Spielberg, entre seu maior desafio e uma nova série sobre Napoleão
Steven Spielberg veio à Berlinale para receber um Urso de Ouro honorário de carreira. A Universal esperou para lançar Os Fabelmans na Alemanha durante o festival. O longa autobiográfico de Spielberg custou US$ 40 milhões e rendeu pouco menos de US$ 6 milhões nos cinemas norte-americanos. O fracasso de público foi compensado pela recepção da crítica. Spielberg, aos 76 anos, virou uma unanimidade. Concorre a todos os prêmios da temporada, ganhou páginas e páginas das mais importantes publicações especializadas de cinema do mundo – Cahiers du Cinéma, Positif, Sight and Sound, etc.
Ele falou ontem, 21, sobre a gênese de Os Fabelmans. “Foi um filme que sempre quis fazer. Por minha mãe, eu o teria feito antes. Ela reclamava porque eu não aproveitava o material que ela me havia dado. Há três anos, com a morte do meu pai, comecei a pensar seriamente na história da minha família. Mas o fator determinante foi a pandemia. Isolado em casa, com minha mulher e minha filha, comecei a pensar seriamente na mortalidade. A vontade de contar essa história tornou-se urgente.”
Na ficção de Os Fabelmans, inspirada na realidade, a mãe de Spielberg, interpretada por Michelle Williams, apaixona-se pelo melhor amigo do pai. É uma linda e, ao mesmo tempo triste, história de amor sobre o que se ganha e o que se perde.
O MAIS DIFÍCIL
Daí a confissão de Spielberg: “Meu filme mais difícil de fazer, o que mais exigiu fisicamente, foi Tubarão. Sempre achei que o que me exauriu emocionalmente havia sido A Lista de Schindler, mas mudei de ideia. Foi Os Fabelmans. Estava contando minha história mais pessoal. Tinha de respeitar as pessoas que mais amo, e também ser sincero”.
Steven conta que teve muitos mestres, e um deles foi François Truffaut, que dirigiu em Contatos Imediatos do Terceiro Grau. “Ele tinha um coração imenso”, relembra, “mas era um coração selvagem. Um pouco pelo trabalho com o menino abduzido de Contatos Imediatos, ele dizia que eu devia fazer “a kids movie” (um filme infantil). Vindo de quem fez L’Argent de Poche, era uma convocação. Sem o impulso dele, não sei se teria feito E.T“.
Interpretando o lendário John Ford, David Lynch, em Os Fabelmans, dá ao jovem Spielberg sua receita de cinema. Como fazer um bom filme. Reação de Spielberg: “Quando me pedem conselhos, evito as questões de ordem mais técnica. O importante é a história que você quer contar. Isso não mudou em relação ao meu cinema. Continuo fazendo os filmes que me movem, porque me movem. Cada filme torna-se único, uma experiência necessária e visceral”.
Ele se lembra de um episódio, aos 9 anos. Os pais foram sozinhos ao cinema. “O filme era um western e eles explicaram que seria muito violento para uma criança. Mas, no dia seguinte, não pararam de comentar o filme. Naquela noite eu os enganei e fui sozinho ao cinema. Consegui entrar. E vi The Searchers (Rastros de Ódio), o clássico de John Ford.” Tornou-se um dos filmes de sua vida.
Num festival como Berlim, que sempre teve a fama de ser político e, em 2023, está sendo marcado pelos filmes de Sean Penn, sobre a Guerra da Ucrânia, e do U2, Kiss the Future, mas também por manifestações da presidente do júri, Kristen Stewart, a favor dos direitos das mulheres no Irã, Spielberg não defendeu outra política que não a do coração. O cinema como instrumento do humanismo. “Não tenho filme preferido entre os que fiz. São todos meus filhos, e um pai não faz essa escolha”, ressalta.
Na saída do Hyatt, onde se deu a coletiva, havia uma multidão gritando o nome de Spielberg. Há pelo menos 50 anos, desde que Encurralado, feito para TV, ganhou as salas de todo o mundo, o diretor tem nutrido o imaginário do público. “Aquele foi um filme decisivo para mim. Os produtores começaram a me chamar e eu não parei mais de filmar.” Ainda no quesito ‘criança’, Spielberg lembrou o roteiro que outro grande do cinema, Stanley Kubrick, não teve tempo de filmar e ele transformou em A.I. – Inteligência Artificial. Pinóquio na era da revolução tecnológica.
A novidade. Spielberg anunciou que outro projeto que Kubrick não conseguiu concluir, a biografia de Napoleão Bonaparte, vai virar série. “O roteiro e o personagem são muito grandes para um só filme. Vamos fazer”, ele disse – mas não esclareceu se vai também dirigir uma série de sete capítulos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.