‘Triângulo da Tristeza’ debocha dos milionários
Indicado para dois Oscars (Melhor Direção e Melhor Roteiro Original) por Triângulo da Tristeza, com o qual conquistou a Palma de Ouro no 75º Festival de Cannes, o sueco Ruben Östlund atendeu o telefonema do Estadão num aeroporto perto de Gotemburgo – onde está colhendo matéria-prima para seu próximo filme, The Entertainment System Is Down.
“Prometi na Croisette que, após fazer um filme dentro de um cruzeiro, faria o longa seguinte num avião, testando os limites do espectador com uma narrativa que, diferentemente dos últimos longas que fiz, será anticlimática, para acomodar a plateia nos sentimentos dos personagens. Já vejo as sequências de uma criança que passa um voo todo brigando com o irmão, atrás do iPad dele, e uma mãe mediando a fúria de ambos”, antecipa Östlund ao Caderno 2, feliz ao saber da estreia de Triângulo da Tristeza nos cinemas brasileiros, nesta quinta-feira, 16.
PALMAS DOURADAS
Títulos como Força Maior (2014), Play (2011) e Involuntário (2008) podem ser vistos na plataforma Mubi, apontando o caminho que o cineasta nascido na ilha de Styrsö, há 48 anos, trilhou até conquistar um par de Palmas douradas. A primeira foi em 2017, de um júri presidido pelo diretor espanhol Pedro Almodóvar (o mesmo que decidiu não premiar filmes da Netflix, por eles descartarem as salas de exibição), e foi para The Square – A Arte da Discórdia. Ali, o foco de Östlund eram o pedantismo curatorial e o elitismo no universo das galerias, misturado a um debate sobre xenofobia e exclusão social. Os dois temas regressam em Triângulo da Tristeza, filme que abriu a 46.ª Mostra de São Paulo, no ano passado.
BAIXO ORÇAMENTO
“Sou um realizador de baixo orçamento – não me vejo filmando com US$ 100 milhões, por saber do valor que existe na liberdade artística. Rodei o Triângulo com cerca de € 12 milhões. Livre, eu pude explorar questões como o fato de os comunistas estarem esquecendo Marx a cada dia, deixando de lado as teses de O Capital sobre o materialismo histórico aplicado ao desenvolvimento da sociedade”, diz Östlund, com extrema simpatia – a mesma com que conquistou a adesão de famosos, como o astro hollywoodiano Woody Harrelson, peça fundamental na geometria de seu longa mais recente.
É ele quem vive o comandante Thomas, o responsável pelo navio onde se passam algumas das sequências mais divertidas (embora escatológicas) de Triângulo da Tristeza, embebedando-se o quanto pôde ao comandar uma tripulação milionária. Em dezembro, o longa conquistou os prêmios de Melhor Filme, Direção e Roteiro na cerimônia do European Film Awards, na Islândia.
Lá, foi atribuído um prêmio extra, o de Melhor Ator, a um dos integrantes da trupe de Östlund: o croata Zlatko Buric. Ele vive Dimitry, um comerciante eslavo de fertilizantes que se define como “um russo capitalista” e orgulha-se de dizer: “Eu vendo m…!”. Ao lado dele, no cruzeiro, há uma alemã que sofreu um derrame, Therese (Iris Berben); um milionário escandinavo que oferece relógios Rolex a quem lhe dá uma migalha de afeto, o empresário Jarmo (Henrik Dorsin); e o casal de modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean, que morreu em agosto, aos 32 anos, com uma infecção bacteriana).
Há espaço na dramaturgia de Östlund também para o microcosmo dos funcionários, entre eles a camareira Abigail (Dolly De Leon, numa atuação elogiadíssima), a contramestra Paula (Vicki Berlin) e o mecânico Nelson (Jean-Christophe Folly), alvo do racismo de Dimitry.
PASSARELAS
“Escrevo meus filmes com base em uma questão sociológica aplicada a um determinado universo. Como minha mulher é fotógrafa de moda, eu me aproximei das passarelas. Fiquei encantado ao me aproximar do trabalho dela e perceber o quanto a beleza pode ser expressiva e fazer toda a diferença até para pessoas que não têm uma educação formal. Só que eu olho para essas situações com um diferencial tipicamente nórdico: uma melancolia que a gente tem ao olhar para o trivial”, explica Östlund.
Ele comemorou ao ver Triângulo da Tristeza entrar na lista dos dez concorrentes ao Oscar de Melhor Filme, ao lado de cults como Os Banshees de Inisherin e de blockbusters como Avatar: O Caminho da Água e Top Gun: Maverick. Para muitos analistas, desponta como um dos favoritos à estatueta dourada.”Venho do país de Ingmar Bergman e percebo a influência que ele ainda tem por lá, em quem estuda cinema. No mundo, seu espírito ainda está presente e dá ao audiovisual sueco uma certa aura de prestígio.”
Na ativa desde 1997, quando trabalhava com videoarte, Östlund hoje integra o seleto time de realizadores com duas Palmas. São dez ao todo, como Ken Loach (laureado em Cannes por Eu, Daniel Blake, em 2016; e Ventos da Liberdade, em 2006) e Francis Ford Coppola (A Conversação, em 1974; e Apocalypse Now, em 1979), entre outros.
O título em inglês do filme, Triangle of Sadness, refere-se a um termo usado por cirurgiões plásticos para a ruga de preocupação que se forma entre as sobrancelhas, que pode ser corrigida com botox em 15 minutos.
A presença de Östlund no seleto time de ganhadores de Cannes amplia sua independência. “Aproveito a credibilidade que as vitórias em Cannes me dão aos olhos da indústria europeia para levantar meus filmes de modo a tratar de temas que incomodam”, diz Östlund. “Fico bem impressionado ao notar o quanto a gente ainda consegue se distrair dos grandes problemas do mundo sofrendo com nossas questões pessoais, com individualidades por vezes pequenas.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.