolis há 60 anos, volta aos tempos de infância quando o nome do estabelecimento é trazido à tona. “Era um programão ir lá! Para a época, aquela loja era muito pra frente. Era nosso sonho. Suspeito que meus pais fossem lá, em parte, para agradar a mim e minha irmã, que nos perdíamos no setor de brinquedos”, diz encantada.
Difícil é encontrar quem não tenha se rendido aos encantos da seção, sinônimo de alegria e sorriso sem medo. O psicoterapeuta Newton Amado, de 80 anos, jamais se esqueceu dos presentes que ganhou no Natal de 1942. Ainda menino, ele teve o privilégio de levar dois itens para casa.
“Ganhei um cavalinho daqueles antigos de madeira com rodinha e balanço, e um revólver de repetição, em que era possível dar vários tiros seguidos, muito moderno. Naquela época existia uma história de um cowboy cujo cavalo branco se chamava Vagalume. Daí decidi apelidar o meu com o mesmo nome”, ri Newton.
Miragem ou realidade?
“Fecho os olhos e ainda vejo a loja na minha frente”. Assim como Newton, quem mantém vivas as lembranças da Crédito Móvel é a autônoma Neyse de Aguiar Lioy, de 83 anos. Ela conta que precisou amadurecer muito cedo depois da mãe ter sido diagnosticada com um problema no coração e que, por isso, era ela quem auxiliava o pai nas compras de Natal, feitas na loja.
“Era a única loja em Petrópolis em que você comprava desde agulha e linha a barco ou lancha. Eu ajudava a fazer as compras de Natal para os meus irmãos, sem que eles soubessem. Isso me deixava muito orgulhosa porque eles ainda acreditavam em Papai Noel”, diz ela.
Neyse ressalta que os brinquedos refletiam os tempos de guerra vividos na época. “Se você pensar, entre 1939 e 1945, a Segunda Guerra Mundial estava acontecendo e, mesmo depois de ter terminado, os jeeps de latão eram uma imitação dos carros do exército. Era o grande presente para os meninos”.
Para os garotos, além dos jeeps, eram vendidos também soldadinhos de chumbo. “Eles montavam aqueles exércitos com tanque e canhão. Além disso, naquela época ainda existiam muitos filmes de cowboy, índio, mocinho e bandido, então tinham muitos fortes apaches, imitando os filmes americanos”, relembra a petropolitana das influências do cinema da época.
Outra pessoa que associa os dias natalinos à loja de departamentos é a aposentada Maria Magdalena de Oliveira Saldanha, de 80 anos. Ela, que morava no Centro, menciona que um de seus divertimentos era ir até a loja com a irmã e conferir as novidades do mundo dos brinquedos. Contudo, havia uma regra imposta pela mãe:
“Na porta ficava um Papai Noel gigante e minha mãe dizia que se não nos comportássemos, ele fecharia as pernas e não nos deixaria entrar. Chegamos até a tentar contorná-lo. A loja era muito bonita e toda envidraçada. De dentro você via lá fora, mas a verdade é que a gente queria mesmo era olhar pra dentro”, ri Maria Magdalena.
O inventor por trás da obra
“As pessoas que trabalhavam com meu avô, Osório Magalhães de Salles, ficavam loucas com sua imaginação”. Apesar de não tê-lo conhecido, o neto, César Luís Salles de Souza, de 55 anos, nutre grande admiração por aquele que, já em 1928, era descrito pela imprensa como um “sonhador platônico de espírito empreendedor”.
César cresceu ouvindo as histórias da avó, Maria Eugênia Pereira de Sousa Salles, sobre o marido que, na Petrópolis Crédito Móvel, projetou seu entusiasmo pelo futuro da cidade. Ele dá detalhes sobre o empreendimento desenvolvimento pelo doutor Osório que, nascido na Bahia, foi também fundador e presidente do Banco de Petrópolis.
“Segundo minha avó, o negócio se chamava Petrópolis Crédito Móvel porque foi o meu avô quem trouxe e implantou o sistema de crediário na cidade. Na década de 30 a loja já existia na Avenida XV de Novembro. Sé depois ela se mudou para a Paulo Barbosa”.
A deslumbrante fachada era inesquecível, sendo um dos destaques o tanque de peixes localizado em frente a ela. Porém, o que poucos conheciam era a residência de Osório. Localizada atrás do negócio, era reflexo de seu espírito criativo e futurista.
“Meu avô fez da própria sala de estar, na década de 30, uma espécie de deck de navio porque instalou uma piscina no cômodo. Minha avó contava que, quando eram dadas festas, ele a esvaziava, colocava a orquestra dentro e as pessoas dançavam ao redor. Soube também que ele chegou a criar um sistema que criava uma queda d’água na piscina quando chovia”, diz enquanto o fascínio toma conta de sua voz.
E era assim, atônito, que quem se aproximava da Petrópolis Crédito Móvel se sentia. Ao invés de intimidar, a imponência da construção era intrigante: unia visitantes que, como num cardume e, em lógica natural, nadavam sincronizados em direção ao futuro.