• As charretes da discórdia

  • 25/08/2018 09:00

    Quando voltei a residir aqui, o assunto tinha mudado de patamar, com ares de gravidade, a ponto de ir a plebiscito. A princípio, não comungo com os que pretendem nos cavalos “vacas sagradas” intocáveis, que jamais podem trabalhar em auxílio de humanos. Mesmo com o incremento no uso de motocicletas no campo, cavalos ainda são necessários às lidas rurais. Quem já teve a sorte de frequentar uma fazenda e, ainda mais, de cavalgar, perceberá como, em certas tarefas e terrenos o animal segue imprescindível. 

    No Nordeste, é o jumento, nas mesmas funções. Animal querido, a ponto de Luiz Gonzaga ter consagrado a divertida e bela Apologia ao Jumento em que o qualifica como “o maior desenvolvimentista do sertão”. Cita o Padre Vieira: “o jumento é nosso irmão”. Lembra Cristo, num jumento fugindo da matança de Herodes, como num jumento adentrando Jerusalém de forma triunfal. Louva o animal, e acusa a maldade do homem que retribui aos seus serviços, com “pancada, pau nas pernas, pau no lombo”, explorando o animal mesmo quando já exausto de cargas. E este é o ponto. Maus tratos.

    Animais em charretes turísticas morrem de exaustão. O freio na boca, os arreios, os antolhos, o chicote, o peso das pessoas e da charrete, tudo isso causa escaras, feridas, doenças, problemas ósseos, exaustão e encaminha o animal para a morte precoce. 

    Charreteiros, em geral, são pessoas sem estrutura econômica para manter os animais nas condições ideais. Sem querer mal julgá-los, mas precisando botar comida na mesa, não dispensarão turistas, mesmo se os cavalos estiverem exaustos. A autoridade municipal tem sido incapaz de regularizar e fiscalizar o serviço de modo que os animais tenham jornada e tratamento dignos. E há o evidente embaraço que as carruagens provocam num trânsito já caótico e que, com seu barulho, sua confusão e seus gases, causam sofrimento adicional aos animais.

    Afora Petrópolis, há registros de cavalos desabando e morrendo, em Parati, Campos do Jordão, Poços de Caldas, São Lourenço e outras. Mas o problema é mundial. Nova Iorque cobra do prefeito Di Blasio sua promessa de campanha, de acabar com as charretes. O Egito protesta contra as jornadas de 20 horas de cavalos e camelos, em desertos, sem hidratação e alimentação adequada. Nas dunas do Nordeste, jegues e camelos sofrem diariamente ao sol escaldante. Em Petra, na Jordânia, cartazes recomendam ao turista que cheque se os animais estão cuidados, felizes e tratados, verificando se suportam o peso que carregarão. Em Montreal, depois de cavalos caírem pelas ruas, há movimentos para vedação do serviço. Em Roma, as charretes já foram proibidas e serão substituídas por veículos mecânicos. E nosso estado já tem lei em vigor (7.194/16), proibindo veículos puxados por cavalos ou jumentos. Mas além da ressalva aos ruralistas, a lei abre justamente a exceção turística, que nos leva ao presente debate.

    Então, depois de hesitar por um tempo, convenci-me. As charretes atentam sim contra artigo da Declaração dos Direitos dos Animais: “Nenhum animal será submetido a maus tratos nem a atos cruéis”. Votarei pelo fim das charretes, que podem ser substituídas por tuk-tuks ou carros de época, fazendo-se adequada realocação de mão de obra. (denilsoncdearaujo.blogspot.com)

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