• Com abrigos de refugiados lotados, Nova York declara crise humanitária

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  • 01/01/2023 08:15
    Por Luciana Rosa, especial para o jornal O Estado de S. Paulo / Estadão

    Em 1912, um soneto da poetisa Emma Lazarus foi gravado em uma placa de bronze no pedestal da Estátua da Liberdade. “Mãe dos exilados”, dizia o texto de boas-vindas aos imigrantes. Mais de um século depois, a maior metrópole dos EUA está tão saturada pelo fluxo migratório que o prefeito, Eric Adams, declarou estado de emergência.

    Verónica, de 22 anos, estava grávida de sete meses quando cruzou a pé a fronteira que separa o México dos EUA. Na travessia, temeu pela vida do bebê, devido ao calor e à larga distância percorrida. Ela saiu de Caracas em novembro e sua nova casa é um hotel em Central Ferry, que foi transformado refúgio em Nova York. “É preciso viver um dia de cada vez, pois não sabemos o que vamos encontrar. Então, nos resta voltar ao abrigo e catar comida por aí”, disse.

    Verónica é uma dos milhares de imigrantes venezuelanos e de outras nacionalidades que lotam os abrigos para sem-teto na cidade de Nova York. O aumento do fluxo de imigrantes e a decisão de governadores republicanos do Texas e da Flórida de enviá-los para Estados democratas colocou os serviços sociais da maior cidade dos EUA no limite.

    Em outubro, a prefeitura de Nova York declarou estado de emergência quando os abrigos começaram a superar sua capacidade – atualmente, são 64 mil pessoas, das quais cerca de 12,7 mil são imigrantes. E não há espaço para todos.

    Êxodo

    Segundo ativistas, as condições nos abrigos são ruins. Para agravar o problema, denúncias de maus-tratos se acumulam. Recentemente, um policial foi flagrado em vídeo batendo no rosto de um venezuelano de 21 anos. Alguns casos são tão graves que uma porcentagem destes imigrantes prefere as ruas. A chegada do inverno ampliou a crise.

    A maioria dos imigrantes chega a Nova York em ônibus enviados pelo governador do Texas, o republicano Gregg Abott. Contrário à flexibilização das políticas migratórias da Casa Branca, ele entende que os Estados democratas deveriam se responsabilizar pelo novo contingente de ilegais. Foi assim que Verónica chegou a Nova York.

    “Depois da chegada, eles me transportaram para um abrigo em Manhattan, onde só fui aceita porque estava grávida. Cheguei e passei outros dois dias sem comer”, relata Verónica. “Eu não conseguia descansar. Nem de dia, nem à noite. Não tinha assistência médica, comida ou transporte.”

    O fluxo de venezuelanos aumentou graças a uma combinação de dois fatores: o status de refugiados concedidos a quem foge do regime chavista e à flexibilização de algumas regras migratórias, ambas medidas tomadas após a posse de Joe Biden. Nicaraguenses e cubanos também chegam em grande número.

    Críticas

    Em março de 2021, Biden incluiu a Venezuela na lista de países com direito ao status de proteção temporária, um programa que confere proteção contra deportação e autorizações de trabalho por tempo limitado. Com isso, no ano fiscal de 2022, encerrado em outubro, mais de 150 mil venezuelanos entraram nos EUA, um aumento de 293% em relação ao ano anterior.

    Para frear a chegada deste contingente, em outubro, o governo decretou que “os venezuelanos que entrarem sem autorização serão devolvidos ao México”, com exceção daqueles que tenham parentes nos EUA. Desde que essa medida foi aplicada, houve uma queda de 35% no fluxo, entre setembro e outubro.

    “O que a prefeitura não quer que você saiba é que os abrigos são uma porcaria e essas famílias não são sem-teto, são refugiados”, disse Lilah Mejia, ativista de várias ONGs. Para ela, Nova York estaria apenas depositando pessoas em abrigos precários. “Muitas famílias estão sendo expulsas dos abrigos e acabam nas ruas”, afirma.

    Os imigrantes que lotam os ônibus passam até dois dias viajando sem fazer nenhuma parada e praticamente sem comer. “Eles chegam morrendo de fome e tentamos alimentar essas famílias da melhor forma possível com os recursos limitados que temos”, acrescenta Mejia, explicando o trabalho dos voluntários.

    Com dinheiro arrecadado nas redes sociais, eles fornecem uma primeira refeição, passagens de metrô e conseguem distribuir celulares pré-pagos para que eles tenham alguma forma de se comunicar.

    Logo após uma espécie de triagem, alguns imigrantes que não têm Nova York como destino final, recebem dinheiro para comprar passagens de ônibus para o encontro de suas famílias já instaladas em outras cidades dos EUA.

    Projeções

    Segundo a prefeitura, se o fluxo de chegada mantiver o ritmo atual, a população total dos abrigos da cidade passará de 100 mil pessoas em 2023. “Temos diferentes populações entrando na cidade, mas ainda não temos nenhum tipo de planejamento de longo prazo para recebê-las. E isso tem de mudar”, disse Mejía.

    Em outubro, para amenizar a crise, a prefeitura instalou uma tenda gigante na Ilha Randalls, entre o Harlem e o Queens, no East River. A estrutura funcionou até os primeiros sinais de frio, em novembro.

    O abrigo foi fechado e os poucos imigrantes de lá foram levados para hotéis em Manhattan, cuja diária é financiada pela prefeitura.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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