• Leona Cavalli ‘revive’ obra-prima renascentista

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  • 06/12/2022 08:10
    Por Dirceu Alves Jr., especial para o Estadão / Estadão

    Oito anos atrás, mais ou menos, a atriz Leona Cavalli começou a provocar a curiosidade dos vizinhos por causa de textos repetidos continuamente a plenos pulmões. Desde que ganhara um exemplar do clássico Elogio da Loucura, escrito pelo teólogo Erasmo de Rotterdam no século 16, ela ficou fascinada com a sua contemporaneidade e enxergou ali uma peça para ser encenada, nem que, naquele momento, fosse na sala de seu apartamento, em São Paulo. “Lia em voz alta, caminhando pelos cômodos, e me encantava com a sua proposta de loucura, que trata do resgate da liberdade, da transformação do caos em prazer, da necessidade de exercitar a criatividade.”

    O entusiasmo fez Leona convidar amigos para leituras na sua casa e, em 2016, na Flip, em Paraty, testou sua intuição diante de um grande público. Sim, as ideias críticas carregadas de ironia de Erasmo de Rotterdam ainda provocavam a plateia e, como a obra era inédita nos palcos brasileiros, a artista enfiou na cabeça a missão de tirá-la do ineditismo.

    Sob a direção de Eduardo Figueiredo, Leona concretiza a sua obstinação com o monólogo Elogio da Loucura, que estreou no Sesc Belenzinho. “Depois de atravessar essa pandemia, o texto ganhou novas camadas e o fanatismo bolsonarista prova que a realidade chegou a um absurdo sem limites”, afirma a intérprete – que, na montagem, é acompanhada pelo violoncelo de Rafael Ducelli e pela percussão de Cika. “Acho que estreio na hora certa, porque estamos em um momento em que é possível cutucar certas feridas.”

    Em cena, a protagonista não representa uma mulher delirante ou um estereótipo em torno da perturbação. É a personificação da loucura do mundo e das diferentes formas como ela pode atingir as pessoas.

    LUCIDEZ

    “Através da sua lucidez, Erasmo nos faz perceber as fragilidades e como essas questões podem ser vistas através da arte”, explica. “Eu, como atriz, sei que podemos transformar o sofrimento em trabalho e não deixar que a tristeza nos exclua da sociedade.”

    A sutil adaptação realizada pela intérprete e por Figueiredo mexeu em quase nada do original. Tamanha atualidade surpreendeu quem assistiu ao embrião do espetáculo, uma encenação virtual em 2020. “Muitas pessoas me perguntavam por que havia tantos cacos, tantas improvisações, e eu negava todas essas observações”, conta o diretor. “No máximo, criamos uma conversa ao telefone entre a Leona nos dias atuais e o Erasmo.”

    Leona não carrega expectativas em torno da repercussão de Elogio da Loucura. Trata-se de um projeto íntimo, que decidiu montar pela necessidade de se expressar e ficará em seu repertório para ser revisitado quando julgar conveniente.

    Em três décadas, Leona desenvolveu uma carreira que surpreende por diferentes escolhas. Despontou experimental no Teatro Oficina, atingiu porte de estrela nos clássicos Toda Nudez Será Castigada (2001) e Um Bonde Chamado Desejo (2002) e o sucesso no cinema lhe abriu as portas da TV.

    Nos meses de agosto e setembro, a atriz reencontrou Zé Celso Martinez Corrêa e a turma do Oficina na versão de Fausto e fortaleceu um discurso político no efervescente período eleitoral. “Se tem algo que trava o artista é o preconceito e estou pronta para me desafiar no ofício que escolhi”, justifica. “O que importa é investigar nossa loucura, porque senão vira doença ou violência.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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