• Professor monta uma coleção de arte com pouco dinheiro

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  • 15/01/2023 08:30
    Por Matheus Lopes Quirino / Estadão

    Os olhos de Miguel Chaia ficam marejados quando ele se lembra da pintora nipobrasileira Tomie Ohtake (1913-2015), de quem foi amigo até sua morte. Ele não segura a emoção ao recordar o primeiro contato que teve com a artista radicada em São Paulo, em uma individual de Tomie na extinta galeria Grifo.

    Naquela noite de 1976, por intermédio do marchand Dudu Santos, ele comprou a primeira tela que hoje pertence a uma das maiores coleções de arte moderna e contemporânea do País, mantida com a mulher, Vera. “Quando vi a pintura de Tomie, fiquei abismado, aquele céu alaranjado, tomado por uma ‘roda gigante’ negra dominando tudo”, conta o colecionador sobre a abstração. “Então comentei com o Dudu que eu tinha em casa uma gravura muito parecida, mas a tela era mais impressionante, aí ele falou para eu comprar. Imagina! ‘Com que dinheiro?’, respondi para ele, que ligou na hora para Tomie.”

    A artista, que ganhava projeção na cena da arte contemporânea brasileira e cujo nome batiza hoje uma das instituições do eixo mais respeitadas do País, atendeu o telefone e, quando o galerista sugeriu um desconto, relembra Chaia: “Ela agiu de forma estranha”. “E então perguntou o que eu fazia da vida. Quando soube que eu era professor, falou ‘faz o preço que ele quiser’.” Chaia parcelou a tela em dez vezes e, desde então, soube que era possível adquirir obras de arte, mesmo não sendo rico.

    Com uma vida dedicada ao colecionismo de obras de jovens artistas, Miguel Chaia, aos 75 anos, tem em seu acervo grandes nomes das artes visuais brasileiras, como Leda Catunda, Beatriz Milhazes, Carmela Gross (que já faziam sucesso nos anos 1980) e também figuras que constroem seu nome hoje no mercado, como Gustavo Speridião e Pontogor. A única regra para a coleção do casal Chaia, posta ainda na década de 1970, é apenas comprar trabalhos de artistas estreantes, não só para a coleção refletir a produção atual, mas porque essas são obras mais acessíveis.

    Professor do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a PUC, Chaia não pensa em se aposentar tão cedo. São mais de cinco décadas dedicadas à coleção, que cresceu em paralelo aos anos como docente. Chegou a ter dois empregos, “um só para comprar as obras de arte e outro para manter as contas da casa em dia”, lembra ele.

    No meio século dedicado a mapear novos talentos do circuito, Chaia revela que pouquíssimas vezes precisou vender algum trabalho – “só em emergências de saúde”, justifica. Nunca foi sua intenção especular nesse mercado. Tanto é que os trabalhos expostos na exposição Entre o Sagrado e o Estético não estão à venda – essa foi a única condição do professor, que abriu na galeria Arte132 um recorte de seu acervo, no sábado, 14, com curadoria de Laura Rago e Gustavo Herz.

    DESCAMINHOS. Antes de se dedicar à docência, o mato-grossense radicado em São Paulo precisou se desviar de um sonho da família: a medicina. Chegou à cidade em meados dos anos 1960 para fazer cursinho no Objetivo. Não passou. “Então, falei para a minha mãe, agora vou me dedicar ao que eu gosto” – e foi estudar cinema na Escola Superior de Cinema do Colégio São Luís, no qual fez parte do movimento estudantil. Na parte da manhã, cursava jornalismo na ECA, onde foi colega de Regina Duarte – ambos desistiram do curso.

    “Foi nessa época que comecei a ter contato com os artistas que frequentavam o bar Riviera (na Consolação). Ali, discutíamos arte, política e música até altas horas”, lembra Chaia, que foi aluno de intelectuais como Anatol Rosenfeld e Decio Pignatari, e colega de escritores como Fábio Porchat (pai).

    “Antigamente era mais fácil conviver com artistas porque não havia essa barreira que as redes sociais impõem. Não precisava ser rico, intelectual ou famoso, bastava ter papo e afinidades”, avalia o professor, que ficou amigo de pintores como Baravelli, Cássio Michalany e, claro, Tomie.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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