Irlanda do Norte celebra 25 anos de acordo de paz em meio a escalada nos conflitos
O acordo de paz da Sexta-Feira Santa, que colocou um ponto final nos conflitos armados na Irlanda do Norte, celebra 25 anos em meio a novas tensões na região. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deve participar das comemorações do aniversário do tratado em cerimônia nesta terça-feira, 11, em Belfast, capital da Irlanda do Norte, junto com o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak.
Costurado no dia 10 de abril de 1998, o tratado encerrou um período de 30 anos de conflito no país, redesenhando o xadrez político e social da Irlanda do Norte.
O Acordo da Sexta-Feira Santa, que também é conhecido como Acordo de Belfast, encerrou um capitulo violento na história da Irlanda do Norte, com a morte de mais de 3,5 mil pessoas.
A Irlanda do Norte se tornou uma entidade política autônoma em 1921 e é a única nação constituinte do Reino Unido que não faz parte da Grã Bretanha. O país divide o território da Ilha da Irlanda com a República da Irlanda, país que se tornou independente e que faz parte da União Europeia (UE).
A divisão entre os dois países na ilha também demarcou duas opiniões distintas na Irlanda do Norte entre aqueles que preferiam que o país continuasse dentro do Reino Unido, as forças unionistas pró-Reino Unido, e os que gostariam que o território fizesse parte da República da Irlanda, os nacionalistas republicanos.
Os líderes nacionalistas eram majoritariamente católicos enquanto a maioria dos unionistas era protestante.
Durante os anos 60, diversos grupos terroristas de ambos os lados do impasse foram criados no país, arquitetando bombardeios e ataques armados. Do lado das forças unionistas, o principal grupo era a Força Voluntária do Ulster (UVF), enquanto os republicanos tinham o Exército Republicano Irlandês (IRA).
Relembre como foi selado o acordo de paz da Irlanda do Norte
O acordo de Belfast, que foi costurado com a ajuda dos governos de Estados Unidos, Irlanda e Reino Unido, estabeleceu um novo governo na Irlanda do Norte, que conta com a representação de nacionalistas e unionistas, além da criação de uma Assembleia da Irlanda do Norte, que fica na região de Stormont, em Belfast.
Além disso, Londres se comprometeu a devolver o controle de setores como educação e saúde para a Irlanda do Norte e que pessoas nascidas na província tem direito a nacionalidade irlandesa, britânica ou ambas.
O tratado de paz também prevê que a Irlanda do Norte só pode sair do Reino Unido por meio de um referendo, caso a maioria da população opte pela independência e os grupos armados de ambos os lados do conflito concordaram em entregar as armas e os militantes que estavam na prisão foram soltos.
O impasse com o Brexit
Apesar do aniversário do acordo da Sexta-Feira Santa, o clima na Irlanda do Norte é de cautela desde que o Reino Unido optou pela saída da União Europeia (UE) em um movimento chamado de Brexit, que entrou em vigor em fevereiro de 2020.
A parte mais sensível da ruptura entre Bruxelas e Londres era a situação da Irlanda do Norte. O acordo que foi chancelado em 2020 colocava Belfast como parte do mercado único europeu, com o intuito de evitar uma fronteira física entre Irlanda do Norte e Irlanda. Contudo, a medida irritou os unionistas, que temiam um afastamento da região do Reino Unido, aumentando a retórica republicana de unificação com a Irlanda.
Em fevereiro deste ano, Reino Unido e União Europeia chegaram a um entendimento, chamado de “Acordo de Windsor”, que tenta evitar uma rachadura no acordo de Sexta-Feira Santa. O tratado indica que os produtos que chegarem ao Reino Unido através da Irlanda Norte não serão mais sujeitos aos controles que as mercadorias que seriam exportadas para a Irlanda, que faz parte da União Europeia.
O texto do acordo ainda precisa ser chancelado pelos principais partidos da Irlanda do Norte, o Partido Unionista Democrático (PUD) e o nacionalista Sinn Féin, antiga ala política do IRA.
A província do Reino Unido vive uma forte crise política e está sem líder funcional desde que Paul Givan, do PUD, renunciou ao cargo em fevereiro do ano passado em protesto em relação as regras comerciais vigentes pró-Brexit.
Em maio de 2022, o Sinn Féin foi o mais votado nas eleições, conquistando 27 dos 90 assentos da Assembleia de Belfast. Com isso, o cargo de primeira-ministra do governo local seria de Michelle O´Neill, líder do Sinn Féin. Já o cargo de vice-primeiro-ministro caberia ao PUD, por conta do Acordo da Sexta-Feira Santa. Contudo, os unionistas se recusam a formar uma nova coalizão, em protesto as regras comerciais vigentes pós-Brexit.
A data limite para a formação de um novo governo expirou em janeiro deste ano, o que significaria a realização de novas eleições na Irlanda do Norte. Porém, Londres optou por aumentar o período de negociações até janeiro do ano que vem, dando mais tempo para que os partidos cheguem a um acordo.
Novos protestos e volta do terrorismo
Em meio à ebulição política, uma nova onda de sentimentos pró-unificação levou a volta de protestos e atentados. Na segunda-feira, 10, manifestantes republicanos nacionalistas entraram em confronto com a polícia na cidade de Londonderry, perto da fronteira com a Irlanda e segunda maior cidade do país. Em fevereiro, o policial John Caldwell, de 48 anos, foi alvo de um ataque a tiros em uma ofensiva reivindicada pelo Novo Exército Republicano Irlandês (IRA), herdeiro do principal grupo paramilitar durante os anos de conflito na região.
A escalada nas tensões passou a preocupar Londres, que aumentou o nível de alerta para ataques terroristas na Irlanda do Norte, de “substancial” para “severo”. Esta foi à primeira vez em 12 anos que o Reino Unido aumentou a escala de alerta. Na escala usada por Londres, o nível “severo” fica atrás apenas de “crítico”.
O sentimento pró-unificação também foi reforçado pelos dados oficiais do censo, que foram publicados em setembro do ano passado e mostraram que o número de católicos ultrapassou o de protestantes na Irlanda do Norte pela primeira vez. Segundo o censo, 42,3% da população da província se identificam como católica, enquanto 37,3% das pessoas se dizem protestantes. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)