• Hora de pensar em Ruy Barbosa e Pedro II

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  • 13/11/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    Quando um país perde o rumo, é sempre aconselhável recorrer a suas grandes figuras em busca de ajuda e clareza de pensamento para agir e entender o que está acontecendo. Ruy Barbosa e Pedro II são dois portos seguros nessa tempestade em que estamos mergulhados.

    Ruy Barbosa sabia que o Judiciário poderia exorbitar. Daí seu alerta: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. A ditadura das armas pode acabar sendo derrotada pelo fuzil de seus inimigos. Ou seja, pelo povo que não quer se dobrar ao arbítrio. Ao afirmar que não há a quem recorrer, Ruy Barbosa, pelo jeito, subestimou a capacidade do povo de ser contra os desmandos do Judiciário.     

    O caso de Pedro II e de seu ministro da Justiça em determinado momento é ilustrativo do que já fomos em relação ao direito de livre expressão, de pensamento e de imprensa no século XIX. E o que somos hoje em que um ministro resolveu assumir o papel de censor do que podemos saber ou não.

    Certa feita, diante de calúnias contra a Princesa Isabel, Dom Pedro II consultou seu ministro da Justiça, querendo saber o que poderia fazer contra o jornal que publicou as afrontas. O ministro lhe respondeu que a constituição garantia a liberdade de expressão, e que não havia muita coisa a ser feita, exceto obviamente processar o jornalista ou o jornal. Pedro II não foi adiante. 

    Poucos meses depois, foi o próprio ministro que veio se queixar com ele sobre as críticas à sua pessoa feita por certo jornal, que seriam injustas e infundadas. Desta vez, foi Pedro II que lhe relembrou do artigo da constituição que garantia a total liberdade de imprensa. Sua convicção foi magnificamente exposta quando disse que “imprensa se combate com a própria imprensa”. Acreditava no livre debate público para aparar as diferenças.

    A bela lição que podemos tirar dos dois episódios é que ambos estavam salvaguardando a liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa, garantida pela constituição de 1824, quando um deles teve a tentação de não respeitá-la. Nos tempos atuais, a mesma ministra famosa por ter dito “Cala-a-boca-já-morreu” foi a mesma que resolveu ressuscitá-lo. Existe algo de podre no Reino da Dinamarca.

    O combate às fake-news deve ser feito, como nos ensinou Pedro II, através da própria imprensa, e não por um censor que resolveu se sobrepor ao artigo 220 da atual constituição. Estranhamente, eram atendidas as reclamações de Lula e do PT a esse respeito e poucas dentre as solicitadas pelo adversário, como se elas fossem postadas por apenas um dos lados. A cobrança feita por Bolsonaro a Lula no último debate sobre mentiras a respeito do salário-mínimo veiculadas no programa eleitoral de Lula, foi “respondida” por ele ao dizer que não tinha tempo para ver seu próprio programa eleitoral. Cinicamente, afirmou que preferia estar na rua no meio do povo (escasso).

    A imprensa internacional vem questionando a suposta legitimidade do Judiciário, através do presidente do TSE, em se achar qualificado para julgar notícias falsas, suspensão e até desmonetização de sites. Vai além. Ela questiona a própria legalidade da candidatura de Lula face aos processos pendentes. Trata-se de óbvia censura em flagrante desrespeito ao artigo 220 da Carta de 1988. Nos EUA, Trump não foi impedido de pôr em questão a lisura do pleito americano, que me deixou surpreso, pois Biden venceu no voto popular e no do colégio eleitoral, confirmado pela recontagem de votos onde foi pedida. Já no Patropi, está proibido questionar a legitimidade do resultado.

    Terminado o segundo turno, a censura do TSE continua a atuar sempre a favor de um dos lados, vendo qualquer questionamento como inaceitável. Boa parte da grande mídia omite o que vem sendo dito e publicado no exterior. O discurso em defesa da democracia é válido, mas capenga, pois sabemos de nossas disfunções quanto ao controle efetivo dos políticos. Pesquisas realizadas revelam o baixo grau de confiança da população no congresso, nos partidos políticos e até no judiciário. 

    Órgãos internacionais propõem mudanças na remuneração do setor público onde, em média, um funcionário ganha o dobro de quem faz a mesma coisa no setor privado. Nada parecido existe no resto do mundo. Situação que pode ser descrita como a de um povo a serviço de uma burocracia e não de uma burocracia a serviço do povo, como deveria ser. O panorama transpira defesa de interesses de grupos da alta burocracia em favor de si mesma.

    Quanto às exorbitâncias do Judiciário, em especial do TSE, elas vêm sendo combatidas por juristas de expressão nacional como Ives Gandra Martins, dentre outros. Denúncias de fraude e pedidos de recontagem de votos deveriam ser apurados e não descartados como se fossem infundados e antidemocráticos. Em vários países do mundo, já ocorreram situações como a que o Brasil está convivendo. E só não foram apuradas naqueles em que mão pesada do arbítrio prevaleceu. Ou estaríamos submetidos ao maquiavelismo de Gramsci, que afirmou, com cinismo, que a verdade é apenas aquela da classe que está no topo do poder?

    Tanto Ruy Barbosa como Pedro II estariam de cabelo em pé diante do que está ocorrendo no país. Ruy Barbosa por defender o fiel cumprimento do papel do Judiciário, TSE incluso, que não tem, pela constituição, autoridade para atuar como censor e ir muito além de suas prerrogativas legais.

    Pedro II estaria escandalizado hoje como esteve no período de exílio na França quando questionou “com que autoridade esses senhores estão dispondo dos dinheiros públicos”. No uso do poder moderador, Pedro II sempre o utilizou em defesa da população no combate diuturno da corrupção e dos desvios de comportamento no setor público. Ditadura do Judiciário do alerta de Ruy Barbosa é golpe na base da canetada. O processo que tornou possível a can-ditatura Lula está eivado de falhas graves apontadas por juristas de renome.  

    (*) Link para vídeo meu, A VOZ E A VEZ DO POVO, onde é feito um contraponto entre as práticas plebiscitárias americanas e a raridade das nossas:

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