• Mãos dadas

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  • 04/12/2022 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Foi o tempo que me disse que, para entender o sentido da palavra liberdade, é preciso conhecer as limitações impostas pela realidade, pois esta é que nos mostra as medidas do possível. Mas é o impossível que azucrina o nosso juízo, nutrindo sonhos que se perdem pelo impalpável. Contudo, as esperanças seguem pelo provável com o intuito de manter a perseverança de quem deseja mudar o destino como “Dom Quixote” de Cervantes: 

    “Sonhar o sonho impossível, sofrer a angústia implacável, pisar onde os bravos não ousam, reparar o mal irreparável, amar um amor casto à distância, enfrentar o inimigo invencível, tentar quando as forças se esvaem, alcançar a estrela inatingível: essa é a minha busca”.

    Buscar entender o humano é um desafio. Nessa busca, fui imprudente, segui pela ficção, pela Poesia. Fiquei com esta compulsão incurável que é a leitura. Indagou o personagem de Cervantes: “o que é mais perigoso do que ser poeta? Que é, como alguns dizem, uma doença incurável e infecciosa…”

    Tenho olhado o passado como um quebra-cabeça. Ando juntando as peças com o propósito de ver o início do que hoje ocupa o meu pensamento. Faço algumas regressões. Visito a infância, a adolescência. Tento encontrar a outra ponta da meada, mesmo tendo muito a esticar. Não tenho a pretensão de Bentinho, personagem machadiano, que queria “atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência.” As minhas estão nos lugares devidos. Já estou convencido de que “o menino é pai do homem”.

    A minha inquietação é movida pelas palavras. Não as vejo como uma “coisa” estática. Para mim, são dinâmicas, dialéticas, molas propulsoras da resiliência. Não me incomoda estar sempre doloroso. Não me vejo ocioso; mas, às vezes, ansioso por não ter explicações plausíveis diante das contradições humanas.

    A notícia do ataque efetuado por um adolescente de dezesseis anos a duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, que deixou quatro pessoas mortas e doze feridas, colocou em evidência a facilidade ao acesso a armas de fogo, além de sinalizar as consequências de uma violência que ganha proporções assustadoras em nosso país. De setembro a novembro deste ano, já são sete atentados que ocorreram em quatro estados: Ceará, Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo.

    Alguns dados precisam ser analisados atenciosamente: o adolescente usava roupa camuflada, colete à prova de balas, máscara de caveira, suástica no braço, dirigia sem habilitação, pegou as armas e o carro do pai, além de colocar adesivo na placa do veículo usado para cometer os crimes. Ficou dois anos planejando o tentado. 

    Não somente por ser professor, mas também por ter este desejo de ver a paz entre os homens, fico triste quando alguém, com arma em punho, sai atirando a esmo, matando, ferindo, agredindo sem motivo. 

    A derrota do humano sempre acaba em tragédia. As escolas têm sido alvo do barbarismo. Quais são as referências de um adolescente de 16 anos que provoca tão trágico atentado?

    Sinto-me ferido também. Há um fracasso da sociedade que perpassa pelos nossos atos. O tecido social está flagelado.

    Quando se fala em “dar pão a quem tem fome”, há uma preocupação com uma necessidade básica referente à alimentação inerente à condição animal. Quando se fala da empatia, das relações pacíficas, há uma preocupação do ser humano na interação social. Quando se fala do livre-arbítrio, do exercício da liberdade, tem-se em mente a questão da responsabilidade sobre os atos que se pratica. Pergunta-se: quem vai responder pelos crimes praticados por esse adolescente que feriu profundamente tantas famílias? Quem colou tanto ódio no coração dele?…

     Muitas perguntas ficam sem respostas quando se começa a questionar as pessoas e as instituições que atuam no processo educacional de uma sociedade. O conceito de civilidade vai além do respeito às leis que estabelecem o convívio social. É preciso respeitar o ser humano. Por essa razão, é que o amor surge como elemento antagônico às injustiças. 

    Três professoras e uma adolescente foram assassinadas barbaramente. Pessoas ainda estão hospitalizadas em estado grave. A ferida aberta nesse atentado não cicatrizará facilmente. São muitas dores, muitos traumas, muitas angústias que revelam um estado doentio de uma sociedade vítima do ódio que alimenta. Por isso que reafirmo aqui a importância do “amar e ser amado” na valorização da vida. E assim, o caminhar de mãos dadas consiste em um elo de uma corrente que se fortalece pelo amor, pela ternura.

    Até hoje ouvimos a voz do Crucificado: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem…”

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