• O Xingu visto pelos povos da floresta e pelos caraíbas em imagens raras no IMS

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  • 07/11/2022 08:30
    Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

    Em 1924, o major Thomaz Reis, cinegrafista do marechal Rondon, mítica figura que estabeleceu primeiros contatos com indígenas, filmou xavantes sem roupa tentando se adaptar à cultura dos brancos. No filme mudo surge a legenda: “Eles ficaram contentes com as roupas.” Nem tanto. Não há no filme, evidentemente, traços de rebeldia contra os brancos que presentearam a tribo com camisas e calças brancas, mas nem todos se sentiram confortáveis com aqueles trajes dos caraíbas. Teria sido outra história se eles tivessem despido os brancos, como sugeriu o modernista Oswald de Andrade.

    O filme, um dos muitos da exposição Xingu: Contatos, que o Instituto Moreira Salles abriu no sábado, é um raro e importante registro antropológico à disposição do público. Em dois andares da mostra, ele poderá conhecer um pouco da história do primeiro grande território indígena demarcado no Brasil, em 1961, por meio de fotos e vídeos assinados pelos próprios indígenas.

    Com curadoria do cineasta Takumã Kuikuro, integrante da aldeia de mesmo nome no Parque Indígena do Xingu, e do jornalista Guilherme Freitas, a exposição exigiu dois anos de pesquisas para localizar filmes raros como o citado Ronuro, Selvas do Xingu, de Thomaz Reis, do acervo da Cinemateca Brasileira.

    Além desse curta, foram resgatadas históricas fotografias do Xingu no fim do século 19, algumas registradas por nomes como o explorador alemão Theodor Koch Grünberg (1872-1924), entre elas imagens da segunda expedição realizada por Hermann Meyer, entre 1898 e 1900, para descobrir a fonte do rio Xingu, afluente do Amazonas. Vale lembrar que Mário de Andrade usou muitas narrativas de Koch-Grünberg dos mitos indígenas no clássico modernista Macunaíma.

    Entre esses registros históricos e a produção audiovisual indígena contemporânea, mais de um século se passou. Por meio de 200 itens, entre fotos, filmes e documentos, os organizadores da mostra procuram mostrar que eles participam de uma luta secular contra o “apagamento de histórias e narrativas” dos povos nativos. Eles querem ser os protagonistas dessa saga – “donos da nossa imagem”, segundo o curador Takumã Kuikurio.

    Voz própria

    O cocurador Guilherme destaca que a participação de brancos no registro da história do Xingu passa às vezes pela redução dos indígenas a estereótipos – caso das reportagens sensacionalistas da revista O Cruzeiro feitas há mais de meio século por David Nasser com fotos do francês Jean Manzon.

    Existem, contudo, exemplos contrários. O contraponto é o sensível trabalho da fotógrafa de origem inglesa Maureen Bissiliat, no último núcleo da mostra, que reforça, em 1975, a exuberância dos corpos indígenas do Xingu, região que, como lembra Ailton Krenak na exposição, “virou símbolo da luta indígena pela redemocratização”. Os povos indígenas do Xingu participaram da demarcação de terras e da Constituinte” (há imagens do cacique Raoni nos debates da Constituinte, entre 1987 e 1988).

    Várias instituições forneceram material para a mostra além do Instituto Moreira Salles, que possui um arquivo notável de fotógrafos (a própria Maureen Bissiliat, José Medeiros e Jean Manzon). “A mostra é uma oportunidade para rever a forma como os acervos dessas instituições são catalogados e exibidos. Muitas fotografias antigas têm sido identificadas com a ajuda de lideranças indígenas”, diz o curador Guilherme Freitas. Há na exposição seis curtas-metragens comissionados a artistas de comunidades indígenas.

    A cineasta Kujãesage Kaiabi registra, por exemplo, a devolução de imagens antigas de um antigo líder do povo Kaiabi. Em 2019 ela lançou uma mobilização nas redes sociais dos povos do Xingu contra o retrocesso do governo federal no trato da questão indígena.

    Esse hábito de usar ferramentas audiovisuais vem sendo reforçado há mais de 30 anos. Mas, além do registro de atos políticos e assembleias, há muitos vídeos com rituais e festas indígenas O premiado artista Denilson Baniwa, do povo Baniwa, nascido em Barcelos, no interior da Amazônia, executou especialmente para a exposição do IMS um mural crítico que questiona a representação das culturas indígenas pela imprensa brasileira.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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