• Conjunto Chácara Flora: 443 famílias lutam pela regularização de imóveis

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  • 09/09/2018 08:00

    Em outubro de 1986, a aposentada Maria Pinheiro de Carvalho, de 81 anos, vivia o sonho de conquistar a casa própria. Contemplada com um dos 443 imóveis do Condomínio Chácara da Flora, no Sargento Boening, nos idos dos anos 80, ela e a família (o marido e três filhos) se mudaram para o local com a esperança de terem seu “próprio cantinho”. No entanto, passados 32 anos da entrega das chaves, o apartamento ainda não foi legalizado devido a um impasse sobre os preços dos imóveis. A Caixa Econômica Federal (CEF) e a Cooperativa Habitacional de Petrópolis (COOHAPEL) – responsável pela construção do condomínio – até hoje não se entenderam em relação aos valores e com isso os moradores nunca conseguiram pagar as hipotecas e consequentemente não obtiveram as escrituras definitivas registradas em cartório.

    O impasse foi parar na justiça e uma ação tramita na 2ª Vara Federal de Petrópolis. Durante todos esses anos as famílias do Condomínio Chácara da Flora vivem com a apreensão de perderem os imóveis. O medo de serem despejados se tornou mais presente em janeiro deste ano, quando os moradores começaram a receber cartas de cobrança de uma empresa chamada MPL Participações, que se apresenta como proprietária dos imóveis. Segundo a Defensoria Pública, que está atendendo os moradores, como a lei prevê o fim da dívida pelo decurso do tempo e isso já aconteceu no caso em questão, não há mais nada a pagar pelas unidades habitacionais construídas pela COOHAPEL com financiamento da Caixa Econômica Federal e pela destinação a pessoas que não tinham casa própria mediante sorteio e entrega das chaves na época devidamente realizada.

    “Quando recebi a carta fiquei assustada, com medo que fossem me tirar da minha casa. Nós sempre quisemos pagar pelo apartamento, não temos culpa do que aconteceu”, disse a aposentada Maria Pinheiro. Assim que recebeu a carta ela procurou a Defensoria Pública para buscar orientações. “Eles ficaram passando com um carro de som pelo condomínio dizendo que eram os novos proprietários. Era intimidação, quem não fosse negociar com eles e pagar o que pediam corria o risco de perder o imóvel que pode ser até vendido para outras pessoas”, contou a filha da aposentada, Mariangela Pinheiro de Carvalho, de 51 anos.

    Esta semana, a Defensoria Pública obteve decisão liminar favorável para que seja expedido mandado de manutenção na posse à moradora Maria Pinheiro e para que fique proibida a venda do apartamento dela pela MLP e pela COOHAPEL, rés no processo. De acordo com a Defensoria, a decisão poderá ser estendida às demais famílias.

    Na manhã desse sábado (8), o coordenador da Região 6 da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, defensor público Cleber Francisco Alves esteve no condomínio para orientar as famílias sobre as cartas de cobrança e a decisão da Justiça Federal. “Esse é um caso emblemático de garantia do direito fundamental à moradia e envolve um impasse que ainda na década de 80 surgiu porque o custo estabelecido pela Caixa como preço base dos apartamentos era astronômico. Em valores atualizados, corresponderia a mais de R$ 2 milhões por unidade habitacional, o que para pessoas de baixa renda é algo absolutamente inviável. A renda mensal da idosa, por exemplo, é de dois salários mínimos”, explicou o defensor.

    O encontro com os moradores reuniu aproximadamente 250 pessoas. 

     “Nosso objetivo é informar o que a defensoria fez e pretende fazer sobre este caso e permitir que quem queira ser alcançado pela atuação do órgão possa manifestar seu desejo e receber a devida assistência jurídica. O formulário, que foi entregue hoje para os presentes, vai me permitir saber quem são as pessoas que querem ter seus interesses garantidos pela defensoria. Por hora, a preocupação é garantir a segurança da posse e, num segundo momento, vislumbrarmos os usocapião”, acrescentou.

    Os formulários serão recolhidos na próxima sexta-feira, das 14h às 19h, no próprio condomínio. O auxiliar administrativo Tarcísio Gomes, de 46 anos, mora há 18 anos em um dos imóveis do conjunto habitacional. “Eu vim aqui pegar informações sobre o processo e agora vou conversar com a minha esposa. Cada caso é um caso e cada um tem a sua verdade. Vamos analisar o que será melhor para nós”.

    Nos comunicados enviados aos moradores, a MLP Participações passou a informar sobre a aquisição das unidades habitacionais junto à COOHAPEL e a se apresentar como nova proprietária, anunciando ainda o início das negociações para o pagamento dos cerca de R$ 150 mil por cada imóvel. “Checamos que no Cartório de Registro de Imóveis que a COOHAPEL continua sendo oficialmente a proprietária do condomínio.

    Ainda no cartório foi observada a existência de uma hipoteca concedida pela COOHAPEL em favor da Caixa, na época da construção do empreendimento e com registro em março de 1980. Válida por 30 anos, a garantia não foi renovada e por isso também deixou de existir pelo decurso do tempo que, no caso, já é de quase 40 anos. Já em relação às cobranças das prestações que nunca aconteceram para os moradores ao longo dessas décadas nem mesmo na Justiça, o fato ocorreu pela inércia da COOHAPEL e também pela ausência de celebração de contrato de financiamento com os moradores, ou seja, as negociações aconteceram somente entre a instituição financeira e a cooperativa e ainda assim o impasse persistiu”, explicou o defensor.

    A Defensoria Pública apurou também a existência de um acordo celebrado em novembro de 2016 entre a COOHAPEL, a MLP Participações e a Caixa no qual a instituição financeira estipula o valor total da dívida dos apartamentos em mais de R$ 1 bilhão (ou seja, cada unidade ficaria em torno de R$ 2,6 milhões para o morador). Também foi verificado que houve a concessão de um desconto de 99,4% à MLP e com isso o valor total a ser pago ficou em menos de R$ 7 milhões, sendo, em média, R$ 15 mil por imóvel.

    “Embora a MLP esteja fixando para os moradores o valor de cada apartamento em cerca de R$ 150 mil, a empresa vai pagar à Caixa por cada um apenas R$ 15 mil em média”, disse o defensor. O contrato firmado entre as partes foi levado ao conhecimento do Ministério Público Federal (MPF) que instaurou procedimento investigatório.  



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