Jesus aprendeu com as mulheres
Jesus é judeu e não cristão, mas rompeu com o antifeminismo de sua tradição religiosa. Considerando-se seus gestos e palavras percebe-se que ele está ligado a tudo o que pertence à esfera do feminino em oposição aos valores do masculino cultural, centrado na conquista e no submetimento dos outros. Ele encarna o que Blaise Pascal chamaria o esprit de finesse (espírito de finura e gentileza) em contraposição ao esprit de géometrie (o espírito de cálculo e de interesse).
Nele se encontram, com frescor originário, sensibilidade, capacidade de amar e perdoar, ternura para com os pobres e oprimidos, compaixão com os sofredores deste mundo, abertura indiscriminada a todos, especialmente a Deus, experienciado como Paizinho querido (Abba). Vive cercado de discípulos homens e mulheres. Desde o início de sua pregação peregrinante as mulheres o seguem (Lc 8,1-3; 23,49;24,6-10).
Em razão da utopia que prega – o Reino de Deus que implica uma libertação de todo tipo de opressão – quebra vários tabus que pesavam sobre as mulheres. Mantém uma profunda amizade com Marta e Maria (Lc 10,38); contra o ethos do tempo, conversa publicamente com uma herege samaritana, a sós, junto ao poço de Jacó, causando perplexidade aos discípulos (Jo 7,53-8,10); deixa-se tocar e ungir os pés por uma conhecida prostituta, Madalena (Lc 7,36-50); são várias as mulheres que foram beneficiadas com seu cuidado e carinho, curando-as como a sogra de Pedro (Lc 4,38-39), a mãe do jovem de Naim, ressuscitado por Jesus (Lc 7,11-17), a filhinha morta de Jairo, oficial romano (Mt 9,18-29), a mulher corcundinha (Lc 13,10-17), a pagã siro-fenícia, cuja filha, psiquicamente doente, foi libertada (Mc 7,26) e a mulher que sofria há doze anos de um fluxo de sangue (Mt 9,20-22). Todas elas foram curadas e consoladas.
Em suas parábolas ocorrem muitas mulheres, especialmente, pobres como a que extraviou a moeda (Lc l5,8-10), a viúva que depositou dois trocados no cofre do templo e era tudo o que tinha (Mc 12,41-44), a outra viúva, corajosa, que enfrentou o juiz (Lc 18,1-8). Nunca são apresentadas como discriminadas, mas com toda sua dignidade, à altura dos homens. A crítica que faz da prática social do divórcio, pelos motivos mais fúteis, e a defesa do laço indissolúvel do amor (Mc 10,1-10), representam intervenções, nitidamente, em favor da dignidade da mulher.
Se admiramos a sensibilidade feminina de Jesus, seu enternecimento face aos pobres e oprimidos, seu profundo sentido espiritual da vida, a ponto de ver sua ação providente em cada detalhe da vida, nos lírios do campo e nos sinais atmosféricos, então devemos também supor que ele aprofundou esta dimensão a partir de seu contato com as mulheres, aprendendo com elas e vendo a realidade a partir da sensibilidade delas.
Não devemos esquecer que elas nunca traíram Jesus, como Pedro e Judas. Nem foram embora após a execução de Jesus como os apóstolos acabrunhados. Ficaram ao pé da cruz.
Coisa inaudita: Jesus ressuscitado mostrou-se primeiro a Maria Madalena. Com voz doce Jesus, ressuscitado, diz: “Maria”. E ela, emocionada, responde: “Rabuni” (Mestre:Jo 20,16). O fato maior do cristianismo que o sustenta até hoje foi testemunhado, em primeiro lugar, por uma mulher, Maria Madalena. Por isso diz-se na tradição que “ela foi a apóstola dos apóstolos”, pois ela que lhes anunciou esse evento bem-aventurado.
Resumindo, a mensagem e a prática de Jesus significam uma ruptura com a situação imperante e a introdução de um novo tipo de relação, fundada não na ordem patriarcal da subordinação, mas no amor indiscriminado que inclui a igualdade entre o homem e a mulher. A mulher irrompe como pessoa, filha de Deus, destinatária do sonho de Jesus e convidada a ser, como os homens, também discípula e membro da nova comunidade messiânico-libertadora.
Leonardo Boff é teólogo e filósofo e escreveu: O rosto materno de Deus,Vozes 1979 muitas edições; com Rose-Marie Muraro, Feminino/masculino: uma nova consciência para o encontro das diferenças, Record 2010.