‘Antes a catarse era de derrotados, hoje é de ódio’, diz Jobim
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro aposentado Nelson Jobim, afirmou nesta quarta-feira, 9, que a ‘catarse’ feita por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro após a derrota do chefe do Executivo nas urnas ‘não é vinculada a um processo democrático’ e mostra que é necessário repensar como recuperar ‘uma relação de tolerância entre divergentes’.
“Depois de uma derrota você tem que fazer a catarse. Mas a catarse que se fazia anteriormente era de derrotados. Hoje é de ódio, querendo invalidar o processo anterior. O que não é um fenômeno só brasileiro”, registrou.
A declaração se dá em meio ao rescaldo das interdições realizadas por bolsonaristas em todo País inconformados com a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições. O Ministério Público mira financiadores dos atos considerados antidemocráticos.
Jobim avalia que é necessário ‘deixar o movimento passar’ e buscar recuperar tais manifestantes ‘pelo processo democrático’. “Isso cansa. Chega um momento que a pessoa fala ‘não dá mais'”.
Segundo o ex-ministro do STF, o período de ‘catarse’ ‘faz parte do jogo’. “Ter essa ressaca da eleição, dos vitoriosos e dos derrotados. Não podemos achar que temos uma crise enorme. Não creio. As coisas vão se compondo. Vamos chegar no dia 1º de janeiro com o novo presidente tomando posse”.
O ex-presidente do STF participou na manha desta quarta-feira, 9, da conferência de abertura do Congresso Nacional das Sociedades de Advogados, com o tema ‘Papel do judiciário na preservação da democracia, junto do ex-presidente da República Michel Temer. Em sua exposição, Temer voltou a pregar uma movimentação em torno da pacificação do País.
Antes de sua palestra, Jobim afirmou ao Estadão que a tensão que marcou as eleições é decorrente de uma polarização que começou a nascer em 2018. Nesse período, segundo o jurista, foi introduzida no processo político novas variáveis: o ódio e a intolerância. “Agora passou esse tempo. Precisamos recuperar. Um novo governo, uma nova situação”, ponderou.
Nesse contexto de ‘ódio’, segundo o jurista, o adversário político se tornou ‘inimigo’. “E usando a linguagem dos internautas, se é inimigo tem que ser cancelado”, afirmou. A avaliação do ex-ministro é a de que não se pode simplesmente criticar os ‘derrotados’ nas urnas. Segundo Jobim, as críticas ‘aumentam a coesão’ dos criticados e é necessário buscar um ‘contorno’.
O ex-ministro do STF indica que não há um programa a recuperação por ele pregada. Trata-se de um ‘processo de condutas’, diz. “Creio que, no futuro, não se pode ir atrás de provocações. Tem que começar a conciliar”, assinalou.
Um dos pontos destacados por Jobim é a necessidade de restaurar a capacidade de a política ‘resolver seus dissensos”. Segundo o jurista, o grande instrumento da política era ‘criar consensos’. “Quando você não teve mais capacidade de compor os conflitos, eles foram dirigidos ao Supremo. Ai surge a figura que chamo de judicialização da política pela incapacidade da política resolver seus conflitos, o que deu causa ao ativismo judicial”, ponderou.
Segundo o ex-ministro, a capacidade de resolução de conflitos se perdeu após a ‘criminalização da política’. “Não sendo resolvidas essas dissidências, elas são levadas para o Judiciário e começam a querer trazer o Judiciário como árbitro dos conflitos políticos. Nessas hipóteses, em alguns casos, o Judiciário erra, avança o sinal”.
Nessa linha, o ex-ministro defende que a recuperação da capacidade de a política sanar seus conflitos impactaria na judicialização. “Desaparece a motivação. A motivação do ativismo é a judicialização da política. Se você consegue que a política recupere a sua capacidade de gerir os seus conflitos, acertar os seus conflitos, criar consensos e resolver dissensos você não vai precisas judicializar”.
Relatório das Forças Armadas
Questionado sobre o relatório a ser entregue pelas Forças Armadas ao Tribunal Superior Eleitoral nesta quarta-feira, 9, Jobim ponderou que a Corte chamou o Ministério da Defesa para participar da Comissão de Transparência. “Só que a participação é na comissão, não há autonomia para juízos posteriores a partir da regularidade das eleições”, assinalou.
O ex-ministro do STF diz que o documento pode ‘fazer barulho’, mas ‘não vai ter nenhuma influência no resultado eleitoral’. “A eleição encerrou-se”, frisou.
Governo Lula
Após o encerramento de sua palestra, Jobim foi questionado se estaria disposto a ‘ajudar’ durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que se sagrou vitorioso nas urnas. “Ajudo, sempre ajudei, todo mundo”, registrou. O ex-presidente do STF disse que ainda não conversou com o presidente eleito. “Ele está muito ocupado. Tem que tratar varias coisas”. Já sobre a possibilidade de integrar o governo, caso convidado, Jobim afirmou: “As respostas são dadas em cima de fatos reais e não sobre hipóteses”