Ianomâmi: a tragédia dentro da tragédia
Há séculos os indígenas constituem a parcela da população brasileira mais abandonada pela sociedade e pelo Estado, principalmente nas áreas remotas da fronteira norte do Brasil, exatamente onde habita o Ianomâmi.
O abandono é uma manifestação de grave injustiça contra esses patrícios, sem os quais provavelmente o Brasil tivesse perdido o vale do grande rio para a Espanha, a Inglaterra, a Holanda ou a França.
A expedição de Pedro Teixeira, que partiu de Cametá, no Pará, e subiu o rio Amazonas em 1637 até o Equador, em uma epopeia histórica, era composta por 70 soldados e 1300 índios flecheiros e remeiros. Sem esses guerreiros indígenas e sem seus braços para os remos, a expedição teria sido uma quimera a nos impedir de romper os limites de Tordesilhas.
É inaceitável, portanto, que 400 anos depois as populações indígenas convivam com os maiores índices de fome, mortalidade infantil, doenças infecciosas, analfabetismo e ausência de serviços essenciais, como água tratada e luz elétrica, dados que testemunham uma imperdoável negligência histórica.
A ausência do Estado, exceção feita ao abnegado trabalho das Forças Armadas e dos servidores da Funai, é preenchida pela presença de ONGs nacionais e estrangeiras, algumas humanitárias, que trabalham pelo bem dos índios e do Brasil, e outras que aqui estão em busca dos nossos bens para repetir o sábio e santo padre Antônio Vieira.
Talvez em ato de premonição sobre riquezas minerais em áreas demarcadas para os índios, os constituintes de 1988 inscreveram na Carta Magna os artigos 176 e 231 com a previsão do usufruto dessa riqueza, desde que autorizado expressamente pelo Congresso Nacional e dividido com os próprios índios.
A pergunta que resta é por quê esses dispositivos constitucionais não foram regulamentados, apesar das tentativas ocorridas nos governos dos presidentes José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Que forças poderosas agiram para bloquear a regulamentação?
A resposta talvez resida em um episódio que vivi certa vez em uma conversa ocasional em um bar do antigo Hotel Tropical, em Manaus, quando um executivo de mineradora europeia me disse que deveríamos deixar as riquezas minerais da Amazônia debaixo das terras indígenas e retomar esse assunto dali a 50 anos, sob a justificativa de que obter uma concessão para mineração na África – a única fronteira mineral disponível no mundo além da Amazônia – trazia elevados custos decorrentes de riscos e insegurança jurídica, e que era desestabilizador para os mercados a presença do Brasil sem esses custos.
As providências da sociedade brasileira e do Estado para proteger as populações indígenas devem ser acompanhadas de medidas que propiciem o acesso delas aos recursos existentes em suas terras, evitando a exploração clandestina e criminosa, com danos ao meio ambiente e evasão fiscal.
Na próxima vez, falaremos do artigo 174 da Constituição e do Estatuto do Garimpeiro, aprovado em 2008, no governo do presidente Lula, e da disputa em torno da exploração do ouro na Amazônia brasileira.