Indígenas defendem Beto Marubo para novo ministério
A possibilidade de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tirar da Câmara dos Deputados seu indicado para ocupar o Ministério dos Povos Originários preocupa indigenistas, que temem um esvaziamento da chamada “bancada do cocar” no Congresso.
A criação do ministério foi uma promessa de Lula na campanha e os nomes mais citados para ocupar a pasta são os das deputadas federais eleitas Sônia Guajajara (SP) e Célia Xakriabpa (MG), ambas do PSOL. As duas únicas indígenas eleitas em outubro na base de Lula são consideradas imprescindíveis na “linha de frente” nos embates na Câmara na próxima legislatura. A outra deputada eleita é Sílvia Waiãpi (PL), apoiadora de Jair Bolsonaro.
Indigenistas defendem como alternativa o ativista Beto Marubo, o que seria uma resposta imediata ao crime organizado na Amazônia, que está por trás dos assassinatos dos indigenistas Bruno Pereira e Maxciel Pereira e do jornalista Dom Philips, no Vale do Javari, área de concentração de isolados. Outro nome cotado é o da atual deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), que não conseguiu se reeleger.
Companheiro de trabalho de Bruno no Javari, Marubo tem longa experiência num setor da administração pública que exige conhecimento especializado. Chefiou as frentes de proteção etnoambiental no Rio Madeirinha, em Rondônia, em 2003, e no Javari, entre 2014 e 2017, regiões que vivem comunidades sem contato com as cidades. Também trabalhou na administração da Funai em Atalaia do Norte (AM).
Em entrevista em setembro ao Roda Viva, Beto Marubo observou que as comunidades indígenas da extensa região de fronteira atuam em parceria com forças de segurança do Estado para garantir a segurança. Ainda assim, ressaltou, os povos tradicionais são tratados como entraves para o País.
Atualmente, ele é uma das referências no âmbito dos indígenas sem contato e representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Na pandemia, Beto destacou-se pelo bom trânsito junto ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator de uma ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ajuizada pelas lideranças indígenas para forçar o governo Bolsonaro a adotar medidas de proteção sanitária nas comunidades isoladas. A partir dos relatos do ativista, Barroso chegou a afirmar que o País estava perdendo a soberania da Amazônia para o crime.
Antes, em abril de 2019, Beto apresentou nas Nações Unidas, em Nova York, um quadro sobre a situação dos isolados. Ontem, o próprio ativista postou no Twitter que a equipe de transição deveria ser informada sobre servidores da Coordenação de Índios Isolados da Funai que atuam em sintonia com a política anti-indigenista do atual governo. Esses servidores “colaboracionistas”, segundo ele, fizeram notas técnicas para prejudicar Bruno Pereira.
“Pessoal, temos de informar à equipe de transição do novo governo para acompanhar a atuação da FUNAI, sobretudo às questões sobre índios isolados. Alguns dos servidores que estão na CGIIRC foram colaboracionistas desse governo que massacrou os parentes”, escreveu.
Os profissionais da área observam, sobretudo, que é preciso garantir espaço na transição ao setor indígena mais visado pela principais redes de pesca ilegal e extração clandestina de ouro e madeira.
O indigenista Welington Figueiredo foi um dos primeiros técnicos da Funai a atuar no Javari, ainda nos anos 1970. Ele observa que os isolados são uma questão central da política indigenista, por serem hoje o principal alvo de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais.
“É preciso de um olhar especial para os isolados”, afirma. “Isso a gente espera há mais de 30 anos, quando trabalhamos na montagem da coordenação de índios isolados”, ressalta. “A política indigenista deve levar em conta a diversidade no setor, é um erro achar que todos os indígenas estão no mesmo estágio de interação social. O Estado tem que jogar uma boia para salvá-los.”