Os pastéis da Dirce
Ao retornar do trabalho, logo após chegar em nossa casa, mantive o seguinte diálogo com minha esposa: perguntou-me assim que adentrei à sala: “você está com aspecto de cansaço ou é simplesmente impressão?”
Eu, por minha vez, não pude discordar até porque tivera, na realidade, um dia pleno de assuntos a serem equacionados e, na condição de pessoa ansiosa, restou-me o peso de um maior abatimento; resultado: desgaste físico e mental.
Continuamos a conversar e ela aproveitando para assistir os jornais transmitidos à noite; eu, todavia, já bocejando, sinal de que o sono se aproximava.
Trocamos ideias ainda por algum tempo e após um banho quente decidi por me recolher, já que sempre tive o hábito de não me deitar muito tarde, ao contrário da minha esposa que só se recolhe após as vinte e três horas, sem falar da insônia que lhe faz acompanhar.
Tanto é assim, que várias vezes a encontrei a manipular papéis, mapas, lápis, borrachas e calculadora, aproveitando-se da insistente falta de sono para labutar em prol da atividade então exercida perante a Secretaria Estadual de Educação, diga-se de passagem, da mais alta responsabilidade.
Pois bem, naquela noite, já em profundo sono acabo por ser acordado por um forte som, que me pareceu advindo de um aparelho de tv que acabara de ser ligado, isto às três da madrugada quando, exatamente, começava a sonhar estar saboreando os deliciosos pastéis manipulados por Dirce.
Esta é a pessoa que nos serviu e à minha mãe, por mais de quarenta anos, sem que deixasse de comparecer ao trabalho sequer, por um dia, cozinheira de “mão cheia”; acordei assustado, entretanto com a ânsia de continuar a saborear os pastéis que eram preparados com todo capricho e carinho; mas tudo não passou, na verdade, de um sonho que, lamentavelmente, não poderá vir a se tornar realidade, porquanto a sempre lembrada Dirce, do alto de seus oitenta e dois anos, agora vive em companhia de uma das filhas e impossibilitada até de preparar a alimentação da casa.
Sei que a filha aprendeu a preparar os deliciosos pastéis, tudo ensinado pela zelosa mãe, conforme me foi relatado por nossa querida Dirce, mas eu, de outro lado, não desejando desacreditá-la, apenas calei-me por duvidar que sejam iguais aos da nunca esquecida quituteira.