A busca ativa
Começou o ano letivo. Voltamos às aulas. Nessa primeira semana, ouvi, várias vezes, a seguinte indagação: “cadê os alunos?…”
Aqui, no Brasil, temos a ideia de que o ano começa depois do carnaval. Contudo, esse esvaziamento da sala de aula no Ciclo Básico é preocupante. Isso está ocorrendo tanto da rede pública quanto na rede privada.
Confesso que já reclamei de salas superlotadas com 40, 50 alunos. Como também já fiquei irritado em ver o trânsito caótico nos horários em que os pais pegam os filhos nas escolas. Hoje sinto saudade dos corredores lotados, das crianças correndo pelo pátio, do colorido das ruas e dos pontos de ônibus com crianças e adolescentes uniformizados. Dos engarrafamentos, nem tanto…
São visíveis os reflexos do desprestígio, da desvalorização, da falta de investimento em Educação. Não podemos colocar essa evasão escolar somente na conta da pandemia. Antes dela, outros fatores já provocavam esse esvaziamento. Com a pandemia, a situação foi agravada.
Cresceu muito o número de crianças e adolescentes vendendo doces nos centros urbanos. Crianças e adolescentes que deveriam estar em sala de aula estão nas ruas, nos sinais de trânsito, tentando ganhar algum dinheiro para ajudar em casa. O agravamento da crise econômica também tem contribuído para distanciar crianças e adolescentes da escola.
Segundo dados preliminares do Censo Escolar da Educação Básica, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de matrículas no Ensino Médio em 2022 foi 5,3% menor do que em 2021. Foram matriculados, em 2021, 6.621.584 alunos. Em 2022, esse número caiu para 6.273.816. A queda foi de 348.768. Muitos desses jovens que deveriam estar em sala de aula abandonaram os estudos e entraram no mercado informal sem perspectiva de uma qualificação profissional.
A escola também tem que mudar. Eu tenho que mudar. Nós, educadores, temos que mudar. O nosso time está perdendo. Hoje a expressão mais usada nesse combate à evasão consiste em: “busca ativa”.
Estados e Municípios estão criando estratégias com o objetivo de trazer para a escola crianças e adolescentes que estão sem estudar. O fato é que qualquer planejamento a ser feito precisa ter uma análise mais profunda da realidade em que as famílias dos estudantes estão inseridas. Há uma política de exclusão em que a Educação e a Saúde não são colocadas como prioridades. O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 determina:
“A Educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
O “Estado”, a “família”, a “sociedade” são atores envolvidos no processo educacional. Portanto, o fracasso não pode ser atribuído somente aos educadores. O “Estado”, a “família”, a “sociedade” também estão distantes da escola. “O pleno desenvolvimento da pessoa”, “o exercício da cidadania”, “a qualificação para o trabalho” não são exclusividades das ações dos profissionais de educação. O que se convencionou chamar de “busca ativa” perpassa pela conscientização de gestores públicos, pela mobilização da sociedade, pela participação da família, pelo aprimoramento do sistema de aprendizagem.
É preciso destacar também que a formação acadêmica já não é vista com tanta importância para uma ascensão econômica e social. O “se formar” para ter uma profissão, para ter espaço no mercado de trabalho já não é visto como uma vertente que leva ao “sucesso” e à fama” que muitos desejam. Em síntese, atualmente os paradigmas são outros. Não há uma valorização da escola, nem do conhecimento que sedimenta a formação profissional, por isso já existem projetos propondo a desregulamentação de algumas profissões.
Para ser mais específico, afirmo: o Projeto de Lei de número 3.081/2022, que propõe a desregulamentação de mais de 30 profissões, é um incentivo à evasão escolar. Por isso que “a busca ativa” não consiste apenas em querer levar crianças e adolescentes para a escola, mas também em conscientizar determinadas “autoridades” que Educação não se restringe à merenda escolar, nem a construção de prédios. Os exemplos éticos também educam. Os valores sociais também influenciam na consolidação de um projeto de vida.